Tânia Copelli era dona da marca mundialmente famosa "Blue Scarf" e por muitos anos foi sinônimo de moda, beleza, criatividade e ousadia, mesmo agora, no auge de seus oitenta e nove anos de idade, prestes a completar noventa, trazia traços de uma beleza clássica que desfilou mundo afora por mais de sessenta anos.
Dona de olhos verdes vivos e um sorriso largo fácil, ela foi até o seu guarda-roupa e tirou a caixinha de música que havia ganhado da avó antes dos acontecimentos trágicos que cercavam a sua família e que continuaram a acontecer com ela, mas se não fosse por Gladys Viermond tudo aquilo seria um ciclo de desgraças sem fim.
No fim das contas, tudo sempre girou em torno dela...
Suas mãos gentis e frágeis pela idade abriram a caixinha de música que imediatamente começou a tocar "As quatro estações" de Vivaldi, a música favorita de sua avó que se lembrava com carinho quando havia sido bailarina da corte italiana e a bailarina a dançar pela pista.
Tânia retirou o presente que ganhou de sua avó em seu leito de morte, um lenço azul de seda.
Quantas coisas passamos juntos até aqui, não é mesmo, meu querido?
Ela passou delicadamente a seda em seu rosto, sentindo a suavidade do tecido enquanto fechava os olhos e imediatamente voltou no tempo, vendo a face triste de sua avó, o abraço carinhoso que havia recebido, tudo em sua vida começou naquele momento, foi um batismo de fogo que a vida lhe deu.
Passou por guerras, tragédias, naufrágios e só Deus sabe que mais aquele lenço venceu até chegar em suas mãos...
Sua avó havia recebido o lenço de presente de uma cigana e desde então passou por tantas coisas.
Quem usar esse lenço irá mudar o mundo...
No começo ela se sentiu enganada pela mulher, mas os fios do destino sempre pregavam peças aos incrédulos.
Vendo as coisas naquele momento tudo fazia o maior sentido, seu sacrifício, ela não teria pensado duas vezes em ter a mesma atitude se estivesse em lugar e um sentimento de gratidão, mesmo que atrasado, tomou conta dela e se sentiu a pessoa mais sortuda do mundo.
ELA OUVIU DUAS BATIDAS contidas e respeitosas na porta que estava entreaberta.
— Senhora Copelli? – disse a garota com um dos sorrisos mais amáveis do mundo.
Ela se virou e lhe devolveu o sorriso afetuoso e acenou para que fosse até ela.
— Com licença.
— Pode entrar, querida, fique à vontade.
A moça se sentou na cadeira na sua frente e lhe beijou as mãos de forma respeitosa, como as pessoas faziam antigamente como se estivesse pedindo a bênção da doce senhora que ainda seguravam o lenço azul como se, à moda antiga, estivesse pedindo a sua benção.
— Muito obrigada por me receber, senhora Copelli.
— É uma honra, querida... acho que todos nós esperávamos por esta oportunidade.
— A humanidade espera por isso há muito tempo, a grande história da titânica dama do mundo da moda.
Tânia olhou pelo espelho de sua caixinha de música e em câmera lenta amarrou o lenço em seu pescoço, ajeitou-o delicadamente e confrontou a si mesma se haveria ocasião melhor para usá-lo ainda uma última vez.
A gente nunca sabe quando será a última vez...
— Títulos são inúteis em momentos como este, querida, hoje em dia sou apenas uma velha esperando o seu "grand finalle", o último desfile com os aplausos dos anjos me recebendo depois de uma vida plena...
Último desfile?
Aquilo soava tão antiquado naquele instante, sabendo que a sua primeira vez na passarela foi a última vez de sua maior rival, a maior estilista de sua geração, Gladys Viermond, uma mulher que venceu nazistas em plena Paris dominada por eles...
— A senhora ainda tem muito para viver ainda, senhora Copelli, está muito bem para a idade que tem.
