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CAPÍTULO 1 - TÂNIA COPELLI

DETROIT – 1928

A chuva estava muito forte naquela noite e a família Copelli, o senhor Carl, Janice e a pequena Tânia, de apenas oito anos de idade, estavam indo em direção à fazenda da família no interior do Estado para passar o Dia de Ação de Graças.

— Querido, não acha melhor pararmos em algum hotel?

Mulheres...

— E existe algum hotel neste fim de mundo, Janice? Tinha que ter pensado nisso antes de insistir em vir com esse tempo.

Ela percebeu que a ideia tinha sido realmente idiota, o marido sempre foi uma pessoa responsável e que colocava a vida e o bem-estar delas acima de todas as coisas. Jamais colocaria a vida delas em risco, diferente dela que havia insistido numa idiotice e para evitar ainda mais brigas, ele pegou as chaves e saiu estrada afora com a família.

Carl e Janice vinham tendo inúmeras brigas, pois Carl se engraçara com uma funcionária e todos estavam sabendo, Janice nunca ligou para os casos extraconjugais do marido, desde que ele fosse discreto, mas aquela humilhação pública da imagem da família estava trazendo nuvens negras e carregadas como aquela noite.

— Acho que fui estúpida em te pedir para vir aqui hoje.

Carl bufou de raiva, concordando como que a sua esposa disse, mas não quis dizê-lo da boca para fora, ele sabia que a esposa tinha o incrível talento para desejar coisas bobas nas horas mais inoportunas do mundo, aquela seria apenas mais uma, mas ele precisava restaurar a imagem diante da esposa, ter saído com aquela garota tinha sido um problema maior do que ele esperava, era para ser apenas uma trepada e nada mais, mas ele se apaixonou pela garota e agora estava vivendo um inferno dentro dele.

A família de Janice o acolheu como um filho e lhe deu tudo do bom e do melhor, se ele saísse daquele casamento sairia com uma mão na frente e outra atrás, Janice só teria alguma coisa na vida depois que a velha Genara batesse as botas, o que não parecia uma aposta fácil de se fazer.

— Agora já estamos aqui... só acho que poderíamos ter esperado algumas horas antes de vir, a casa de seus pais não iria fugir de lá, tem que pensar nisso às vezes, querida.

— É que eu...

— Esse é seu problema, Jan, você faz o que quer e não o que precisa ser feito, tem que aprender a controlar esse impulso, eu relevo muita coisa em prol do nosso casamento, mas tem que aprender a controlar isso, hoje em dia temos uma filha que depende que sejamos responsáveis.

— Eu sei, querido, me perdoa.

— Não, Jan... você não sabe...

CARL ANTONY COPELLI era gerente de uma fábrica onde os pais de Janice, Genara e Camillo Veronese, eram donos e estavam enfrentando um longo processo de falência sem que ninguém soubesse, onde tudo piorou com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York.

Eles ainda tinham uma relativa estabilidade financeira, pois haviam investido paralelamente em outros empreendimentos, mas viam muitas pessoas, até se matarem de desespero devido à Quinta-feira Negra.

Mas eles nunca se renderiam...

A CHUVA ERA TÃO INTENSA que eles não conseguiam enxergar absolutamente nada à frente do carro, Carl dirigia normalmente seguindo seus instintos, mas mesmo para quem conhecesse aquela estrada como a palma de sua mão estava beirando o impossível.

— Não acha que é melhor pararmos um pouco, querido?

 Acho que era melhor nem termos vindo...

— Está tudo bem, Jan, já estamos aqui e falta muito pouco para chegarmos na casa deles.

Ela assentiu, olhou para a filha e sorriu, Tânia dormia tranquilamente no banco de trás sem imaginar tudo o que estavam vivenciando com aquela tempestade e Janice estava rezando enquanto o marido tentava dirigir milagrosamente, mas então tudo aconteceu muito rápido que nem deu tempo dela chegar na parte em que diz amém.

Uma vaca atravessou a pista do nada, como se tivesse sido teletransportada ali por Deus e o carro bateu em cheio, arremessando Tânia para fora dele enquanto o carro derrapou e descia ladeira abaixo, então, poucos segundos depois houve a explosão com Carl e Janice dentro dele.

TÂNIA ACORDOU ASSUSTADA quando caiu no chão molhado e viu uma fumaça intensa embaixo da ladeira, ao seu lado viu uma vaca deitada agonizando, ela não sabia o que tinha acontecido, estava dormindo profundamente, mas ao ser arremessada para fora do carro, a vaca havia amortecido a sua queda, o que foi o primeiro de muitos milagres que viveu em sua vida.

A garota ficou atônita, chamou por seus pais, mas ninguém respondeu, ela gritou mais alto e nada, o barulho da chuva parecia abafar a sua voz, bem como os relâmpagos que caiam e estravam ameaçadoramente, aquela era a primeira vez que sentia um medo que nunca havia sentido na vida, seu pai sempre a protegia de tudo e todos, mas ela não sabia explicar porque seus pais haviam sumido, então fez a única coisa que poderia fazer.

Sentou e chorou.

A CHUVA DEMOROU mais de duas horas, era uma chuva intensa, mas Tânia sentia depois de um tempo que a água estava quente, o que não a incomodava, mas ficou ali observando o carro arder em chamas sem poder fazer absolutamente nada pelos seus pais e nem por ela mesma, sentou no chão, abraçou as pernas e as lágrimas se misturavam às gotas de água da chuva que caiu copiosamente sobre ela.

O caminhão dos bombeiros chegou assim que a chuva parou de cair, quase três horas depois do acidente.

— Você está bem, pequenina? – Disse ele enquanto a enrolava no cobertor.

Ela estava tremendo de frio, mas não sentia frio, na verdade, não sentia absolutamente nada naquele momento.

— Meus... pais...

— A gente ainda está vendo, ok? Vai dar tudo certo, querida... estamos aqui agora, você não está mais sozinha.

Ela assentiu enquanto tremia.

— Conhece alguém que mora aqui perto? Algum familiar? Qualquer coisa que possa nos ajudar.

— Estávamos indo visitar minha avó.

— Sabe como ela se chama?

— Genara Veronese.

— Você é neta do senhor Veronese?

Ela assentiu novamente.

— Aconteceu alguma coisa?

Tânia começou a sentir tudo em sua volta girar, o bombeiro falava, mas sua voz começou a se retorcer,  então, a escuridão total abateu sobre seus pequeninos e sonhadores olhos.

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