Paladar. Segundo o dicionário Oxford, é a função sensorial que permite a percepção dos sabores pela língua e sua transmissão, através do nervo gustativo ao cérebro, onde são recebidos e analisados.
Tão frio. Tão exato. Tão... impreciso. Lena conseguiria pensar em dezenas de outras descrições melhor apropriadas para uma função tão importante de seu corpo, não estivesse, no momento, entregue ao prazer quase devasso de suas delícias. Sua língua experimentada valsava entredentes ao sabor suave das notas doces, se curvava à pujança das amargas e se retraía ao pequeno beliscão azedo ao final da coreografia. Por fim, a pequena apneia de antecipação ao prazer da primeira colherada cobrava seu preço: o coração acelerado a obrigava a libertar o ar que aprisionara nos pulmões, e a taquicardia resultante enchia seu peito com o calor da necessidade de inspirar para seguir vivendo. De todas as descrições que ela já lera sobre amar, ou estar apaixonado – desde o Eros grego até a boba descrição de “borboletas no estômago”, não conseguia imaginar qualquer prazer semelhante, exceto por alguns poucos e indecorosos, à primeira mordida em uma sobremesa deliciosa. Tal qual um genuíno apaixonado, o prazer proporcionado por uma refeição excelente lhe fazia esquecer, ainda que momentaneamente, a necessidade de respirar – o mais básico dos instintos de sobrevivência.
A menos que um dia se apaixonasse, ou amasse, algo que ela suspeitava jamais acontecer, o prazer de cá agora, provando uma sobremesa, lhe era indistinguível do prazer que provavelmente sentiria um amante correspondido. Paixão, fosse o que fosse, só lhe era acessível através de comparações puramente hipotéticas desse tipo. Por isso, foi com toda a sinceridade que se dirigiu à responsável pela refeição:
– Eu realmente amo a sua comida, Neide. Mais do que qualquer outro serviço que presta tão diligentemente a mim e à minha casa.
A empregada sorriu enquanto punha tigelas vazias na pia. Trabalhava ali já havia quase um ano, e se acostumara rápido aos modos e hábitos incomuns da filha do patrão – em grande parte pelo cheque gordo no fim do mês e pela tarefa fácil de manter a ordem na casa de um morador tão meticuloso.
A rotina no apartamento era sempre uma só, e seguida à risca: chegar às cinco da manhã trazida pelo motorista, preparar o desjejum já previsto no cardápio da semana e começar a limpar. Lena acordava entre seis e seis-e-meia e comia o que quer que estivesse à mesa, sem reclamar, mas eventualmente elogiando quando gostava muito. Depois, enquanto ela pedalava na bicicleta ergométrica situada na sala por uma hora, a empregada podia limpar o quarto – o que quase sempre envolvia aspirar um pouco ou substituir frascos de xampu vazios e itens similares no banheiro, além de recolher a roupa suja. A menina mantinha o quarto sempre muito organizado e era metódica em relação à posição de todos os objetos e móveis no recinto. As roupas iam e vinham da lavanderia pelas mãos do motorista e as peças íntimas nunca eram assunto da empregada. Aliás, ela não tinha permissão para mexer nas gavetas ou armários do quarto sob qualquer pretexto e sua entrada também era vedada em um dos três quartos da casa. Por valorizar muito o emprego que mantinha naquele apartamento, Neide jamais se atreveu sequer a tentar espiar o que poderia haver no quarto sempre trancado. O outro era o aposento do motorista, que aparentemente dormia na casa, sozinho, com a menina.
Por mais esquisito que isso lhe parecesse (apesar de ser apenas uma das várias pequenas estranhezas que pareciam permear a vida no apartamento) o pagamento no fim do mês e as prestações da faculdade do filho sempre lhe convenciam a não fazer perguntas quando não era solicitada. Igor, o motorista, era um homem jovem, bem-apessoado, introvertido e educado. Tratava Lena como quem tratasse a rainha da Inglaterra e, ao menos sempre que Neide estava presente, recebia de volta o tratamento que um nobre concede a um mordomo que serve a família há gerações.
