Coloquei minha última carga no galpão e limpei o suor da testa. Hoje o dia estava sendo bem movimentado para compensar o feriado de amanhã e mais ainda porque muitos dos funcionários mais novos tinham faltado. Bem, não os funcionários mais novos, mas sim aqueles que estavam para fazer vinte anos no momento, aqueles iguais a mim.
Apesar de que eu não sou tão impulsivo como eles.
- Ei, Miguel, que bom que você não se juntou aos irresponsáveis – uma voz rouca falou vinda de um andar acima de mim no galpão como se estivesse lendo meus pensamentos.
Olhei para cima e dei um sorriso amarelo para o supervisor que estava passando e voltei a focar no trabalho.
Diferente dos outros, eu prefiro seguir com cautela e não apostar todas as minhas fichas em um evento sobrenatural como aquele que acontecia todo o ano novo. Não, esse não era mais seu nome, agora nós chamávamos a virada de um ano para o outro de o Dia da Convocação.
Isso já acontecia a quarenta e três anos quando a primeira convocação aconteceu e mudou de vez o mundo como ele era conhecido, ou pelo menos é o que os livros antigos falam.
Antigamente o mundo era divididos em vários países governados por diferentes tipos de governos que estavam vivendo uma época de falsa paz onde as guerras aconteciam em sua maioria nas sombras, mas tudo mudou após a primeira convocação, ou melhor dizendo, alguns anos depois disso.
Mas isso não vem ao caso agora.
No momento, eu, Miguel, um entre muitos outros órfãos do Orfanato Santa Clara, estou no meado dos meus vinte anos e com isso sou um dos elegíveis para a Convocação. Por isso meu supervisor brinca sobre eu estar aqui trabalhando enquanto muitos da minha idade estão se preparando para o dia de amanhã.
A Convocação, caso você esteja se perguntando, é um fenômeno sobrenatural que acontece todos os anos e dura algumas poucas horas pelo mundo todo. Segundo as pessoas que já passaram dos seus vinte anos, durante a virada do ano, todos receberão um convite em forma de uma voz etérea dentro de sua cabeça.
Aqueles que aceitam, desaparecem de nosso mundo e são transportados para a Torre de Mana, um lugar cheio de mistérios e riquezas, assim como perigos sem fim.
Todos aqueles que voltam da Torre de Mana retornam sabendo usar a mana, um poder que não existia nesse mundo no passado. A mana pode ser usada de diferentes formas, como para fortalecer o corpo, usar magia ou encantar objetos. Aqueles que controlam a mana governam o mundo atual.
E isso responde à pergunta que muitos fazem quando descobrem que mais da metade daqueles que entram na torre pela primeira vez acabam morrendo. Porque entrar em um lugar onde sua chance de sobreviver é menor do que 80%?
Bem, sua chance de morrer é alta, mas mesmo assim a recompensa para caso você consiga voltar faz tudo valer a pena. Você deseja poder? Riqueza? Fama? Liberdade? Tudo pode ser alcançado desde que você sobreviva na Torre.
Por isso, mais da metade das pessoas que fazem vinte anos escolhem por escalar a Torre de Mana e para o bem ou para o mau, eu serei uma dessas pessoas.
Desde meus doze anos eu venho fazendo trabalhos, sejam legais ou ilegais. Tudo para juntar o dinheiro necessário para me equipar para a Convocação.
E por sorte eu tenho quase tudo pronto, por isso não estou com pressa desesperada como a maioria dos meus colegas de trabalho que provavelmente deixaram muitas das preparações para última hora.
Eu gostaria de ter colocado minhas mãos em mais algumas coisas antes de amanhã, mas assim é a vida, já é um milagre que um órfão como eu irá para a Torre medianamente equipado.
Uma sirene começa a tocar e minha alegria alcança o ápice. Finalmente acabou o expediente e estou livre.
Me juntei aos poucos que vieram trabalhar hoje na fila para receber o salaria diário e saio do galpão onde estava trabalhando com um sorriso satisfeito no rosto.
Lá fora, nas ruas da cidade das Cinco Torres, eu dou uma boa olhada em volta.
Os velhotes do orfanato costumavam dizer que antes da chegada da Convocação as cidades eram compostas por inúmeros prédios que chegavam quase até os céus, que as ruas eram asfaltadas e que o uso de armas nas ruas era proibido.
Mas agora, as casas em volta do distrito comercial tinham no máximo uns quatro andares de altura. Muitas das ruas eram feitas de barro, pelo menos ali na periferia da cidade e pelo menos metade das pessoas que andavam na rua tinham algum tipo de arma em mãos.
Muitos andavam com espadas curtas ou facas longas presas aos cintos. A maioria deles não devia fazer a mínima ideia de como usar aquelas armas adequadamente, mas dava a eles um senso mínimo de segurança no mundo em que vivíamos atualmente.
