Capítulo II.

Clara Herrera.

Após o fim da noite de inauguração do C&K's bar, logo me despeço de Zelena e sigo para minha casa, já que está bem tarde e Henry deve estar em seu décimo sono e, provavelmente, meus pais também, então, decido passar direto e deixar para pegá-lo quando o dia amanhecer. Assim que termino de entrar em casa, antes mesmo de chegar ao meu quarto, começo a me despir, me livrando da roupa que estou, em seguida, indo até o guarda roupas procurar por algo mais leve e vou direto para a cama, não demorando muito à pegar no sono.

O despertador toca no outro dia, um pouco antess das seis. Me estico de forma preguiçosa sobre a cama, enquanto meu olhar gira pelo quarto, que aliás, está bem bagunçado, e faço uma nota mental para tirar um dia e arrumar o caos que esse cômodo está. Após me levantar, sigo para o banheiro afim de tomar um banho para terminar de acordar, me arrumar e logo em seguida, iniciar mais um dia de trabalho.

Pouco mais de meia hora depois, já me encontro totalmente pronta. Pego meus materiais de trabalho, os coloco no carro e, enfim, sigo para a casa de meus pais para pegar Heitor e levá-lo para a escolinha. Pelas ruas pouco movimentadas da cidade, o percurso dura pouco mais que quinze minutos. Quando chego, assim que abro a porta, já encontro o pequeno correndo pela casa, rindo de alguma brincadeira de meu pai.

— Aqui vocês não dormem, é? — pego o garotinho, recebendo um abraço apertado e um beijo estrelado na bochecha. — Bom dia, meu amor. Dormiu bem? Se comportou direitinho? 

— Aham, ontem o vovô ficou vendo desenho comigo até eu dormir... — conta animado, apontando para meu pai que se aproxima, deixando um beijo em minha testa. 

— Bom dia, minha filha. — o homem sorri, fazendo leves cócegas em Heitor. — Como foi a inauguração do bar? Tudo ocorreu bem?

— Bom dia, papai. Fui muito bom, estava lotado, aliás, muito mais do que imaginamos que estaria. Kelly e eu ficamos muito felizes com esse resultado, logo no primeiro dia.

— Ah, isso é ótimo, meu bem. Tenho certeza absoluta que o negócio de vocês irá prosperar e crescer muito. Como o pai coruja que sou, saiba que já estou muito feliz por vocês. — deixa mais um beijo carinhoso em minha testa.

— Bom, preciso resolver algumas coisas antes de ir para a livraria, nos vemos depois?

— Claro papai, nos vemos depois. — trocamos um abraço rápido. — Bom trabalho, te amo. 

— Também te amo, minha pequena. Bom trabalho pra você também. — brinca com os cabelos de Heitor, que permanece em meu colo entretido com um brinquedo em suas mãos. — Tchau, meu garoto. Te amo! E se comporta, em?! 

— Tchauzinho, vovô. Também te amo muito, muito! — abre os bracinhos de forma exagerada. 

Depois que meu pai sai, sigo para a cozinha, respondendo uma enxurrada de perguntas de Heitor que, nesse momento, passa pela conhecida “fase dos porquês” onde até os menores assuntos geram inúmeros questionamentos que, em algumas das vezes, nem seu sei a resposta. 

— Bom dia, mãe. — coloco Heitor em uma cadeira e vou até Olívia, deixando um beijo em sua bochecha. — Como a senhora está?

— Bom dia, querida! Estou bem e você? — se vira, sorrindo.   — Conseguiu descansar, quando chegou à noite? Aliás, como foi a inauguração ontem?

— Consegui descansar sim e a inauguração foi um sucesso. Se tudo ocorrer do jeito que foi ontem, sinto que estamos no caminho certo. — me sento, ao lado do meu pequeno.

— É muito bom ver você e sua irmã unidas em um projeto. Os resultados vão ser de acordo com o empenho de vocês e isso, eu sei muito bem que você e Kelly têm de sobra. — me entrega uma xícara de café e logo em seguida, deixa um beijo no topo de minha cabeça. 