Depois de pedalar, Lena se banhava, vestia e se aprontava para ir à escola. Igor já estaria esperando à porta a essa altura, assim como Neide, que a entregaria a refeição preparada para o intervalo das aulas. Depois de um adeus breve e quaisquer outras orientações específicas caso necessárias, ela e o motorista partiam. Daí em diante Neide prepararia o almoço, abasteceria a geladeira e a despensa, lavaria os banheiros, pagaria as contas e eventualmente supervisionaria o rapaz que tratava a piscina. Nesse ínterim, Lena retornava da escola e almoçava. A partir daí, Neide poderia fazer o que bem entendesse até as três da tarde – exceto abandonar o apartamento – e estar à disposição caso fosse solicitada, o que raramente acontecia. Eventualmente apenas, Lena a pedia que fosse ao mercado trazer algo que precisava de imediato, ou que baixasse o volume da televisão por atrapalhar seus estudos. Os assuntos da filha do patrão, fossem quais fossem, a mantinham no próprio quarto, ou no quarto sempre trancado, durante a maior parte do dia.
Os sábados e os domingos de Neide normalmente eram livres, mas excepcionalmente hoje (e às custas de uma boa compensação) ela havia concordado em preparar uma refeição para cinco pessoas antes das dez da manhã, cuja qualidade da sobremesa Lena acabara de aprovar.
– Obrigada. – Neide respondeu. – É melhor pôr na geladeira pra não derreter.
– Meus convidados chegarão logo. – Lena retrucou. – Talvez haja alguma desordem inesperada quando você chegar na segunda-feira.
– Nada, sem problema. Espero que se divirta.
Como de costume, Lena não sorriu ao se despedir. De todas as esquisitices da menina, nunca sorrir era, de longe, a que mais incomodava Neide. No primeiro mês, antes de o patrão ligar dizendo que ela estava fazendo um excelente trabalho e que havia decidido efetivar sua contratação, ela achou que a menina a antipatizava, e que por isso, não conseguiria o emprego. Passado o medo, ficou só a estranheza. Agora ela já se acostumara, apesar de, em seu íntimo, reconhecer que ainda assim Lena lhe dava calafrios.
Pouco depois que Neide saiu a porta do apartamento tornou a se abrir. Além de Igor, que abria a porta e ia à frente, três outras pessoas adentraram a sala:
Daniel, às mãos com sua mochila surrada, suas bermudas gastas e sua camisa horrorosa estampada de flores e passarinhos, voltando à soleira da porta para deixar os chinelos, antes de ser interrompido por Igor, que lhe disse não ser necessário;
Nandini, carregando despreocupadamente dois livros grossos de magia debaixo do braço, vestindo preto como se o calor do verão fosse uma mera abstração metafísica, assobiava admirada com o tamanho e a aparência do apartamento;
E Laura, trazendo às costas sua bolsa de algodão certamente cheia de berimbelos esotéricos, vestindo renda ecológica e jeans curto, deixando as longas pernas à mostra.
– Pode apostar – Nandini comentou, observando a piscina pequena e descoberta reluzindo água cristalina – que se eu fugir de casa novamente, venho pra cá.
– Não posso ser legalmente responsável por você. Mas é bem-vinda aqui se desejar me visitar. – Lena respondeu. – Meu tio sempre diz que recebo poucas visitas.
– Seu tio? – Daniel perguntou, sentando-se no sofá da sala, teso. Parecia desconfortável diante do luxo do móvel. – Ele mora aqui com você?
– Não. – Lena dirigiu-se a ele. – É senador. Mora em Brasília. Vem aqui de vez em quando, para ver se estou bem.
– Seus pais...? – Perguntou Laura, arisca. Temia tocar em um assunto delicado.
– Estão vivos, e até onde sei, saudáveis. – Lena a respondeu, chamando todos para a mesa da cozinha. – Vivem no Rio de Janeiro. Exercem funções importantes em cabalas diferentes. Venham comer, para que possamos falar sobre o motivo de eu os ter chamado.
Os demais se dirigiram à cozinha e sentaram-se à mesa.
– Então você mora aqui sozinha? – Laura perguntou, se servindo de bolo.
– Moro com Igor. – Lena respondeu enquanto voltava do quarto com um envelope pardo. – Ele é responsável por resolver assuntos que eu não posso, ou não quero. Cuidado com esses – advertiu Nandini – são feitos com açúcar processado. Os seus estão aqui.
– Estou testando uma coisa. – Nandini informou, mordendo o brownie no topo da pilha discriminada por um cartãozinho de cartolina e pelas palavras “açúcar refinado”.
