360 dias até o casamento
Fiorella
Já fazia mais de meia hora que os Cox tinham deixado a sala de reunião. Durante esse tempo, enquanto dirigia até o meu apartamento, cheguei a perguntar ao meu pai se ele tinha alguma ideia do porquê deles terem interrompido a reunião, porém não obtive nenhuma resposta convincente. Depois de ser questionada sobre a minha situação com Kyle e do que faria para me livrar do grande problema que eu tinha arrumado, finalmente consegui desviar do trânsito e chegar em casa.
Tinha acabado de me jogar no sofá do apartamento, quando a movimentação do outro lado da linha do celular, naquela hora já jogado na mesa de centro, me fez prestar atenção. Eles tinham voltado para a sala de reuniões, só não sabia se aquele era um bom ou mal sinal.
—Luigi, nos perdoe por uma interrupção tão longa —O senhor Cox disse, pouco depois do barulho da porta fechando ter sido escutado.
—Sem problemas, foi bom tirar esse tempo para um café e para acertar algumas coisas com a Fiorella —Ele respondeu e eu sabia que estava falando sobre a nossa breve conversa sobre Kyle.
—Nosso filho pensou em uma proposta um tanto quanto inusitada, mas acho que não custa nada trazê-la à tona, deixando claro que a intenção não é fazer vocês se sentirem pressionados a aceitá-la. Queremos apenas que cogitem a hipótese calmamente, pois apesar de parecer estranha, essa pode ser a solução para o problema de ambos os nossos filhos— A senhora Cox quem falou, me fazendo achar o rumo daquela reunião estranha. Não era a maior fã desse tipo de encontro de trabalho, mas desejei estar em Los Angeles, cara a cara com eles e podendo ler suas expressões faciais.
—Queremos mesmo ouvi-los, nossa ideia é encontrar uma proposta que seja agradável para ambos os lados. Entendemos a importância do hotel para vocês, mas Fiorella se apaixonou por ele e é exatamente por ela sentir que ele é o lugar certo para começar, que estamos abertos a negociar, que vamos tentar alternativas e fazer o possível para chegarmos em um acordo aqui. Buscar negócio com outros não é nossa intenção, no momento. —Meu pai falou por nós dois.
—Tudo bem, sei que o que vou propor pode parecer um absurdo para quem escutar pela primeira vez ou fora do contexto, por isso peço que antes de tomarem decisões, me deixem explicar exatamente cada ponto, pois a minha intenção é sair daqui com um acordo justo. Vocês têm a minha palavra, jogos e armações não serão feitas e estou sendo completamente verdadeiro em minhas constatações —Thomas começou a dizer.
Precisei me concentrar para prestar atenção em suas palavras, sua voz causava leves vibrações através da linha telefônica, parecia sexy, não ia negar. Não havia me sentido assim, quando a escutei pela primeira vez, quando ele interrompeu a reunião. Eu estava tão afobada e nervosa por conta da confusão com Kyle que não fui afetada, não prestei tanta atenção.
—É claro, iremos ouvir e pensar bem antes de darmos uma resposta —ouvi a voz do meu pai, mas sabia que ele parecia levemente desconfortável. Eu sabia o motivo da sua mudança de humor, não era só a confusão de mais cedo, mas a sensação de que algo grande estava por vir. Pela forma como Thomas e seus pais começaram a apresentar o assunto, era nítido que a proposta dele não era tradicional e que não seria aceita logo de cara, sem pesar os prós e os contras. Mas eles pareciam ter cartas nas mangas, motivos para nos convencer de que tinham encontrado o melhor caminho para o nosso negócio, por mais incomum que ele fosse.
—Imagino que estejam inseguros com toda a situação de Fiorella e seu ex-namorado, Kyle, certo?
—Sim, estou. Eu mentiria se dissesse que as ameaças feitas por ele permitirão que eu durma tranquila esta noite —fui sincera ao falar. Preferi não revelar, entretanto, que estava ainda mais insegura por eles terem ouvido a nossa conversa e poderem usar aquilo contra mim, se desejarem. Eu jamais revelaria essa segunda parte, entretanto.
—Acho que posso te ajudar a resolver o seu problema, enquanto você me ajuda a resolver uma velha encrenca em que me meti!
—Não estou entendendo. —Meu pai quem disse, rapidamente. Dei de ombros, mesmo sabendo que ele não poderia me ver, mas querendo deixar que Thomas concluísse. Eu não poderia compreender antes de deixá-lo terminar de falar e se explicar.