Fico conversando por mais alguns minutos, contando todas as novidades, tanto do nosso empreendimento, quanto do primeiro dia de aula no colégio, mas logo preciso me dispersar para terminar de arrumar Heitor que, a essa altura, já me chama insistentemente, ansioso para ir para a escolinha. Assim que meu pequeno está pronto, nos despedimos de minha mãe e seguimos rumo ao nosso destino.

— O que achou da escolinha nova, meu amor? — pergunto à Heitor, que brinca entretido em sua cadeirinha.

— É bom, mamãe. — vejo seu sorriso pelo retrovisor do carro. — Eu fiz amiguinhos, a tia é legal e a gente brinca muito! — gesticula animadamente os seus bracinhos enquanto fala. 

— Ah é mesmo? E seus amiguinhos são legais? Você gostou deles? 

— Sim, são muito legais! — novamente, faz um gesto com os braços, me mostrando o quanto gostou dos novos colegas. 

Sorrio, me contagiando com sua animação, mas sobretudo, aliviada, é o primeiro ano de Heitor na escolinha e meu maior medo, era referente à sua adaptação, mas pelo visto, logo no primeiro dia o meu menino se saiu muito bem. Heitor sempre foi muito falante e extrovertido, sendo uma criança extremamente fácil de fazer amigos e se comunicar e isso, de certa forma, me deixa um pouco mais tranquila, já que o fato de deixá-lo na escolinha, está sendo um pouco complicado para a mãe coruja aqui e se fosse em uma outra situação, meu coração mole logo desistiria da idéia e voltaríamos à mesma rotina do ano passado, quando ele ficava o dia todo com meus pais.  

Sem muita demora, pouco mais de dez minutos depois, chegamos à escolinha. Desço do carro, retiro Heitor da cadeirinha e seguimos juntos para dentro do local, nos despedimos com um abraço apertado e uma série de beijos do menino em meu rosto e logo ele se junta aos coleguinhas, ainda me acenando com a mão, após eu me afastar um pouco. Só Deus sabe o quanto eu chorei ontem, após entrar novamente no carro, ao deixá-lo aqui, eu tenho certeza que ele será muito bem cuidado e é um ciclo natural na vida de uma criança, mas mesmo assim, está sendo meio difícil explicar isso para esse meu coração de manteiga derretida aqui. 

Quando chego ao colégio, estaciono o carro no lugar de sempre, dou uma última checada no espelho, passando as mãos pelos meus cabelos, e desço para pegar minhas coisas. Junto com meus materiais que vou precisar hoje, pego outros que trouxe para guardar em meu armário, o que acabou deixando tudo um pouco pesado e difícil de equilibrar em meus braços.

— Hum, isso me parece meio pesado, professora Herrera. — ouço uma voz feminina atrás de mim e logo que me viro, dou de cara com Milena Bianco, uma aluna do terceiro ano. — Posso te ajudar? — me oferece um sorriso gentil, estendendo as mãos. 

— Não vou negar, está meio complicado mesmo. —  digo, retribuindo o sorriso, e ela pega alguns livros e cadernos de minhas mãos. — Muito obrigada, Milena. 

Seguimos andando lado a lado até a sala dos professores, a garota, de maneira muito prestativa me ajuda a guardar as coisas em meu armário, se despede e sai. Fico alguns minutos conversando com Ingrid, uma colega de trabalho, até o sinal bater e cada uma ir para sua respectiva primeira turma do dia.

Nos três primeiros horários, três turmas diferentes, mas em nenhuma, tive maiores problemas que conversas paralelas, ou algo do tipo, geralmente, no início do ano é sempre assim, afinal de contas, estão todos empolgados, acabando de voltar das férias, revendo os colegas e amigos e em algumas vezes, após terminar de passar o necessário para o dia, eu não me importo de deixar que eles se falem, de maneira educada, por alguns minutos no fim das aulas. Com o toque do sinal indicando a chegada do intervalo, junto meus materiais e saio rumo a sala dos professores. Me sento próxima a Ingrid e Vincent e ficamos conversando assuntos triviais, comentando sobre a volta às aulas e assim, os vinte minutos de intervalo passam voando e logo estou em sala de aula novamente.