Por um momento, os demais observaram Nandini se deliciar com dois ou três doces diferentes entre os servidos. Lena parecia intrigada, Daniel constrangido com os gemidinhos de prazer e Laura bestificada com tamanha demonstração de desrespeito à própria saúde. Quando Nandini lançou a mão sobre o quarto docinho, foi interrompida:
– Eu não vou deixar você se matar. – Laura disse, segurando-lhe o pulso. – Você não pode.
– Ah, vai chupar uma... – Nandini começou a dizer, rindo, mas foi interrompida pela sacudidela que Laura lhe impôs ao braço e que a fez derrubar o doce. – Porra, olha o que você fez. – Ela continuou, já menos divertida.
– Não há problema. – Lena informou. – Alguém limpará depois.
– Você não pode. – Laura insistiu, enquanto Nandini inutilmente esfregava a mancha na toalha da mesa com um guardanapo, piorando o problema.
– Acho que você lembra daquela nossa festinha hippie no Morro do Careca semana passada, não lembra? – Nandini perguntou. – O ritual de proteção compartilhada?
– Claro que lembro. – Laura respondeu.
– Pois é. – Nandini prosseguiu. – Desde segunda-feira que minha glicose não passa de noventa e cinco. No começo eu achei que era só coincidência, mas de lá pra cá venho progressivamente comendo uns troços cada vez mais ofensivos e medindo com cuidado para ver se tem alguma reação. Aliás – e se dirigiu aos demais – mais alguém notou alguma diferença esses dias?
– Eu tenho dormido melhor. – Daniel mencionou, pensativo. – Nunca dormi muito bem, desde que era mais novo. Vocês sabem, as vozes. Ainda escuto, e levo tempo para dormir como sempre, mas tenho despertado bem mais descansado.
– Meu desempenho na bicicleta melhorou. – Lena concluiu. – Me sinto mais forte e mais disposta, principalmente pela manhã.
– Provavelmente é o efeito do feitiço. – Laura confirmou. – Meu desempenho físico não piorou, nem meu sono ou cansaço. Mas eu senti bastante sede essa semana, e minha média de idas ao banheiro aumentou também.
– Esses todos são sintomas de glicemia alta... – Nandini advertiu, e de repente parou. Seu rosto pareceu se iluminar. – Péra, péra, péra. Quer dizer então que eu posso comer o que eu quiser e quem se fode é você?
– Parece que funciona assim. – Lena inferiu.
– Caralho! – Nandini exclamou, olhando para Laura. – Então, tipo, se eu sei lá, der para um cara e pegar sífilis, é você que adoece?
– Ei, ei, ei! – Laura interrompeu o devaneio de Nandini. – Não, claro que não! É um rito de proteção, não magia vodu. Suas mazelas não são transferidas pra mim. A gente meio que divide os sintomas, pra você não ficar tão ferrada por causa deles. De repente sua diabetes não está tão forte porque eu sou absurdamente mais saudável que você, e a diferença entre nós duas deve estar equilibrando as coisas, mas não exagere. Se você pegar pesado demais, o máximo que vai me acontecer é ter uns dias de merda. Você, por outro lado, pode morrer. É sério.
– É o que eu diria se quisesse que alguém como eu mantivesse a linha. – Nandini respondeu, provocadora, mordendo outro brownie. Laura fechou a cara. – Relaxe, bebê. Eu não vou te passar nenhum troço venéreo. Vou tomar cuidado.
Terminada a refeição, todos sentaram-se nos pufes e sofás da sala enquanto Lena explicava o que deveriam fazer e mostrava o conteúdo do envelope pardo:
– Ontem meu tio me ligou. – Lena começou. – Ele me disse que o dono da Granado do Norte Shopping precisa que a gente dê uma olhada na filha dele. Aparentemente ela desapareceu quando estava voltando da casa da mãe. O carro dela foi encontrado pela manhã nas redondezas do Largo Dom Bosco, aberto, sem ninguém no volante, e compreensivelmente, meio depenado. Ela foi achada quase seis horas depois, e levada para o hospital. Estava exangue e muito fraca.
– Espera, isso tem alguma coisa a ver com o caso das loiras? – Laura perguntou.
– Caso das loiras? – Daniel e Nandini perguntaram.