—Há alguns anos, enquanto eu estava na faculdade, ajudei na criação de um aplicativo de celular, que foi desenvolvido por um amigo íntimo e administrado por mim. O negócio era promissor e nós conseguimos o vender por um valor alto, que na época facilmente poderia ditar metade do meu patrimônio.
Comparando com a minha família, os Cox tinham um padrão de vida parecido. Portanto, eu podia entender os valores subentendidos naquela conversa. Éramos ricos, isso era nítido, milionários, por isso havíamos ganhado influência na sociedade empresarial e tínhamos olhos voltados para nós, mas havia muita gente neste país que tinha infinitamente mais dinheiro que nós.
—Realmente, ainda estou confuso com a mudança de assunto —Meu pai novamente interrompeu. Forcei uma tosse, para que ele deixasse Thomas continuar o que dizia, antes de qualquer coisa.
—Nessa época, eu estava noivo e decidi investir esse dinheiro em um fundo considerado de alto risco, pois eu só conseguiria resgatar o patrimônio se me casasse antes dos vinte e cinco anos. Bem, como vocês devem imaginar, estou prestes a completar vinte e quatro e não estou em um relacionamento, muito pelo contrário meu noivado terminou há algum bom tempo. Fui ingênuo ao pensar que conseguiria desbloquear o fundo com facilidade, o negócio estava em processo de testes, quis me tornar uma cobaia porque o banco me prometeu triplicar o valor. Achei que logo estaria casado e com este dinheiro em mãos, mas as coisas foram para um caminho diferente e enquanto o fundo gera mais dinheiro do que o que me foi previamente prometido, a cada dia que passa eu fico mais perto de só conseguir liberá-lo aos oitenta anos, quando o acordo acaba e o não cumprimento do critério deixa de importar.
—E como você planeja fazer para liberá-lo? Há alguma brecha no contrato? Porque acredito que não vá abrir mão de todo esse dinheiro— falei, curiosa. Ele seria louco se desistisse e resolvesse, de braços cruzados, esperar até o seu aniversário de oitenta anos.
—Não vou e nem posso, não sabemos o dia de amanhã. Porém, venho estudando alguma forma de conseguir o dinheiro e infelizmente a única saída é o casamento, não há nenhuma brecha no contrato. Antes de deixar claro o que quero propor, gostaria de dizer que agora Fiorella tem um segredo meu em mãos, é uma troca justa, depois de termos, mesmo que sem querer, ouvido sobre a sua relação com Kyle —Acredito que ele tenha falado isso direcionado ao meu pai. Era nítido que, antes de propor qualquer coisa, Thomas queria garantir a sua integridade, deixando claro que aquela não era uma tentativa de nos passar a perna, pelo contrário, ele parecia estar buscando ser o mais transparente e justo possível.
—Além disso, há o hotel entre nós, já que aparentemente nós dois o queremos —falei, franzindo o cenho e tentando raciocinar sobre onde ele queria chegar. A única hipótese que passava pela minha cabeça parecia surreal demais para se quer ser dita em voz alta.
—Exatamente. Por isso, pensei que seria importante para você ter um relacionamento, para conseguir se livrar das ameaças de seu ex-namorado e assegurar que ele não terá motivos para fazer nada contra você. Assim como, para mim, seria primordial estar em um casamento, verdadeiro para a sociedade, mesmo que secretamente baseado em um contrato, para conseguir recuperar o meu dinheiro.
—Realmente acho que entendi errado, na verdade todo este papo está sendo uma tremenda confusão, para mim. —O tom de voz de meu pai mostrou que ele estava assustado com a possibilidade que ficou subentendida, mas eu não podia negar, aquilo também me pegou de surpresa.
Eu até tinha cogitado essa possibilidade, quer dizer, eu imaginei que a conversa poderia chegar a esse ponto. Mas não pensei que iria, afinal, a vida real não era um livro de romances e nós não estávamos no Século XIX.
—Está dizendo que deveríamos nos casar? —questionei de uma vez, a fim de sanar as minhas dúvidas.
—Acredito que seria válido para ambos os lados, conseguiríamos nossos maiores objetivos e poderíamos partilhar o hotel. Teríamos um acordo pré-nupcial que separaria os nossos bens e você compraria metade do hotel da minha família, com um preço abaixo do mercado e sob um acordo que te garantiria como administradora e te permitiria fazer do hotel parte de sua futura franquia.