Mais três horários se passam, até que de forma rápida  e, enfim, o último sinal do dia toca, entre a movimentação de alunos, sigo para meu carro no estacionamento. Guardo meus materiais no banco de trás e em poucos minutos já estou à caminho da escola de Heitor. E para mim, não há nada melhor, nada que me deixe mais feliz que chegar e ver Heitor correr animado para me abraçar daquele jeitinho apertado e carinhoso que é capaz de dissipar qualquer coisa ruim que eu esteja sentindo. 

— Oi mamãe! — o garotinho diz animado, assim que o pego no colo, o apertando em meus braços. 

— Oi, meu amor. — deixo um beijo em sua testa, sentindo ele me abraçar pelo pescoço. — Vamos pra casa?

— Sim! — o coloco no chão, e seguro sua mãozinha, indo juntos até o carro. 

(. . .)

— Vou fazer nosso almoço, tá bom? — digo assim que passamos pela porta de casa. 

Acenando de forma positiva, o pequeno corre rumo ao sofá e eu ligo a TV, procurando por um desenho de seu gosto. Me certifico de que Heitor está quietinho e sigo para o meu quarto, afim de trocar de roupa e colocar algo mais leve. Assim que o faço, me apresso em começar a fazer o nosso almoço que também não demora muito para ficar pronto e logo minha fome faz questão de ser notada, com um som nada agradável vindo de meu estômago. Heitor para almoçar e após o menino se ajeitar em uma das cadeiras próxima à mesa, fazemos nossa refeição, enquanto, vez ou outra, preciso chamar sua atenção por se distrair, ou começar a brincar com a comida. Por fim, acabo de comer e fico na mesa, apenas de olho em Heitor que, alguns minutos depois, me entrega seu prato vazio, com um sorrisinho entusiasmado nos lábios. 

— Isso aí, comeu tudo! Parabéns, querido. — sorrio, passando a mão por seus cabelos. 

— Mamãe, vamos brincar? — o pequeno pergunta, quando me vê pegando nossos pratos na mesa. 

— Só um minuto, meu amor. Eu vou organizar algumas coisas e depois brinco com você, tá bom?  — ao vê-lo acenar de maneira positiva, encaminho a cozinha, o deixando na sala com alguns brinquedos.

Logo me vejo entretida, lavando algumas louças que estavam sujas, em alguns minutos arrumo a pequena bagunça que havia na cozinha e em seguida, me encaminho até a sala, onde encontro Heitor animado, brincando com alguns carrinhos. Após um tempo entre brincadeiras, conversas e mil e uma perguntas, vejo que o garoto começa a demonstrar cansaço, então, o pego no colo e o levo para o meu quarto. 

Coloco um de seus desenhos preferidos, e me deito ao seu lado na cama, fazendo um leve carinho em seus cabelos, enquanto observo suas falhas tentativas de manter os olhinhos abertos. Sem muita demora, em menos de cinco minutos, Heitor cai no sono e eu fico apenas admirando meu garoto, ainda lhe fazendo um sereno afago. Bem que muitos conhecidos, e até desconhecidos, dizem que ele se parece muito comigo e a cada vez que ouço isso, fico prestes a explodir de tanto orgulho. 

Em alguns segundos olhando para Heitor, acabo me transportando para um mundo de lembranças, ou melhor, para sete meses atrás, onde a minha vida deu um giro de trezentos e sessenta graus, quando eu ainda pensava, ou melhor, ainda fingia viver em um casamento feliz. Para quem via por fora, era essa a imagem que Juan Carlos e eu passávamos, mas o que ocorria aqui, entre as paredes dessa casa, apenas nós sabíamos. Apesar de ainda seguir firme, mesmo quando via Henrique chegar altas horas da madrugada e aguentar as brigas quando já pareciam impossíveis de suportar, eu senti tudo desmoronar quando descobri que estava sendo traída. 

