Cap 3

Assim como eu já previa, a cidade estava um inferno naquele dia.

Eu e Antônio estávamos parados na entrada do orfanato, cada um com uma sacola de viagens nas costas.

Antônio usava uma calça de moletom e tênis roxa, camisa de manga curta preta com um capuz que escondia seu rosto e tinha duas facas curtas presas uma de cada lado de seu cinto. Ele olhava em volta um pouco nervoso, provavelmente preocupado em ser reconhecido pelas pessoas que caçavam ele as vezes.

Já eu estava usando uma calça de tecido grosso cheia de bolsos de uma cor verde escura com uma camisa de manga curta cinza escura. Uma faca de lâmina longa e curva estava presa ao meu cinto. Era uma arma de boa qualidade que tinha me custado quase todo o meu dinheiro, já que ela seria minha maior vantagem dentro da Torre.

E sabe porque estou dizendo isso? Porque ela era feita para ser um ótimo condutor de mana, então quando eu aprendesse a manusear a mana, eu poderia usa-la com muito mais facilidade para lidar com qualquer ameaça.

A nossa frente, as pessoas se moviam apressadas e animadas. Alguns estavam a pé, sozinhos ou em grupos. Outras em carruagens e era possível ver até mesmo um caro automóvel movido a mana em meio à multidão.

- Onde marcamos mesmo de nos encontrar? – Eu perguntei para Antônio que quase pulou assustado quando toquei seu braço.

- Merda, Miguel. Você quer me matar de susto? – Ele perguntou esfregando o peito e resmungando em seguida. – Quase tive um ataque do coração.

- Foco, Tônio. Foco.

- É fácil para você falar. Não é você que está sendo caçado.

- Sei, sei.

Ele me deu um olhar mal-humorado diante de meu descaso e desinteresse aparente com seus problemas e eu revirei os olhos.

- Onde, Tônio?

- Bar Mercedes.

Eu ergui uma sobrancelha e abri um sorriso. Quase tinha me esquecido do local. Tanto tempo que eu não ia lá. O que foi provavelmente o motivo para termos marcados de nos encontrarmos para a despedida lá.

Nós entramos na multidão e seguimos o fluxo enquanto andávamos pela cidade.

Passávamos por lojas onde os vendedores vendiam equipamentos para aqueles que queriam se aventurar na Convocação. Outros vendiam poções e mantimentos e tinham alguns poucos charlatões querendo vender artefatos milagrosos que salvariam vidas em situações de perigo.

Tudo que prestava era caro demais para uma pessoa normal comprar e aquilo que era barato, não deixava de ser caro e provavelmente era falso.

Mestre Jorge tinha sido bem claro sobre suas dicas sobre esse momento nos últimos anos e apesar de nunca ter ido para a Torre, eu sempre estive presente nas ruas durante a Convocação, sei bem o que acontecia por aqui nesses lugares.

- Ei, meus jovens, vocês parecem corajosos aventureiros prontos para a Convocação. O que me dizem? Gostariam de comprar uma armadura de escamas? – Um vendedor pulou na nossa frente, vendendo seu produto de repente.

- Ignorem ele, rapazes. – Uma mulher gorda falou empurrando o vendedor para o lado. – Vocês sabem o que é importante de verdade, não é? O que me dizem de uma pedra de mana? Faço bem baratinho para vocês.

Nós ignoramos eles e seguimos em frente. Era verdade que no dia da Convocação muita coisa ficava barata para ser vendida aos desesperados que não se prepararam devidamente ao longo dos anos, mas também muita coisa inútil era vendida ali.

Um grito assustado soou de repente e a multidão se espalhou enquanto um homem musculoso usando uma armadura de couro erguia um homem magricelo no ar.

- Seu filho da mãe. – O musculoso bradou balançando o homem. Os pés deste balançando acima do nível do chão. – Não foi você o merdinha que me vender um acessório magico cinco anos atrás?

O homem parecia furioso enquanto balançava o magricelo no ar e um único olhar mas escutar aquelas palavras era o bastante para que eu entendesse o que tinha ocorrido.

O musculoso era provavelmente um Convocado de cinco anos atrás quer tinha sido enganado pelo vendedor magricelo e deve ter passado por dificuldades com a situação e agora que tinha encontrado de novo o magricelo, estava querendo se vingar.

Situação como essa ocorriam todos os anos infelizmente.

- Vamos embora. Essas coisas nunca acabam bem.

- Espera, espera. – Eu tentei puxar Antônio comigo, mas o miserável se soltou e voltou para olhar a confusão. – Você não sabe quem é aquele?

Eu dei uma boa olhada no grandão, mas é difícil conhecer todo mundo na cidade.

- Quem? – Perguntei dando de ombros.

- Bruno Furioso.

- Quem? – Perguntei com mais intensidade e descrença. Que diabos de nome é esse?

- Bruno Furioso. Ele é um Convocado Autônomo com um histórico de duas idas para a Torre.

- Duas idas em cinco anos? – Eu perguntei erguendo a sobrancelha. Esse não é nenhum histórico muito orgulhoso.