—Veja bem, Thomas: na pior das hipóteses, a minha filha precisa encontrar um namorado, para prevenir que Kyle a exponha na internet. Dito isso, ainda nos resta outras possibilidades menos radicais, como contar que uma mãe advogada e um irmão hacker conseguirão resolver a situação, antes que um namorado se faça necessário e que fotos sejam compartilhadas. Posso te garantir que se Fiorella precisar encontrar um namorado, ela não terá dificuldades de encontrar alguém que queria estar com ela. Agora se casar? Acredito que vocês têm objetivos traçados em comum, como o hotel, e problemas que podem ser resolvidos de maneira parecida, mas há um abismo entre um namoro com um interesse não tão genuíno e um casamento falso —meu pai quis responder por mim, mas tentei manter o sangue frio para a situação.
Eu precisava pensar, como a família Cox nos pediu para fazer, antes de julgar mal a situação e dar uma resposta negativa por impulso, por falta de análise. Parecia absurdo e impulsivo, mas analisando bem, não era.
—Eu provavelmente sairia prejudicada desta situação. Porque como meu pai disse, para mim não é válido estender um namoro por contrato até o altar, mas tudo pode ser conversado, para que isso se torne igualmente vantajoso para ambos —cogitei a possibilidade. Eu não sairia perdendo, se decidisse entrar nesta loucura.
—Tenho algo em mente— Thomas disse e me preparei para ouvir.
360 dias até o casamento Thomas —Sei que não posso comprá-la com dinheiro e nem tenho essa intenção —Comecei a dizer, tentando formular cuidadosamente as minhas palavras— Mas acredito que seria uma oferta justa te oferecer metade do que tenho no fundo financeiro, assim que eu o receber.Não falei tudo o que pensei em voz alta, mas já tinha feito as minhas contas. O dinheiro que estava lá era praticamente perdido, a não ser que eu corresse contra o tempo. Mesmo oferecendo a ela todo esse valor, eu ainda receberia mais do que investi e, mesmo que recebesse a mesma coisa, ainda era mais vantajoso do que simplesmente excluir aquele dinheiro da minha vida.—Me soa controverso, se sabe que dinheiro não é o suficiente para conseguir o que quer de mim, então por que me ofereceu dinheiro? —ela me desafiou. Era justo, da mesma forma que eu não aceitaria um acordo daquele tipo, apenas por dinheiro, eu sabia que ela também não o faria. —Porque acho que é justo que receba por isso, uma vez que
344 dias até o casamento Fiorella Quando cheguei em Aruba, os noivos já estavam aqui há uma semana. Nós iríamos aproveitar alguns dias em família, no paraíso, mas também havia muita coisa para ser feita, no que diz respeito ao casamento. Tudo isso me fazia pensar se era uma escolha consciente passar por todo esse processo sem estar perdidamente apaixonada, sabendo que um divórcio era certeiro. A minha família já estava ciente das ameaças de Kyle. Nós éramos unidos ao ponto de não escondermos as coisas um do outro, por isso, se eu e Thomas fossemos a frente em nossos planos, eu contaria para eles. Jamais conseguiria manter o teatro de família feliz e conseguir enganar os meus irmãos, a minha mãe. Enquanto ela e meu irmão tentavam resolver a situação, eu tentava encontrar uma forma para explicar como seria a minha relação com Thomas Cox. Era difícil, até para mim, administrar a proposta que recebi e o que me fez aceitá-la com mais facilidade do que eu deveria. Eles percebiam que al
344 dias até o casamentoThomasA minha respiração estava presa desde o momento em que entrei naquele quarto. Se não disse nada, é porque não tinha voz, não havia ar em meus pulmões, eu não encontrava uma gota de saliva em minha boca.E porra, ela era a merda de uma patricinha mimada, de quinta categoria. Tenho certeza de que, nesse exato momento, ela deve estar reclamando internamente por ter, sem querer, demonstrado uma “fraqueza” para um desconhecido. Eu conseguia enxergar em sua expressão, como ela foi pega desprevenida me vendo dentro de seu quarto, tendo falado que se sentia mal sem saber que eu estava aqui.Agora ela vestia uma capa de garota fria, metida e confiante, apenas porque não gosta de expor seu lado fraco para qualquer um. Eu não precisei de mais do que alguns segundos para entender que aquele era o jogo de Fiorella. —Eu sei que todos eles ficam lindos em mim, papai. Mas parece que nenhum deles se encaixa com o dia de hoje, fiz mas escolhas e deveria ter trago mais
