Tento não pensar muito no que Fabinho disse e bato na porta diante de mim, espero um pouquinho e uma voz rouca e cansada responde me permitindo entrar.
Atrás daquela porta está um pequeno escritório com estantes repletas de livros nas paredes dos dois lados. Um tapete vermelho sangue no chão e uma escrivaninha de madeira abaixo de uma grande janela.
Aquela era a sala do Mestre Jorge e o velho estava sentado atrás de sua escrivaninha, o rosto mergulhado dentro de um livro.
Já estou acostumado o bastante com ele para saber que não devo interromper enquanto ele termina o que quer que ele esteja lendo.
O tempo passa, segundos, minutos e quase meia hora depois de minha chegada o maldito velho finalmente ergue a cabeça e abaixa o livro com um suspiro cansado. Me pergunto o que diabos ele está lendo.
- Então finalmente está chegando o dia. – Sua voz está mais cansada a cada dia. As vezes esqueço que o homem diante de mim já possui uns setenta anos. Olhando para ele, você as vezes pode pensar que ele tem só uns cinquenta.
- Parece que sim. Infelizmente a renda do orfanato vai diminuir um pouco depois de amanhã.
- Eu agradeço a você e aos outros por contribuírem com as coisas, mas já cansei de dizer que o orfanato consegue se manter sozinho.
Ele desconsidera totalmente minhas palavras e se reclina em sua cadeira, me analisando com seus olhos cansados.
- Vinte anos em. – Prossegue em voz baixa e contemplativa. – Já se passaram dez anos desde sua chegada. O tempo realmente voa.
Suas palavras me trazem um sentimento ruim. Sempre que ele toca no assunto de minha chegada no orfanato me faz lembrar do motivo para eu estar ali.
E porque isso me incomoda? Bem, qualquer coisa que te leve a um orfanato não deve ter sido uma experiência positiva, não é mesmo?
Mas é o seguinte. Os órfãos são separados em diferentes grupos. Existem aqueles que foram simplesmente abandonados por seus progenitores. Aqueles que os perderam por causa de guerras ou outros tipos de conflitos e aqueles que foram vendidos como escravos e recuperados por um milagre grassar aos velhos desse orfanato.
Bem, eu estou no segundo grupo junto com mais um punhado de outros que vivem aqui. Apesar de meu caso ser um pouco delicado, eu tento não pensar muito nele já que não posso fazer nada a respeito com meu nível de força atual.
- Você lembra de tudo que eu ensinei a vocês nesses últimos anos não é mesmo? – A pergunta de Mestre Jorge me tira um pouco de meus pensamentos negativos.
Aceno com a cabeça afirmando que sim e o velho simplesmente olha para mim, como se avaliasse se eu conseguiria sobreviver mais do que um dia na Torre.
- Deixemos isso de lado, nada do que eu disser agora fara muita diferença. Antônio e Gabriela vieram se despedir de mim também, quem mais está indo?
- Até onde eu sei, os outros que também planejam ir são Plinho, Douglas e Viviana. – Eu dou de ombros em seguida, afinal, não é porque moro no orfanato com dezenas de outras pessoas que sei exatamente o que se passa na cabeça de todos eles.
- Oh, esses aí em? – Consigo sentir um pouco do desgosto na voz do velho e seguro minha língua para não comentar sobre o assunto. - Bem, a vida é de vocês e preparei todos para terem mais chances que a maioria das pessoas normais que tentarão subir a Torre.
- Apesar de que ainda estamos em grandes desvantagens comparados a alguns outros.
Uma careta surge no rosto do Mestre Jorge por um momento, mas logo ele a disfarça. Apesar do velhote ter feito o máximo para nos ensinar a nos defendermos e nos dado uma educação decente, ainda ficávamos para trás comparados as famílias e empresas que conseguiam recursos para já enviarem seus jovens de vinte anos para a Torre como usuários de mana.