– Meu pai comentou comigo esses dias. – Laura explicou. – Parece que tem um sujeito atacando loiras aqui na cidade, faz mais de uma semana. Ele não matou ninguém até agora, nem as agrediu, violentou, ou nada assim. Elas geralmente desaparecem por um dia, e são achadas no outro desmaiadas e desidratadas. Não deu no jornal ainda porque a polícia civil está fazendo o que pode para a investigação seguir em sigilo, mas mais dia, menos dia vaza. Eu não estou na faixa etária das vítimas, mas papai me pediu para tomar cuidado e me deu uma latinha de spray de pimenta e um canivete militar dos dele para eu usar quando for sair.
– Sim, os fatos estão relacionados. – Lena prosseguiu. – A filha de nosso cliente é uma das mulheres atacadas. Ela está em casa e passa bem, mas aparentemente tem tido alguns comportamentos estranhos.
– Deixa eu adivinhar, ela não se lembra de nada, não é? – Nandini perguntou.
– Não, não se lembra. – Lena confirmou. – O que quer que lhe tenha acontecido, ficou no passado.
– Então o que nós devemos fazer? – Daniel perguntou. – Eu sei falar com mortos, identificar opressão e possessão, mas não sei recuperar memórias.
– Como eu disse – Lena retomou – a mulher está apresentando comportamentos estranhos. Ela deseja ficar circulando nos arredores do lugar onde foi encontrada. Parece obcecada com o lugar. Também assumiu uma incomum predileção por bonecas em forma de bebê, hábito que ela havia abandonado desde criança.
– O pai dela... hum... – interveio Nandini – já pensou em procurar ajuda especializada?
– Nós somos a ajuda especializada. – Laura respondeu.
– Eu tô falando de um especialista de verdade. – Nandini retrucou. – Um terapeuta, ou algo do tipo.
– Ele pretende, eventualmente. – Lena respondeu. – Mas dadas as incomuns condições em que a jovem foi encontrada, e à inabilidade dos médicos em explicar como ela quase morreu de choque hipovolêmico sem qualquer ferimento interno ou externo, ele quer eliminar todas as possibilidades.
– Ele é membro ou associado a alguma cabala? – Nandini perguntou. – As pessoas normalmente não contratam um exorcista antes de tentar uns seis ou sete médicos picas primeiro.
– Faz diferença? – Lena indagou.
– Se ele está acostumado com trabalhos do tipo, a gente pode cobrar mais caro. – Nandini respondeu. – E não vamos ter de lidar com ele nos olhando como se fôssemos charlatões.
– Eu não sei dizer. – Lena informou. – Meu tio nos disse que nos pagará como da outra vez. Cento e cinquenta para cada se pudermos apontar a causa e o dobro se pudermos resolver o problema. Também me disse que o cliente já espera por qualquer anormalidade que acontecer durante a investigação, e que estará disposto a nos ouvir.
– Então quem vai nos pagar é seu tio, de novo? – Laura perguntou.
– Sim. – Lena respondeu. – E como da outra vez, abro mão da minha parte. Então serão quatrocentos para cada um de vocês se tivermos êxito.
– Não posso dizer que é uma fortuna, mas isso de ganhar quatrocentos por semana está me deixando muito empolgada. – Nandini disse, esfregando as mãos. – Então, quando vamos ver a moça?
– Agora mesmo. – Lena respondeu, enquanto se dirigia a Igor: – Por favor, ligue o carro. Nós já vamos.