- Pode não parecer muito, mas ele durou sete meses na primeira vez e um ano inteiro na segunda. – Meus olhos se arregalam de surpresa diante daquela informação e Antônio continua. – Parece que recentemente ele reuniu um grupo de Convocados e planeja avançar mais ainda na Torre.

- E então merdinha, como você vai me compensar por aquela merda que você me vendeu, em? Eu quase morri confiando naquela falsificação.

- Senhor, se acalme, por favor. – O magrelo tentou argumentar enquanto era sacudido no ar. – O senhor tem certeza que fui eu que te vendi esse tal acessório falso? Eu sinceramente não lembro do senhor.

- Deixa de conversa fiada, seu maldito. Tá querendo morrer?

- Senhor, por favor coloque nosso vendedor no chão.

De repente um trio de homens usando armaduras de couro surgiu abrindo caminho pela multidão. Dois deles possuíam bastões longos de aço em mãos enquanto o terceiro possuía um sabre.

- Quem diabos são vocês? – Bruno Furioso perguntou, se virando para encarar os três recém-chegados.

- Vamos dizer que somos aqueles que mantem a ordem por aqui. Ordem essa que você está perturbando. – O homem com o sabre falou.

- Foda-se sua ordem, eu quero saber como esse merdinha vai me compensar.

- O senhor possui alguma prova que mantenha sua acusação?

- Foda-se isso, esse merdinha me vendeu um acessório falso cinco anos atrás quando entrei na Torre pela primeira vez e a bugiganga quase custou minha vida.

- Então o senhor não tem nenhuma prova em mãos que comprovem suas palavras?

- Eu tenho minhas palavras e isso já basta, ou você está me chamando de mentiroso, seu fodido?

Bruno Furioso jogou o vendedor magricelo no chão e então um brilho vermelho começou a cobrir seu corpo enquanto ele dava um passo ameaçador em direção ao homem com o sabre.

Os dois homens com bastões recuaram diante da pressão causada pela aproximação de Bruno Furioso, mas o homem com o sabre nem piscou enquanto dava ele mesmo um passo em direção ao musculoso e fazia com que um brilho esbranquiçado cobrisse seu próprio corpo.

- Uma Benção de Vistho? Nada demais. – Bruno Furioso falou com desdém diante do brilho esbranquiçado em volta do homem com o sabre.

- Vocês das Benções dos Quatro Grandes se superestimam demais.

O homem com o sabre balançou a cabeça com decepção e colocou a mão sobre o cabo de sua arma. Um vento estranho começou a se agitar em volta dele o que fez com que Bruno Furioso parasse de avançar por um momento e estreitasse os olhos.

Os dois homens se encararam com intensidade, a pressão em volta deles crescendo a cada segundo e todo mundo se afastando para não ser pego no fogo cruzado. Foi nesse momento que o som de botas pesadas golpeando o chão preencheu as ruas e um grupo de fardado atravessou a multidão com uma pressão muitas vezes maior que a dos dois homens, esmagando a todos.

- Muita coragem de vocês quererem lutar assim em público.

Dez guardas da cidade entraram de repente no círculo aberto pelas pessoas ao se afastarem de Bruno Furioso e o homem de sabre. Na frente dos dez guardas estava um homem usando um manto azul com o brasão das Cinco Torres estampado em seu peito.

O homem estava na casa dos quarenta anos e uma intensa luz azul translucida cobria seu corpo e o ar a sua volta.

Aquele homem, diferente de Bruno Furioso e do homem de sabre, era um mago, um usuário de mana externa enquanto os outros dois eram guerreiros, usuários de mana interna.

- Em consideração ao dia de hoje eu posso deixar isso passar. - O homem de manto azul falou enquanto encarava os outros dois. – Mas se vocês quiserem causar confusão, então talvez eu possa enfrentar vocês dois para satisfaze-los.

O brilho azul translucido ficou mais forte e uma aura fria se espalhou pelos arredores causando calafrios em todos.

Na mesma hora Bruno Furioso e o homem de sabre recuaram e o brilho sobre seus corpos desapareceu enquanto eles davam sinal de submissão.

O homem no manto azul grunhiu e deu a eles um olhar ameaçador antes de se virar e partir com os dez guardas da cidade. Bruno Furioso olhou enfurecidamente para o homem com o sabre e saiu em seguida resmungando que as coisas ainda não tinham acabado.

- Parece que presenciamos algo grande. – Eu comentei um pouco distraído.

  - Algo grande? Você não faz nem ideia.

Eu dei um olhar para Antônio e percebi que ele estava bastante animado. Arrastando-o novamente em direção a nosso destino eu mandei ele falar logo.

- Aquele cara de manto azul é o capitão Hugo Baronato da guarda. Um membro dos Baronato, uma das famílias senhores das Cinco Torres.

- Isso explica aquela mana assustadora dele.

- Sim, ele já tem vinte anos de experiência como um mago e parece que possui uma Benção de Morgret.

Meu corpo se arrepiou com a menção daquele nome. Um nome que significava diretamente a morte.

- Vamos, os outros já devem estar nos esperando.

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