Não, já era óbvio e claro para mim e para Juan que a nossa relação já estava mais que desgastada e os nossos sentimentos um pelo outro, passavam longe, daquilo que tínhamos no início de tudo. Ele não me amava, ambos sabíamos disso, e eu já nem sabia mais nomear o que sentia mais pelo homem com qual eu havia me casado. Mas mesmo assim, receber a notícia de uma traição é algo que dói muito e em mim, foi como um soco no estômago. Dói porque me senti uma inútil por não conseguir manter um casamento, dói porque perdi toda minha auto estima ao saber, que havia sido trocada por outra e descartada como se fosse um objeto.

Lógico que essa foi a gota d'água, no outro dia após a descoberta da traição dei entrada nos papéis do divórcio. Juan ainda se fez de difícil, tentou, insistiu em voltar, mas pensei em mim de uma forma que já não pensava há muito tempo. Éramos casados há seis anos, e com todas as discussões,  brigas, desgastes e problemas que tínhamos em casa, há um tempo já havia me anulado quase que por completo, deixando de lado minha vontade de me arrumar, de sair enfim, apenas trabalhava e engolia desaforos dentro dessa minha relação com Juan Carlos.

Percebo uma lágrima solitária rolar pelo meu rosto, ainda me sinto muito chateada quando me lembro do quanto me anulei, de quanto tempo perdi teimando em continuar numa relação que só estava me fazendo mal. Enxugo meu rosto e após um suspiro pesado, me levanto, deixo um beijo carinhoso na testa de Heitor e, de maneira cuidadosa, para não acordá-lo, começo à organizar a bagunça presente em meu quarto. Por mais de uma hora, ocupo minha mente com isso, até enfim, ver o cômodo arrumado, livre da bagunça que havia anteriormente.  

Com Heitor ainda dormindo, sigo para a sala e assim que me senti no sofá, quando estou prestes à ligar a TV, ouço o som de notificação do meu celular e quando olho, vejo ser uma mensagem de minha irmã, Kelly. 

“Vai aparecer no pub hoje?” - KH

“Acho que hoje não, ainda preciso preparar algumas coisas para as aulas de amanhã.” - CH

 “Não tem problema, eu te entendo. Estou tão orgulhosa da gente! Foi tão bom ver o bar cheio logo na inauguração, eu fiquei tão feliz!” - KH

“Nem fala em orgulho, Kelly. E o mérito maior é seu, foi tudo pensado e a grande maioria executado por você.” - CH 

“Mas é um projeto nosso, Clarinha. Eu sei e compreendo que nem sempre você vai poder estar por lá, por conta das aulas, do Heitor, mas enfim, você sabe que isso é nosso.” - KH

“Obrigada, minha irmã. Te amo!” - CH

“Também te amo, pirralha.” - KH

“Temos apenas três anos de diferença, não me chama de pirralha!” - CH

“É a minha pirralha sim e pronto!”- KH

“Clara, vou resolver algumas coisas agora. Mais tarde a gente se fala, ok? Dá um cheiro e um abraço bem apertado no meu pacotinho. Tchauzinho, te amo e se cuida.” - KH

“Até mais, juízo!” - CH

Quase uma hora depois, quando estou na sala, concentrada em um filme na televisão, Heitor aparece, com ao cabelos bagunçados e o rostinho amassado por ter acabado de acordar. Se aninha em mim, ainda meio sonolento, mas com o passar dos minutos, vai despertando e logo está, novamente, ligado no 220, correndo pela casa. Vou para a cozinha, preparo seu lanchinho e para mim, um café bem forte, do jeito que gosto. Como o tempo começou a esfriar, logo trato de dar um banho em Heitor, depois o deixando livre para brincar, enquanto termino de organizar alguns materiais para as aulas do outro dia.

Já havia chegado a noite quando, enfim, terminei de preparar os últimos detalhes das aulas. Depois de guardar minhas coisas, me aproveito que Heitor está em meu quarto assistindo TV e me preparo para tomar um banho. Aliás, banho esse que eu nem sabia o quanto precisava, até o momento que senti a água quente em contato com meu corpo, me fazendo fechar os olhos, enquanto sinto, aos pouquinhos, meus músculos relaxarem. Saio do banheiro com meu corpo, praticamente, implorando pela minha cama e vou para a cozinha afim de preparar o jantar. 