O hotel Rifóles era um dos muitos recantos praieiros de luxo situados na via costeira da cidade. Exatamente de frente para o mar, proporcionava a seus hóspedes uma vista encantadora do infinito azul-turquesa que seguia atlântico adentro até que os olhos se vissem impedidos de seguir adiante, barrados pela linha do horizonte. Ou por cortinas grossas e fechadas, o que limitava muito a visão magnífica do oceano, por um lado, mas também preservava a identidade de todos os ocupantes do quarto espaçoso e elegantemente decorado, por outro. Eugênio Botelho era um senhor de meia idade, com o rosto cheio de vincos e cabelo tingido de forma que gritava artificialidade. Não parecia alguém dado a brincadeiras – impressão acentuada por seus óculos extremamente caros
A praça Augusto Severo era, havia muito, habitué de moradores de rua e alunos gazeteiros que perambulavam pelos arredores do prédio principal da antiga rodoviária. O edifício de dois andares ficava de frente para o Teatro Alberto Maranhão, situado no outro extremo da praça, então protegido por tapumes em função de uma reforma que já se arrastava por anos. Um passeio pelas redondezas mostraria um misto entre a arquitetura urbana contemporânea, com suas casas feias em forma de caixa, geralmente em dois andares dos quais os térreos sempre eram pequenos estabelecimentos comerciais, e alguns poucos edifícios muito encardidos que ostentavam o estilo arquitetônico colonial, com suas janelas de gesso decoradas e suas fachadas angulosas e opulentas. A única similaridade entre os dois tipos de prédio era o fato de todos estarem pichados
Voltar para dentro do prédio depois de tê-lo deixado foi um teste para a força de vontade. Com algum esforço, guiaram a moça para fora, afastaram alguns dos tapumes que o cercavam e a deixaram sob os cuidados de Igor, que se comprometeu a levá-la o mais longe possível e então chamar uma ambulância. Ela, que se debateu em agonia durante todo o percurso, se acalmou abruptamente assim que se afastou do edifício. Resolveram seguir em frente antes que o motorista retornasse, por uma questão de poupar tempo. Já passava muito da meia-noite, e o carro vazio, aberto e com faróis acesos chamaria atenção indevida a qualquer momento. Atravessaram o saguão, subiram as escadas, e rapidamente haviam voltado ao primeiro andar. – Precisamos passar um pente fino. – Laura determinou. –
– Mas que porra você fez, Lena? – Nandini perguntou, horrorizada com o que acabara de ver. Laura e Daniel vinham logo atrás. A voz esganiçada da colega fez Lena recuperar a compostura e lentamente abandonar sua presa, levantando-se. Havia assuntos mais urgentes com que se preocupar. – Puta merda! – Nandini seguia praguejando. – Você matou o menino, Lena! Você matou ele! Laura, que havia acabado de chegar, levou a mão à boca e apenas observava estática. Daniel olhava das companheiras para Lena, dela para o cadáver, e dele para as companheiras de volta. – O q
A rua Frei Miguelinho era espantosamente silenciosa àquela hora da noite. À medida que Igor conduzia o carro ocupado com os quatro adolescentes ansiosos entre os demais estacionados na mão única, aumentavam as dúvidas acerca do funcionamento de qualquer estabelecimento na região. O único sinal de que algo interessante poderia estar ocorrendo ali era duas viaturas policiais transitando preguiçosamente, de forma pouco pretensiosa, mas deixando claro que se necessário, fariam valer a lei e a ordem. Se vagassem por ali em qualquer outro dia, no passado, nenhum dos quatro teria sequer notado esses detalhes, mas hoje era crucial que nada passasse despercebido. Igor estacionou alguns metros adiante do local de destino: a Casa da Ribeira. Originalmente uma hospedaria aberta mais de
Em noites anteriores... O pequeno grupo de aprendizes de feiticeiro autointitulado Tetraedro se reúne na noite de seu primeiro trabalho importante: exorcizar uma suspeitíssima praga de baratas que anda infestando um bairro praieiro na cidade de Natal. Acreditando ser apenas uma ocorrência mundana, o grupo parte em direção às trevas e à mata atlântica no encalço dos insetos... e se depara com algo muito mais terrível do que poderia imaginar: um demônio. Munidos apenas de algumas poucas habilidades mágicas, muita astúcia e improviso, porém, subjugam e encarceram a entidade. O primeiro grande trabalho do Tetraedro lhes rende algum espólio em dinheiro e em confiança do contratante. Um último inconveniente, entretanto, é necessári
Rafaela dormia inquieta, meio pendurada na cadeira de metal branco descascado que rangia quando o corpanzil pendia para um dos lados. Entre os dedos roliços, um copo plástico com café pela metade esfriava sob o trabalho barulhento do ventilador de teto. O jaleco, longe de estar impecavelmente branco, combinava com os arredores longe de estarem impecavelmente limpos. Tudo na copa do hospital parecia apenas a meio caminho daquela assepsia imaculada esperada por um ambiente altamente contaminante. A pia metálica, limpa, exibia pequenas manchas de ferrugem nos cantos. As paredes brancas não eram totalmente alvas – havia um dégradé para o amarelo muito sutil na metade inferior. A tinta que revestia as janelas tinha pequenos pontos rachados, assim como a geladeira, o fogão e os armários. O cheiro era uma mistura de álcool nauseante e pinho perfumado dos produtos de limpeza. Mesmo a iluminação era i