O beijo. Não foi planejado, não foi racional e foi completamente errado. Não sei o que passou pela minha cabeça. Talvez tenha sido o momento. Talvez a fragilidade dela, o jeito como seus olhos me encaravam, pedindo algo que nem eu sabia se podia oferecer. Mas nada disso justifica. Eu sabia que estava errado, e mesmo assim fiz. Enquanto descia as escadas, meus passos eram pesados. Não posso agir como se os meus impulsos fossem mais importantes que a lógica. Minha mente voltava ao instante exato em que meus lábios tocaram os dela. Foi breve, mas o suficiente para virar meu mundo de cabeça para baixo. Eu não tinha planejado. Não era parte do acordo. Não deveria ter acontecido. Entrei na cozinha, abrindo gavetas à procura de algo útil. Os sons dos talheres batendo ecoavam no ambiente silencioso. Encontrei uma tesoura velha, o cabo gasto pelo tempo. Passei os dedos sobre as lâminas enferrujadas, tentando ignorar a sensação de peso no meu peito. Fechei a gaveta com força, como se isso pu
Alex dirigia o carro em completo silêncio, mas eu podia sentir seu olhar constante pelo retrovisor, como se estivesse esperando o momento certo para começar uma discussão. Ele não precisava dizer nada; o peso de suas perguntas não ditas já era suficiente para me fazer querer desaparecer no banco de trás. Meu pai, sentado ao meu lado, parecia mais tranquilo. Apenas parecia. Apesar de sua calma característica, eu sabia que ele estava processando tudo. Ele sempre foi um homem de poucas palavras, mas quando falava, cada palavra carregava um peso significativo. A luz fria do poste iluminou brevemente seu rosto enquanto ele olhava para mim. — Você está bem, Liv? — ele perguntou finalmente, sua voz baixa e cheia de cuidado. Pisquei algumas vezes antes de responder, fingindo observar as luzes borradas da cidade pela janela. — Estou. — Minha voz saiu firme, mas por dentro eu estava despedaçada. Ele permaneceu me observando, como se procurasse alguma falha no meu disfarce. — Tem certeza?
O som dos meus socos batendo no saco de pancadas ecoava pelo ginásio vazio. Era sábado de manhã, o único momento do dia em que o clube parecia pertencer só a mim. Tudo estava quieto, sem a pressão de outras pessoas observando, sem a cobrança de responsabilidades ou compromissos. Eu precisava disso. Precisava do silêncio e da dor latejante nos meus punhos para calar os pensamentos que não paravam de girar na minha cabeça desde a noite passada. Por que eu a beijei? Eu sabia que tinha feito algo errado. Eu deveria ter sido racional. Frio. Distante, como sempre sou. Mas com Olívia, nada funciona do jeito que deveria. Com ela, as regras que eu sempre segui pareciam não ter mais efeito. Ela simplesmente tinha o poder de me desarmar, de me fazer perder o controle de uma maneira que ninguém mais conseguia. E o pior, ela parecia não perceber o estrago que causava. Ou talvez, no fundo, soubesse e só não se importasse. As lembranças do beijo me atingiram como uma onda inesperada. O toque suav
O jardim estava envolto por um silêncio suave. O único som era o das folhas balançando suavemente com a brisa leve que fazia o ar parecer mais fresco, mais tranquilo. Eu me apoiava na cadeira de ferro forjado, tentando ignorar o peso do gesso que envolvia meu pé, que já estava imerso em um desconforto constante. A dor física, embora incômoda, era a última coisa que me ocupava naquele momento. O que mais me incomodava era uma sensação que parecia se acumular em meu peito, uma pressão que não conseguia aliviar. Não sabia se eram as dúvidas, o medo ou a culpa, mas algo dentro de mim estava prestes a transbordar.— Olívia? — A voz de Ana, clara e inconfundível, chamou meu nome com uma mistura de surpresa e algo mais. Quando levantei os olhos, vi sua expressão, que rapidamente se transformou em uma mescla de desconfiança e confusão. Ela estava claramente tentando decifrar o que se passava comigo. — Desde quando você e o Damien estão juntos? Alex me contou agora.Meu rosto se aqueceu imedia