— O tempo só passa para aqueles que não sonham querida, dentro de mim é como se fosse meu primeiro dia de trabalho, e nunca como se fosse o último.
Ela bateu com o indicador mostrando a cabeça.
— Aqui dentro eu nunca envelheci, nem um único dia sequer, os anos foram mera experiência.
— Palavras dignas da sabedoria que a idade nos proporciona.
Tânia sorriu.
— É o mínimo que podemos fazer por nós mesmos conforme o tempo passa, é tentarmos aprender um pouco.
A REPÓRTER BEIJOU A MÃO da senhora à sua frente novamente como forma de respeito pela honra de ter sido escolhida para aquele ato solene, ligou o gravador e perguntou:
— A senhora está pronta?
Ela sorriu.
Nunca estive...
— Acho que nunca estive pronta para nada na vida.
Então, as duas começaram a viajar no tempo através das palavras daquela doce e incrível senhora que mudou o mundo da moda com apenas um lenço azul amarrado no pescoço.
DETROIT – 1928A chuva estava muito forte naquela noite e a família Copelli, o senhor Carl, Janice e a pequena Tânia, de apenas oito anos de idade, estavam indo em direção à fazenda da família no interior do Estado para passar o Dia de Ação de Graças.— Querido, não acha melhor pararmos em algum hotel?Mulheres...— E existe algum hotel neste fim de mundo, Janice? Tinha que ter pensado nisso antes de insistir em vir com esse tempo.Ela percebeu que a ideia tinha sido realmente idiota, o marido sempre foi uma pessoa responsável e que colocava a vida e o bem-estar delas acima de todas as coisas. Jamais colocaria a vida delas em risco, diferente dela que havia insistido numa idiotice e para evitar ainda mais brigas, ele pegou as chaves e saiu estrada afora com a família.Carl e Janice vinham tendo inúmeras bri
NICE, FRANÇA – 1920FRANCESCA VIERMOND estava em trabalho de parto, porém, a parteira olhou para a sua auxiliar e sua expressão não era nada boa.Ela fez sutilmente a negativa com a cabeça.— O bebê não está virado na posição correta para sair.— E o que iremos fazer?— Quem sabe um milagre resolva...Francesca gritava de dor, ela não acreditava que uma gravidez tão tranquila e planejada estava tendo um desfecho como aquele.Quando Jamien, seu marido, entrou no quarto e viu a esposa agonizando de dor entrou em completo desespero, ela não era apenas a sua esposa, era sua melhor amiga, confidente e a pessoa com quem tinha planejado passar todos os dias de sua vida.— Senhor... – Disse a parteira – terá que escolher, ou tentamos salvar o bebê, ou, provavelmente os dois
— ELA VAI FICAR BOA, doutor?O doutor Fellow aferiu a temperatura e a criança estava com mais de 39 graus de febre e aquilo o estava preocupando, nada do que tinha feito havia surtido efeito, o peito da menina estava chiando feito um gato ronronando feliz da vida pelos carinhos do dono.— Acredito que ela esteja com pneumonia.A avó dela chegou bem perto dela e a beijou na testa e sentiu a temperatura dele e ficou apavorada, mas não demonstrou.— Minha pequena, você é a única coisa que ainda me prende neste mundo ingrato... não me tire isso também... seja forte como só uma Copelli pode ser...O doutor colocou a mão em seu ombro solícito com aquela senhora que havia perdido em uma única noite o marido, a filha e o genro.— Doutor... tenho que...— Eu sei, Genara... enterre seus mortos que cuidaremos dos vivos... é tud
A primeira lembrança que Genara tinha era de seus pais embarcando em um navio na Itália e desembarcando em uma fria Nova York, ver a neve caindo do céu era como estar em um paraíso particular.— O que é isso, mamãe?— Neve, filha... aqui é tão frio no inverno que a água congela no céu e cai em flocos de gelo.— É a coisa mais linda que já vi na vida.— É porque você ainda não se olhou em um espelho.As duas riram e continuaram a vislumbrar a nova terra em que iriam morar.Era uma nova língua, novos costumes, mas o melhor de tudo, eram novas oportunidades...ELA LEMBRA DOS PAIS trabalhando e ganhando dinheiro como jamais haviam ganhado na vida, era como se a vida de miséria que tinham levado finalmente tinha ido embora.Genara cresceu dentro dos galpões das fábr
