Cheguei em casa no meio da manhã, depois de uma longa e exaustiva noite no hospital. O cansaço pesava em cada músculo do meu corpo, e tudo o que eu queria era me jogar na cama e esquecer o mundo por algumas horas. No entanto, quando encontrei Bernardo no terraço, algo dentro de mim me disse que precisávamos de um momento juntos, longe de tudo, apenas nós dois. Eu sabia que ele estava tão exausto emocionalmente quanto eu estava fisicamente. Precisávamos de uma pausa.— Vou tomar um banho — disse, dando-lhe um beijo leve no ombro enquanto passava por ele. — E já volto, tá?Bernardo assentiu em silêncio, os olhos fixos no horizonte, mas com uma expressão pesada. Entrei no banheiro e deixei a água quente correr pelos meus ombros, tentando aliviar o cansaço e, talvez, lavar um pouco da angústia que se acumulava nos últimos dias. O teste de DNA, o trabalho, Valentina... Tudo parecia girar em torno de mim, e eu mal conseguia processar uma coisa antes que outra surgisse.Depois do banho, vest
Eu estava exausta. O relógio mal marcava dez da manhã, mas eu sentia como se tivesse vivido três dias em um único plantão. A noite anterior havia sido implacável, e meu corpo, cada vez mais sobrecarregado pela STC, parecia implorar por um descanso que eu sabia que não teria tão cedo. Para piorar, a dor nas mãos estava cada vez mais intensa. O constante latejar nas articulações dificultava até as tarefas mais simples, e a cirurgia que eu havia escapado mais cedo foi apenas um lembrete do quanto aquilo estava me afetando. O olhar do Dr. Mendes antes de me liberar da operação deixava claro que ele tinha percebido, e que teríamos uma conversa nada agradável sobre isso em breve.Eu precisava de café. E rápido.Entrei na sala de café quase tropeçando nas próprias pernas, lutando contra a exaustão que ameaçava me derrubar. Mas o que me esperava ali era ainda pior. Assim que pus os pés na sala, o sussurro maldoso de vozes me envolveu como uma nuvem de veneno. Eu sabia que estavam falando de m
~BERNARDO~As últimas semanas tinham sido estranhas. Eu nunca pensei que sentiria falta da correria incessante, das reuniões intermináveis e das decisões difíceis que vinham com o controle da Orsini Tech. Mas aqui estava eu, em um dia normal, sem um compromisso real, almoçando com meu irmão porque simplesmente não tinha mais o que fazer. Claro, eu havia começado a desenvolver um novo projeto na área de realidade aumentada, algo promissor que poderia mudar a maneira como as pessoas interagem com o mundo virtual no cotidiano, mas, sem os recursos da Orsini Tech, cada avanço parecia arrastado. Eu não tinha acesso aos laboratórios, às equipes, ao financiamento robusto que me permitiam transformar ideias em realidade com rapidez. Tudo o que eu tinha agora era tempo, e isso me deixava inquieto.Renato chegou atrasado, como sempre, com o olhar perdido e os ombros curvados, como se estivesse carregando o peso do mundo nas costas. A expressão em seu rosto era a de alguém que estava tentando se
Enquanto observava Ian dormir tranquilamente em seu berço, uma sensação de paz inesperada tomou conta de mim. Cada pequeno suspiro que ele soltava parecia apagar, por alguns momentos, o caos que havia dominado nossas vidas nos últimos meses. Era quase inacreditável pensar em tudo o que enfrentamos. Lúcia, uma peça fundamental nesse quebra-cabeça conturbado, agora estava morta. Eu não queria encontrar consolo na morte de ninguém, muito menos de alguém que, provavelmente, foi apenas mais uma vítima manipulada por Valentina. No entanto, a verdade era que, com a morte de Lúcia, o processo pela guarda de Ian havia finalmente chegado ao fim. E, pela primeira vez desde que o seguramos nos braços, Ian era oficialmente nosso filho. Ian Bianchi Orsini.Ver meu pequenino dormindo serenamente, enchia meu coração de uma alegria silenciosa, mas o peso dos acontecimentos recentes não desaparecia completamente. Tudo o que Lúcia representou, toda a dor e confusão que atravessamos, parecia distante naq