Eu troquei mais algumas palavras com o velho e então deixei seu escritório. Só passei hoje para falar com ele para agradecer por tudo que ele tinha feito por mim nesses últimos dez anos e provavelmente eu não o veria amanhã no grande dia.
Me encaminhei então para o meu quarto, precisava pegar algumas roupas para tomar um banho e então comer alguma coisa. Depois disso, seria só repouso para estar descansado amanhã.
Quando entrei em meu quarto, um espaço pequeno com um grande armário e quatro beliches que ficavam espremidos, me deparei com um dos outros cinco que eu sabia que iriam comigo para a Torre.
- Está acordado, Tônio?
Um grunhido mal-humorado veio em resposta a minha pergunta e eu abri um sorriso provocativo. Antônio era um dos órfãos do grupo dos abandonados. Ele era um rapaz de pele clara, cabelo castanho liso e olhos verdes. Uma gracinha para muitas das meninas.
Enquanto isso, eu possuía minha linda pele achocolatada, meu cabelo preto encaracolado e meus olhos castanhos escuros, algumas vezes confundidos com uma cor preta.Diferente de mim, Gabriela, Plinho e Douglas, ele era um tipo menos atlético e mais didático. Eu me preocupava um pouco com isso ao pensar nele entrando na Torre, mas dentre todos nós, ele era o mais inteligente e saberia como se cuidar.
Viviana era o mesmo. A garota dependia muito de Douglas para se defender, mas ela possuía outros tipos de armas e geralmente eu evitava entra no lado aposto ao dela em uma disputa.
- O que está fazendo deitado aí tão cedo? Se escondendo de alguém que você vendeu recentemente?
Minha pergunta gerou um novo e mais mal-humorado grunhido de Antônio que se virou na cama e me lançou um olhar frio.
- Eu vendi umas informações para uma das gangues locais e seus rivais não gostaram muito disso
- Eu sei que é sua maneira de conseguir dinheiro, mas você deveria ser mais cuidadoso. – Eu pego algumas mudas de roupa e continuo. – Nem sempre teremos o velho para nos cobrir, muito menos na Torre.
- É, eu sei. – Ele me responde desanimado e se senta na cama. – Está indo comer?
- Banho primeiro.
- Beleza, te encontro no refeitório daqui a pouco então.
Isso era um pouco preocupante, ou seria se a Convocação não fosse amanhã. As gangues, ou pelo menos as pequenas, não tinham coragem suficiente para mexer com o orfanato, mesmo os poucos que possuíam seus usuários de mana não iriam invadir o local atrás de Antônio.
Mas as coisas poderiam ser um pouco diferentes nas ruas.
Teríamos que ser um pouco cautelosos amanhã já que tínhamos escolhido nos reunir em um bar para uma despedida antes de subirmos a Torre.
Vejam bem, a Convocação era um fenômeno individual.
As pessoas eram levadas para a Torre e então seguiam seus caminhos subindo. Não era porque tinham entrado no mesmo local que chegariam juntos no primeiro andar da Torre.
Contando é claro que não vamos morrer logo no início.
Eu aproveitei o máximo possível de meu banho e depois me vesti e segui para o refeitório. A maioria dos mais jovens já tinha saído, restando um punhado de adolescentes que ainda estavam vivendo no orfanato e em um canto mais afastado Antônio comia sozinho.
Fui até a cozinha e preparei meu prato, depois me juntei com o informante azarado.
- Onde os outros estão? – Eu perguntei entre uma garfada e outra.
- Gabriela disse que tinha algo par fazer na Arena enquanto Plinho comentou algo sobre conseguir uma arma para se defender.
- O idiota ainda não garantiu uma arma? – Eu perguntei surpreso.
- Pelo visto não.
- E os outros dois?
Antônio para de comer por um momento e me olha de maneira desgostosa, como se não quisesse falar sobre aqueles dois. Sério, é um problema como todo mundo acaba tendo problemas com Douglas e Viviana.
- Devem estar cuidando das coisas deles. Sério, não me olhe assim, eu tento evitar ficar perto daqueles dois.