344 dias até o casamento FiorellaOlhei, mais uma vez, para os três vestidos pendurados no cabide. Minha sincera vontade era de me aventurar pelas ruas de Aruba, faltando um pouco mais de uma hora até o casamento da minha irmã, para comprar outro vestido para utilizar durante a cerimônia.—Gosto do amarelo, apesar do tecido ser mais estruturado e menos confortável. A gravata que o seu irmão vai usar é exatamente dessa mesma cor— meu pai me disse, apontando para o vestido mais claro, que também tinha sido o meu favorito, no dia em que os comprei. —Por que você não experimenta e pergunta a Thomas o que ele acha?—Me pergunta? —Ele disse, de repente, parecendo meio assustado, surpreso com a direta que recebeu. Ouvi a voz dele e reparei nela, o tom rouco, sexy e formal, ele era um pedaço de mal caminho e com certeza poderia ser um interesse físico meu, se eu esbarrasse com ele em uma situação diferente da nossa.Eu e Thomas tivemos uma longa conversa, quando acertamos a proposta do contr
344 dias até o casamento Thomas Me perguntei, algumas vezes, onde estava me metendo e o que estava passando pela minha cabeça. Faz muito tempo desde que descobri e entendi que ideias no papel parecem bem menos trabalhosas do que na prática, é por isso que somente fazendo as coisas com nossas próprias mãos, por além de apenas teoria, que conseguimos adquirir confiança no conhecimento, porque só assim nós conseguimos vivenciar situações imprevistas e desgastantes, trabalhosas, mas que compensam no final, seja pelo aprendizado ou pela matéria.E bem, meus motivos com aquele acordo eram extremamente materiais. Dinheiro e um hotel, como isso poderia soar egoísta! Quando conheci Fiorella, entretanto, percebi que eu estava cara a cara com um desafio maior que o esperado. E quando digo maior, é em muitos sentidos, mais alta, mais bela, mais ardente, mais irônica e muito, muito, mais traiçoeira do que eu pensei que ela seria.Eu tirei duas fotos do tecido do seu vestido, como foi pedido. Ent
Fiorella Observar, do altar montado sob a areia da praia, a minha irmã caminhando até seu noivo, foi um dos momentos mais impactantes da minha vida. Mas também me fez entender uma realidade que, querendo ou não, se aproximava: o meu possível e provável acordo com Thomas Cox me levaria de volta ao altar, dessa vez não como madrinha ou irmã, mas ocupando o posto de noiva. —Ela está absolutamente linda— meu irmão falou, ao meu lado. Sorri fraco e sequei uma lágrima que escorreu pela minha bochecha. —Olhe para Henry, ele está completamente apaixonado— apontei com a cabeça, na direção de nosso cunhado —Fanny é muito sortuda de encontrar alguém que a ame do jeito que ele a ama! —Você também vai encontrar alguém que te ame dessa forma, Fiorella— Filippo me disse, sem que eu tivesse solicitado seu acalento ou demonstrado sentir falta de um relacionamento. —Não sei se estou procurando por isso, Pippo! —Se você diz... Fanny era linda, mas naquele dia, parecia mais radiante do que em
344 dias até o casamento ThomasEu reparei no momento em que Fanny havia jogado o buquê, prestei atenção quando ele ameaçou cair nos braços de um dos convidados e como ele o socou de volta para cima, como se não quisesse recebê-lo. Coloquei as mãos sobre os olhos, quando um vento forte correu, com medo que graus de areia atingissem os meus olhos. Mas quando eu os abri, só consegui ver as flores se aproximando de mim e abrir os braços a tempo para não deixar o buquê cair no chão. Eu não estava participando da busca, mas parece que as margaridas se interessaram por mim mesmo assim, como se tivessem sido capazes de prever a minha busca por uma noiva e o fato de ter encontrado alguém doido o suficiente para cogitar o meu plano. Eu estava conversando com Luigi, o pai da noiva e, bem, também da minha futura noiva, no momento em que tudo aconteceu. Não sei o explicar bem o que passou na minha cabeça na hora, ou o que qualquer um dos convidados pensou quando me viu segurando as delicadas
343 dias até o casamento FiorellaJá era madrugada, muito, muito tarde. Talvez o sol estivesse perto de nascer, mas as comidas e os drinks não paravam de chegar e eu deveria aproveitar a noite, afinal, era o casamento da minha irmã e nós esperávamos que ela se casasse apenas uma vez na vida.Talvez fosse também a última vez que eu participasse de um evento como aquele, antes de estar comprometida, casada e depois divorciada. As coisas já não faziam mais tanto sentido, poucas pessoas ainda estavam na festa e Thomas já tinha sumido do meu campo de visão há horas. Em algum momento, um dos convidados caiu na piscina e quem ainda estava por ali se jogou também, era uma pena pensar em quantos vestidos estavam sendo estragados pela água com cloro. Eu havia bebido o suficiente para sentir algum efeito do álcool, mas não posso ser hipócrita, odiava como a bebida era romantizada e como as pessoas glamourizavam a sensação de não estar no controle de seus corpos. Não gostava de encarar o álco