O dia tinha começado com uma leveza rara. Ian brincava com seus brinquedos, balbuciando sons que, em breve, se tornariam palavras mais definidas, e Bernardo e eu estávamos ali, observando-o, aproveitando o silêncio momentâneo. Eu quase podia fingir que tudo estava bem, que a tempestade de problemas que nos cercava tinha passado, mas sabia que aquilo era apenas uma ilusão.Foi Bernardo quem quebrou a tranquilidade. Ele estava quieto demais, o que, no fundo, eu sabia que significava que algo o estava incomodando. Assim que ele começou a falar, o jeito contido de suas palavras e o cuidado exagerado em sua escolha já me fizeram entender que aquela conversa estava prestes a tocar em algo delicado.— Alice, eu tenho pensado muito nos últimos dias — ele começou, e seu tom já denunciava que o que estava por vir seria algo grande. — E... acho que precisamos considerar algo que talvez você não queira ouvir.Um frio percorreu meu estômago, aquela sensação incômoda de que algo sério estava por vi
O hospital estava especialmente movimentado naquela manhã, como se todos os casos urgentes do mundo tivessem decidido aparecer no meu plantão. Eu já estava exausta, mesmo sabendo que o dia seria longo. Desde que o Dr. Mendes resolveu me punir por causa das minhas desculpas para fugir das cirurgias, os plantões pareciam ainda mais desgastantes. Ele vinha me fazendo rodar por diferentes setores, como se eu fosse uma R1 novamente. Sentia-me sendo subutilizada, presa a tarefas básicas enquanto deveria estar praticando aquilo pelo que estudei anos da minha vida: cirurgia. Mas como eu poderia reclamar, se mal conseguia segurar um bisturi sem que minhas mãos latejassem?Enquanto me dirigia ao setor de emergência para mais um atendimento, meu pensamento voltava repetidamente para Bernardo e nossas recentes discussões. Era difícil ignorar como nossas pequenas divergências vinham me abalando. A cada dia, parecia mais evidente que ele estava inclinado a deixar o país, buscando segurança para Ian
Parada em frente ao condomínio de Clarice, não pude deixar de sentir uma onda de estranheza. Já tinha estado ali algumas vezes, quando ainda considerava Clarice uma amiga. Mas agora, observando o prédio com outros olhos, tudo parecia diferente. Era um lugar sofisticado demais, caro demais para alguém que, como eu, recebia uma bolsa-auxílio. Não que fosse um valor ruim, mas não era o suficiente para sustentar uma vida de luxo em um condomínio como aquele. Em uma localização como àquela. Clarice claramente tinha outra fonte de renda. Agora, era Bernardo, claro. Mas e antes? Quem a estava bancando?Respirei fundo e me aproximei da portaria. O porteiro — ou, melhor dizendo, o segurança do prédio, com aquele ar altivo — me encarou enquanto eu explicava o motivo da minha visita. Sinceramente, não esperava que Clarice me recebesse. As coisas entre nós tinham desmoronado há muito tempo, e mesmo o fato de eu estar ali parecia uma afronta.— Pode subir, senhora — disse o segurança, com uma expr
O apartamento de Liz sempre tinha aquele toque aconchegante que me fazia sentir em casa. A luz suave que entrava pelas cortinas, o cheiro familiar de café recém passado e o tapete fofo na sala, onde Ian agora brincava, davam ao lugar uma sensação de conforto que eu desejava poder levar comigo. Coloquei Ian no chão, e ele começou a balbuciar alegremente enquanto pegava os blocos de madeira que Liz mantinha ali especialmente para ele.— Tem certeza de que quer deixar o Ian aqui o fim de semana? — Liz perguntou, segurando uma taça de vinho e me estendendo outra.Suspirei, observando Ian com um sorriso suave. Era difícil, sempre era, mas eu sabia que não tinha escolha.— Tenho, Liz. Você sabe que odeio me separar dele, mas... para aquele ninho de cobras? — Balançava a cabeça em desgosto, ainda me incomodando com a ideia de passar um fim de semana na casa dos pais de Bernardo. — Quero mantê-lo bem longe daquela gente, especialmente com Valentina lá. Vamos hoje e voltamos amanhã. À noite já