Jamien estava com a filha no colo enquanto viam descer o corpo sem vida de sua esposa dentro de um caixão.Ao contrário do que tinha acreditado durante toda a vida, ele não estava preparado para aquilo, estava preparado para aproveitar a vida ao máximo, mas nunca para deixá-la, de certa forma ele achava aquilo injusto, apesar da taxa de mortalidade ser alta devido a parto, a ideia é que as estatísticas negativas sempre alcance no máximo o vizinho, nunca ele, o problema era que ele era o vizinho desta vez.— Vai ficar tudo bem, Gleide, querida – disse ele à filha enquanto a via dormir despreocupadamente em seu colo – você será maior do que a vida, você brilha, minha querida, sua mãe deu a vida para que você nascesse e vencesse tudo e todos.NAQUELA SEMANA, Jamien vendeu tudo o que tinha e partiu para Paris, sua vida de fazen
Genara entrou no quarto do hospital e ficou todos aqueles dias ao lado da neta, revezando entre orar a Deus e fazer promessas a si mesma, principalmente depois do erro grotesco que cometeu em mandar matar o marido, o infeliz do assassino saiu correndo de sua casa, e após perder muito sangue, desmaiou ao tentar abrir a porteira, onde a vaca saiu correndo, atravessou a pista e o carro de sua família o acertou em cheio, por um milagre a menina sobreviveu caindo justamente em cima da vaca, amortecendo a sua queda.Deixe que os mortos enterrem seus mortos...Foi isso o que aquela velha cigana desgraçada disse daquela vez no circo quando decidiu levar a filha ver aquele espetáculo há tantos anos.Maldita a hora que fui ver aquelas cartas...GENARA ESTAVA COM A FILHA de cinco anos de idade quando o circo chegou na cidade, e tudo aquilo era extraordinariamente mágico, principa
Gleide estava crescendo e já era uma menina que chamava a atenção pela beleza exuberante que irradiava, seu apelido era Esmeralda, devido seu livro favorito, O corcunda de Notredame, de Victor Hugo, era magra, com seios Espanhóis sobressalentes e protuberantes, seus olhos verdes cristalinos e um cabelo encaracolado que saltava os olhos.Não nega a sua descendência cigana...Seu pai já não sabia mais o que fazer para conter os inúmeros pedidos de casamento, ele sabia que mais dia ou menos dia teria que tomar uma decisão, ela gostando ou não, o dinheiro que tinha levado para Paris estava quase no fim, daria para eles manterem seus pequenos luxos por apenas três meses, depois disso estariam à mercê de seus próprios destino, assim como todo bom cigano gostava de viver.— Vou facilitar para você, meu anjo.— Não quero saber de
Os médicos já haviam desenganado Genara quanto ao destino da pobre garota, tudo o que a medicina poderia fazer por ela já tinham feito, o que esperavam agora era por um milagre ou o mais perto disso, e foi exatamente o que aconteceu.Certo dia, logo pela manhã, Tânia simplesmente acordou bem, como se absolutamente nada tivesse acontecido com ela.— Realmente não sei o que dizer, Genara... eu...Genara segurou a mão do doutor com suas duas mão balançando de alegria.— Ela é um milagre, doutor, sempre foi...— Não tenho como discordar disso.— Nem Deus discordaria, doutor... nem Deus...Genara ainda se lembra de tudo como se tivesse sido ontem quando a sua filha lhe trouxe a notícia.***— ESTOU GRÁVIDA, mamãe.Genara abraçou a filha.— Deus seja louvado, minha querida...