Outra coisa que os velhotes do orfanato costumavam comentar com um certo nível de graça, era que as pessoas hoje em dia se vestiam como uma mistura de pessoas modernas e da idade média.
Você podia ver um rapaz usando bermuda, tênis, camiseta e um cinto de couro com uma espada curta embainhada. Ou uma mulher usando um longo vestido com espartilho e um chapéu de abas longas sobre a cabeça.
Os vestuários de todos se misturavam, desde civis, até seguranças de lojas e a guardas da cidade. Era algo de certa forma… fantástico.
Enquanto eu me movo pela cidade em direção ao orfanato, eu não posso deixar de reparar naquilo que deu o nome a essa cidade.
A cidade das Cinco Torres, com suas cinco torres cinzentas dividindo a cidade em cinco distritos principais e mais um punhado de distritos periféricos como aquele onde eu estava no momento.
Em cada uma daquelas malditas e altas torres se encontrava um dos senhores dessa cidade. Um dos cinco magos que governavam essa região. Cada um deles era um Convocado da Primeira Geração. Eles tinham entrado na Torre nos primeiros anos e saído de lá como portadores de grandes poderes.
Hoje eles governavam como reis essa cidade e suas famílias lutavam pelo poder, cada uma querendo ser mais poderosa que a outra e pisando nas pobres almas que faziam aquela cidade funcionar.
Aquilo era o que muitos chamavam de o retorna da velha nobreza, ou o que quer que isso significasse.
Malditos velhotes e suas frases velhas do velho mundo.
Então, voltando as cinco famílias lideradas pelos cinco senhores da torre que governavam essa cidade. Eles seriam um saco de se lidar, se outras sete facções não tivessem surgido na cidade para poder igualar um pouco as coisas.
Veja bem, os cinco não são aliados, de forma alguma. E essa desunião foi o que deu a sete grandes empresas a chance de crescer na região. Cada uma dessas empresas era gerida por um punhado de pessoas que tinham conseguido grandes poderes e riquezas nas Torre de Mana, e por mais que eles não ousassem desafiar os cinco senhores da cidade, eles ainda possuíam um poder a ser respeitado.
Agora deixemos de lado os poderosos da cidade que eu provavelmente nunca me envolverei e vamos focar no que está a minha frente porque acabei de chegar no orfanado Santa Clara. Um lugar maravilhoso, com um belo jardim, um casarão de dois andares e um punhado de velhos e velhas cuidando de várias crianças abandonadas por seus progenitores ou que os perderam por algum caso infeliz da vida.
E é claro, tem aqueles que assim como eu já são maiores de idade, mas continuam por aqui, já que não temos para onde ir e podemos ajudar com as despesas.
- Já chegou, Mi? – Uma senhora perguntou enquanto molhava as plantas do jardim.
- Boa tarde, Elena. – Essa senhora chamada Elena é uma das mais gentis mulheres do mundo. Uma grande tia que vai cuidar de suas feridas e deixar você levar doces escondidos para o quarto quando ninguém estiver olhando.
Mas por mais que eu ame essa vovó gentil, eu também sei que ela é uma conversadeira de primeira e se eu vacilar, acabarei ficando preso com ela aqui no jardim até a hora de ir dormir.
É por isso que entro rapidamente no orfanato após uma rápida troca de palavras.
O orfanato por si é um dos maiores edifícios do nosso distrito e isso é grassas a influência de Mestre Jorge, um velho que fez parte dos primeiros grupos a serem convocados para a Torre e é grassar a esse velho que eu tenho a chance de mudar meu destino.
Enquanto caminho pelos corredores do orfanato, eu vejo inúmeras crianças correndo e brincando para todos os lados. A essa hora as tarefas deles já terminaram e pelo mês em que estamos eles já não possuem nenhuma aula já que estão de férias.
Vê-los correndo de um lado para o outro me lembra um pouco do passado, quando eu e os outros corríamos e brincávamos por esses mesmos corredores.
- Miguel? – Uma voz me chamou de repente me fazendo parar de andar e olho para dentro de um quarto para ver um homem um pouco mais velho do que eu repreendendo um garoto que devia ter no máximo uns quinze anos de idade.
- E aí, Fabinho – o cumprimento e já me preparo para continuar meu caminho quando Fabinho faz um gesto pedindo para que eu espere.
Sinceramente, eu gosto dele, mas ele era a única pessoa que eu não queria me encontrar no momento.
Fabinho tinha vinte dois anos e tinha sido um dos membros do orfano a entrar na Torre dois anos atrás. Ele retornou depois de uns cinco meses lá dentro, mas seu retorno não foi tão glorioso assim.
Um olhar para seu braço esquerdo, ou melhor dizendo, para a falta dele, era uma mostra bem simples dos perigos da torre.