- Nós crescemos todos juntos. – Eu falei terminando meu prato. – Não tem por que não nos darmos bem.
- Você é o único que os mantem atados a nós, Mi. – Antônio termina também seu prato e vamos juntos até a cozinha. – E é exatamente por ter crescido com eles que eu não suporto aqueles dois. Eles são… perigosos.
Eu dou um olhar de esguelha para ele e suspiro por dentro. Entendo o porquê disso tudo, mas me incomoda um pouco a maneira que as coisas se encaminharam.
Acho que já faz uns três, talvez quatro anos desde que aqueles dois começaram a andar por um caminho diferente do nosso. Eu fiz o possível para manter o contato, para que eles não cortassem completamente nosso laço como órfãos do orfanato Santa Clara, mas ainda assim era um trabalho um pouco complicado demais.
- Deixe isso para lá. – Eu disse por fim dando um tapinha no ombro de Antônio. – Vamos dormir, o dia amanhã vai ser bem movimentado.
Assim como eu já previa, a cidade estava um inferno naquele dia.Eu e Antônio estávamos parados na entrada do orfanato, cada um com uma sacola de viagens nas costas.Antônio usava uma calça de moletom e tênis roxa, camisa de manga curta preta com um capuz que escondia seu rosto e tinha duas facas curtas presas uma de cada lado de seu cinto. Ele olhava em volta um pouco nervoso, provavelmente preocupado em ser reconhecido pelas pessoas que caçavam ele as vezes.Já eu estava usando uma calça de tecido grosso cheia de bolsos de uma cor verde escura com uma camisa de manga curta cinza escura. Uma faca de lâmina longa e curva estava presa ao meu cinto. Era uma arma de boa qualidade que tinha me custado quase todo o meu dinheiro, já que ela seria minha maior vantagem dentro da Torre.E sabe porque estou dizendo isso? Porque ela era feita para ser um ótimo condutor de mana,
O Bar Mercedes era um dos bares mais movimentados do nosso distrito. Ele ficava em uma encruzilhada que fazia fronteira com um dos cinco distritos principais e por isso você podia encontrar algumas pessoas da alta sociedade lá de vez em quando.Alguns malucos que gostavam de ver como era a vida dos menos afortunados.Assim que eu e Antônio chegamos na entrada do bar, um segurança se adiantou erguendo a mão e barrando nosso caminho.- Pagamento adiantado pela entrada. – Ele falou com uma voz rouca e desinteressada.- Como assim pagamento adiantado? – Eu perguntei confuso.- É o dia da Convocação, Miguel, eles sempre cobram adiantado para evitar os fujões que desaparecem.Eu reviro os olhos. Como eu tinha esquecido algo tão comum?Suspirando, eu olho para o lado e vejo uma placa avisando que estava custando vinte créditos a entrada e com uma risada de
Em um momento estava tudo normal. Nós encarávamos os membros da gangue que estavam perseguindo Antônio, mas de repente, de uma hora para a outra, um sino soou de repente em minha cabeça fazendo com que eu estremecesse.Eu não era o único, dava para ver que muitas outras pessoas no bar estavam passando pelo mesmo. Em sua maioria aqueles que tinham feito vinte anos, mas também era possível ver outros, aqueles que já tinham passado pela Convocação no passado.Afinal, a menos que você aceitasse ir para a Torre de Mana em sua primeira convocação, você nunca mais poderia ir.- Você deseja poder para conquistar? Você deseja poder para comandar? Você deseja poder para ser livre? O que você deseja? Venha criança! Venha para a Torre e se liberte das amarras do mundo. Tudo depende de você!A voz etérea soou em min