A água quente escorria sobre meus ombros, envolvendo-me em um calor reconfortante, mas incapaz de silenciar os ecos da conversa com Ronan. Ele não era o tipo de homem que falava por falar. Quando dizia algo, era porque havia pensado, analisado, planejado. Suas palavras não vinham com a leveza de conselhos, mas com o peso de um alerta: — Você está brincando com fogo, Damien. Contratos assim nunca são só contratos. E você sabe disso melhor do que ninguém. Suspirei, esfregando o rosto com as mãos molhadas. Contrato. Para mim, essa palavra sempre significou segurança, controle, a base de tudo que construí na minha vida. Mas, com Olívia, esse conceito parecia escapar entre os dedos. Nada nela era simples. Seu olhar carregava uma intensidade que me fazia questionar minhas próprias decisões. Era desconcertante, e talvez fosse exatamente isso que me atraía nela: sua imprevisibilidade. Fechei o chuveiro, mas o turbilhão na minha mente continuava. Ao vestir-me, fiz os movimentos no automátic
Eu estava no jardim, tentando encontrar alguma paz. O céu começava a se tingir com os tons do pôr do sol, mas minha mente estava longe de qualquer serenidade. Fazia algumas horas que Ana havia partido, levando consigo toda a agitação e os resquícios do dia. Era um alívio momentâneo, mas também deixava espaço para que outras questões tomassem conta. O beijo. A memória queimava em mim como um segredo proibido. A sensação da boca de Damien contra a minha era tão nítida que eu quase podia sentir o calor outra vez. A intensidade do momento me deixava confusa e inquieta, como se algo dentro de mim estivesse fora de lugar. Desde o instante em que aconteceu, uma avalanche de pensamentos me consumia. O que significava aquilo? E o que ele achava de tudo isso? O som de passos no cascalho interrompeu minha linha de pensamento. Olhei para cima, esperando encontrar Alex, talvez com sua costumeira preocupação exagerada. Mas quando meus olhos se encontraram com Damien, meu coração disparou. Por u
Carl Sagan disse uma vez que, se quisermos fazer uma simples torta de maçã, precisamos inventar o universo. Sim, uma simples torta requer esse processo todo. Quando ele fala sobre inventar o universo, refere-se ao início de tudo. Todas as coisas que conhecemos na vida partem de um início. Mas, para que existam começos, é preciso que fins sejam declarados. O que fazemos, então, quando nos encontramos presos em um ciclo vicioso? Como quebramos esse ciclo de uma vez por todas?Essa pergunta ecoa em minha mente sempre que estou diante de uma situação que exige uma resposta. Sinto que minha vida está presa nesse ciclo repetitivo: reclamar sobre o quanto sou controlada pelos meus pais e, no fim, ceder às suas imposições. Parece simples, mas há algo mais sombrio quando o que enfrentamos é uma relação de poder. Quando estamos à mercê de regras que não fomos nós que criamos, e cada tentativa de fuga é rapidamente sufocada.Eu costumava me refugiar no hipismo, a única coisa que me traz paz. Car
Assim que saio da sala de reuniões com as minhas tias, finjo que estou indo para outro cômodo, mas, ao ver o corredor vazio, corro silenciosamente até a porta para escutar a conversa entre minha irmã e mãe. O tapete felpudo do corredor abafa meus passos, e me posiciono atrás da porta de madeira maciça, sentindo o frio que emanava dela.As palavras de minha mãe ecoam pelo ambiente, como uma música já ensaiada várias vezes: criticar Olívia, apontar suas falhas, e exaltá-la à força para corresponder às expectativas de ser uma Montenegro. A minha mãe não cansa de usá-la como bode expiatório e, como sempre, sou eu quem sirvo de exemplo. A filha perfeita. Meu nome é invocado, como sempre. Eu, o espelho da perfeição. E Olívia... bem, ela nunca entenderá isso. Se ela não fosse minha irmã gêmea, eu diria que foi adotada, tamanha é a diferença entre nós.Um sorriso divertido brota em meus lábios quando ouço minha mãe mencionar como ela precisaria abandonar essa ideia tola de se esconder atrás