Segundo o que eu sabia, Fabinho tinha chegado até o quarto andar da torre onde mal tinha conseguido sobreviver para retornar. Ele tinha retornado com pouquíssimos itens que valessem alguma coisa e apesar de poder usar mana agora, suas habilidades eram consideradas bem medíocres e seu único poder de nota era que ele podia acalmar qualquer animal perto dele.
- Desculpa, acho que te fiz esperar tempo demais – falou enquanto saía do quarto e caminhava pelo corredor comigo.
- Sem problema. O que o garoto fez?
- Nada demais, eu só estava aconselhando ele porque ouvi outras crianças dizendo que ele estava pensando em se juntar a guarda da cidade.
Hum, isso é bem interessante. Bem, além de se tornar um convocado, há outra maneira de conseguir se tornar um usuário de mana ou ter um futuro um polco promissor - Primeiro vamos esclarecer uma coisa. O Mestre Jorge, o velho convocado que gere esse orfanato, sempre treinou os jovens daqui para que eles soubessem se defender e isso abriu as portas para muitos de nós como seguranças ou guardas e até mesmo como soldados - mas apesar de assinar um contrato para servir alguém ter seus méritos, eu preferiria não colocar meu futuro nas mãos de terceiros.
- Então, o que você quer conversar? – pergunto a Fabinho apesar de já saber qual será a resposta dele.
- Vocês vão mesmo entrar na Torre? – A pergunta dele veio em um sussurro quase inaudível.
É, eu já esperava por isso. Desde que voltou, Fabinho sempre tentou desmotivar qualquer um que tentasse seguir o caminho da Torre de Mana. Eu entendo ele, suas experiências lá não foram nem um pouco boas e mesmo assim ele ainda é um dos sortudos que voltaram com vida, mas mesmo assim, ainda é um saco ter ele tentando se meter nesse assunto.
- Eu acho que você já deve ter conversado com os outros e essa não é a primeira vez que você vem conversar comigo. Já não sabe a resposta?
Ele balança a cabeça com tristeza. Provavelmente era sua última tentativa de me desmotivar a ir, mas eu acabei com suas chances antes mesmo dele começar a se aprofundar no assunto.
- Tenha cuidado, Miguel. A Torre é um mundo completamente diferente do nosso e um passo errado pode significar seu fim. – Ele se vira para ir embora, mas hesita antes de falar novamente. – E acima de tudo, não confie em ninguém.
Com essas palavras sinistras ele vai embora e me deixa sozinho no corredor.
Tento não pensar muito no que Fabinho disse e bato na porta diante de mim, espero um pouquinho e uma voz rouca e cansada responde me permitindo entrar.Atrás daquela porta está um pequeno escritório com estantes repletas de livros nas paredes dos dois lados. Um tapete vermelho sangue no chão e uma escrivaninha de madeira abaixo de uma grande janela.Aquela era a sala do Mestre Jorge e o velho estava sentado atrás de sua escrivaninha, o rosto mergulhado dentro de um livro.Já estou acostumado o bastante com ele para saber que não devo interromper enquanto ele termina o que quer que ele esteja lendo.O tempo passa, segundos, minutos e quase meia hora depois de minha chegada o maldito velho finalmente ergue a cabeça e abaixa o livro com um suspiro cansado. Me pergunto o que diabos ele está lendo.- Então finalmente está chegando o dia. – Sua voz está mais
Assim como eu já previa, a cidade estava um inferno naquele dia.Eu e Antônio estávamos parados na entrada do orfanato, cada um com uma sacola de viagens nas costas.Antônio usava uma calça de moletom e tênis roxa, camisa de manga curta preta com um capuz que escondia seu rosto e tinha duas facas curtas presas uma de cada lado de seu cinto. Ele olhava em volta um pouco nervoso, provavelmente preocupado em ser reconhecido pelas pessoas que caçavam ele as vezes.Já eu estava usando uma calça de tecido grosso cheia de bolsos de uma cor verde escura com uma camisa de manga curta cinza escura. Uma faca de lâmina longa e curva estava presa ao meu cinto. Era uma arma de boa qualidade que tinha me custado quase todo o meu dinheiro, já que ela seria minha maior vantagem dentro da Torre.E sabe porque estou dizendo isso? Porque ela era feita para ser um ótimo condutor de mana,
O Bar Mercedes era um dos bares mais movimentados do nosso distrito. Ele ficava em uma encruzilhada que fazia fronteira com um dos cinco distritos principais e por isso você podia encontrar algumas pessoas da alta sociedade lá de vez em quando.Alguns malucos que gostavam de ver como era a vida dos menos afortunados.Assim que eu e Antônio chegamos na entrada do bar, um segurança se adiantou erguendo a mão e barrando nosso caminho.- Pagamento adiantado pela entrada. – Ele falou com uma voz rouca e desinteressada.- Como assim pagamento adiantado? – Eu perguntei confuso.- É o dia da Convocação, Miguel, eles sempre cobram adiantado para evitar os fujões que desaparecem.Eu reviro os olhos. Como eu tinha esquecido algo tão comum?Suspirando, eu olho para o lado e vejo uma placa avisando que estava custando vinte créditos a entrada e com uma risada de