Eu sabia que isso iria acontecer. Tinha o Mestre Jorge e mais um punhado de livros para me falarem sobre o que acontecia quando entravamos na Torre, mas mesmo assim, eu tentei recuar assustado com aquilo.Vamos ser claros aqui, quem ficaria esperando uma maldita bola de fogo vir em sua direção?Quando ela me acertou e me engoliu em um mar de chamas coloridas, eu tentei gritar desesperadamente enquanto sentia meu corpo sendo consumido e as chamas invadiram minha boca.O Salão dos Fragmentos Divinos desapareceu e eu me vi novamente mergulhando em um vazio sem fim. Só que desta vez tudo parecia girar a minha volta enquanto as chamas me consumiam.Parecia que fogo liquido tinha sido mergulhado em minhas veias e que minha carne estava sendo fritada em óleo.Eu abri minha boca para gritas, mas nenhum som veio até mim.Tudo que restava era a dor. Um dor sem fim.Mas eu sabia, eu precisava resistir. D
Eu senti que estava caindo em um grande abismo sem fim. A falta de qualquer coisa naquele vazio além de mim mesmo deixava os sentidos muito atrapalhados para ter uma noção de velocidade e tempo.Tentei me acalmar. Respirei fundo e aproveitei esse momento para me focar em minha benção.As bênçãos de Luyr geralmente eram divididas entre poderes mágicos e conhecimento para produção.A minha benção estava focada no lado da magia, mas infelizmente não tinha sido nenhum tipo de magia ofensiva. Eu usaria a mana de uma maneira completamente diferente.Quando comecei a me aprofundar no entendimento de minha benção, minhas costas se chocaram com o chão.Não foi nada forte como uma queda de uma alta altura, mas ainda assim eu senti o chão surgindo de repente em baixo de mim e meu corpo estremeceu com o contato súb
Meus passos ecoavam pelos corredores do Labirinto. O lugar era imenso. Eu já estava andando nesse corredor a pelo menos meia hora.A princípio o caminho parecia ser uma simples reta, mas depois de um tempo eu me dei conta de que ele estava fazendo uma discreta curva para a direita. Se você não prestasse atenção nunca perceberia isso de tão discreto que era.Para piorar, a iluminação aqui era horrível. Eu dependia das raízes que brilhavam para iluminar parcialmente o caminho o que não era muita coisa.Eu podia pegar uma das lanternas que eu trouxe da Terra, mas aí eu estaria gastando as baterias que não eram infinitas e ficaria em falta em algum momento que fosse necessário.Bem, teria que lidar com as coisas do jeito que estavam. Pelo menos eu estava um passo à frente daqueles que ficaram para trás. Sinceramente espero que eles consigam li
Eu acordei de repente ainda sentindo uma exaustão tomando conta de meu corpo e precisei de um momento para me lembrar de onde estava.Me sentando lentamente, sentindo meus músculos protestando a cada movimento que eu fazia, eu dei uma boa olhada em volta.Uma área iluminada por uma fonte de luz que vinha de cima estava clara ao meu redor, mas um pouco mais de dois metros a minha frente a iluminação era engolida pelas trevas e dava para ver que o chão terminava em um precipício sem fim.Ou seja, eu estava em um local seguro dentro da ilusão, já que eu não estava mais usando minha mana para afastar os efeitos, mas ainda assim o efeito da ilusão continuava ativo fora daquele ponto onde eu me encontrava.Me inclinando um pouco para trás, minhas costas se apoiaram contra uma parede fria enquanto eu respirava fundo e analisava minha situação atual.
A noção de tempo dentro do Labirinto era uma coisa complicada já que não tinha como ter uma noção entre dia e noite aqui dentro e perceber isso fazia com que eu me desse conta de que não ter trazido um relógio se tornava uma inconveniência muito grande.Por exemplo, eu já estava dentro do Labirinto a uns seis a sete dias mais ou menos. O que era difícil ter certeza pelo tempo que fiquei desacordado quando entrei no Salão das ilusões, mas eu tinha tirado uns outros cinco momentos para dormir ao longo de minhas explorações pelos corredores do Labirinto.Infelizmente não consegui mais nenhum tesouro em outras salas, não por não ter encontrado nenhuma delas, mas sim porque todas as que eu encontrava já estavam com outras pessoas tentando conquistar suas recompensas.Veja bem, eu estava ao máximo tentando evitar contato com pessoa