Em um momento estava tudo normal. Nós encarávamos os membros da gangue que estavam perseguindo Antônio, mas de repente, de uma hora para a outra, um sino soou de repente em minha cabeça fazendo com que eu estremecesse.Eu não era o único, dava para ver que muitas outras pessoas no bar estavam passando pelo mesmo. Em sua maioria aqueles que tinham feito vinte anos, mas também era possível ver outros, aqueles que já tinham passado pela Convocação no passado.Afinal, a menos que você aceitasse ir para a Torre de Mana em sua primeira convocação, você nunca mais poderia ir.- Você deseja poder para conquistar? Você deseja poder para comandar? Você deseja poder para ser livre? O que você deseja? Venha criança! Venha para a Torre e se liberte das amarras do mundo. Tudo depende de você!A voz etérea soou em min
Eu sabia que isso iria acontecer. Tinha o Mestre Jorge e mais um punhado de livros para me falarem sobre o que acontecia quando entravamos na Torre, mas mesmo assim, eu tentei recuar assustado com aquilo.Vamos ser claros aqui, quem ficaria esperando uma maldita bola de fogo vir em sua direção?Quando ela me acertou e me engoliu em um mar de chamas coloridas, eu tentei gritar desesperadamente enquanto sentia meu corpo sendo consumido e as chamas invadiram minha boca.O Salão dos Fragmentos Divinos desapareceu e eu me vi novamente mergulhando em um vazio sem fim. Só que desta vez tudo parecia girar a minha volta enquanto as chamas me consumiam.Parecia que fogo liquido tinha sido mergulhado em minhas veias e que minha carne estava sendo fritada em óleo.Eu abri minha boca para gritas, mas nenhum som veio até mim.Tudo que restava era a dor. Um dor sem fim.Mas eu sabia, eu precisava resistir. D
Eu senti que estava caindo em um grande abismo sem fim. A falta de qualquer coisa naquele vazio além de mim mesmo deixava os sentidos muito atrapalhados para ter uma noção de velocidade e tempo.Tentei me acalmar. Respirei fundo e aproveitei esse momento para me focar em minha benção.As bênçãos de Luyr geralmente eram divididas entre poderes mágicos e conhecimento para produção.A minha benção estava focada no lado da magia, mas infelizmente não tinha sido nenhum tipo de magia ofensiva. Eu usaria a mana de uma maneira completamente diferente.Quando comecei a me aprofundar no entendimento de minha benção, minhas costas se chocaram com o chão.Não foi nada forte como uma queda de uma alta altura, mas ainda assim eu senti o chão surgindo de repente em baixo de mim e meu corpo estremeceu com o contato súb
Meus passos ecoavam pelos corredores do Labirinto. O lugar era imenso. Eu já estava andando nesse corredor a pelo menos meia hora.A princípio o caminho parecia ser uma simples reta, mas depois de um tempo eu me dei conta de que ele estava fazendo uma discreta curva para a direita. Se você não prestasse atenção nunca perceberia isso de tão discreto que era.Para piorar, a iluminação aqui era horrível. Eu dependia das raízes que brilhavam para iluminar parcialmente o caminho o que não era muita coisa.Eu podia pegar uma das lanternas que eu trouxe da Terra, mas aí eu estaria gastando as baterias que não eram infinitas e ficaria em falta em algum momento que fosse necessário.Bem, teria que lidar com as coisas do jeito que estavam. Pelo menos eu estava um passo à frente daqueles que ficaram para trás. Sinceramente espero que eles consigam li
Eu acordei de repente ainda sentindo uma exaustão tomando conta de meu corpo e precisei de um momento para me lembrar de onde estava.Me sentando lentamente, sentindo meus músculos protestando a cada movimento que eu fazia, eu dei uma boa olhada em volta.Uma área iluminada por uma fonte de luz que vinha de cima estava clara ao meu redor, mas um pouco mais de dois metros a minha frente a iluminação era engolida pelas trevas e dava para ver que o chão terminava em um precipício sem fim.Ou seja, eu estava em um local seguro dentro da ilusão, já que eu não estava mais usando minha mana para afastar os efeitos, mas ainda assim o efeito da ilusão continuava ativo fora daquele ponto onde eu me encontrava.Me inclinando um pouco para trás, minhas costas se apoiaram contra uma parede fria enquanto eu respirava fundo e analisava minha situação atual.