Jantar pronto, chamo Heitor e fazemos nossa refeição juntos, assim como acontece quase todos os dias. Poucos minutos após terminarmos de comer, vejo que o garotinho começa a coçar os olhos e bocejar, demostrando que já está com sono. Lavo suas mãozinhas e seu rosto, organizo a pequena bagunça da cozinha e subo com Heitor para ajudá-lo a escovar os dentes.

— Mamãe, conta história pra eu dormir? — o pequeno pede, deitando a cabeça em meu peito.

— Lógico, meu amor. — deixo um beijo no topo de sua cabeça. — Qual você quer ouvir hoje, hum?

— A da raposa com o príncipe. — bate palmas animado, me fazendo sorrir boba. 

— Você quis dizer "O Pequeno Príncipe" não é, Heitor? — pergunto, enquanto pego o livro na pequena estante e o menino acena de forma positiva seguidas vezes, enquanto se ajeita em sua cama. — Certo, deita aqui com a mamãe e fica quietinho, então. 

Após ler pouco mais de uma página, olho para o lado e vejo Heitor lutando contra o sono, enquanto mexe em meu cabelo, demonstrando um costume que tem desde que era ainda um bebê. Não demora muito para que seus olhinhos se fechem, então, o ajeito na cama e leio mais algumas palavras, enquanto o encho de carinhos, ainda ganhando um sorrisinho que quase me faz derreter inteira. Poucos minutos depois, o garoto vira para o lado, mostrando que, realmente, foi vencido pelo cansaço e pegou no sono. 

— Boa noite, meu amor...  — deixo um beijo em seus cabelos. — Durma com os anjos, meu menino.

Fico por mais alguns segundos me derretendo de amores por Heitor, depois, me levanto de sua cama, arrumo sua coberta e sigo para o meu quarto. Depois que me deito, não demora muito para que eu sinta meu sono chegar e então, após olhar algumas notificações no celular, acabo deixando o aparelho de lado e me rendo ao cansaço.

(. . .)

Três semanas depois.

— Juan Carlos, eu vou repetir pela última vez. Eu não tenho nada para conversar com você! Eu preciso ir pegar o Heitor na escola, me deixa!  — tento manter a voz firme, apesar de não pode falar muito alto.

— Clara, por favor! — segura meu braço e eu passo à encará-lo. — Eu só te quero de volta, é difícil entender? Eu te amo, por que você não acredita em mim?

— Será porquê né, Carlos? — pergunto de maneira irônica, me soltando. — Será por quê?

— É sério, sem joguinhos de ironia para o meu lado, Clara! — se aproxima, me prensando contra o carro, fazendo meu estômago revirar de nervoso e também de nojo. — Pelos bons tempos que tivemos, por favor... — aproxima seu rosto do meu.

— Nós estamos na porta do meu trabalho, mas isso não me impede de fazer um escândalo agora mesmo, se você não me soltar. — digo, sentindo todo meu ódio subir para a cabeça,  apenas por olhar para Juan. — Me larga agora e some de novo! Desaparece e finge que não existo, igual você fez durante esses sete meses.

— Quando você vai entender que sem mim você não vai pra frente, Clara? — volta à segurar meu braço, dessa vez, apertando com um pouco mais de força. — Assume que todas as vezes que você tentou salvar o nosso casamento, foi porque sabia bem que precisava de mim para te fazer se sentir mais mulher! — diz olhando no fundo dos meus olhos, com seu rosto bem próximo ao meu. — E que mesmo sabendo que eu te traía, sempre voltava para mim, porque necessitava de mim pra se sentir completa. Vamos, assume! 

— Eu tentava salvar aquela merda de casamento porque era uma idiota, Robin! Porque eu era fraca... mas eu não quero mais, não quero reatar nada, não quero te ver, eu só quero paz!  — faço o máximo de força para segurar algumas lágrimas. — Agora para de falar merda e sai daqui. E por favor, não me procura nunca mais! — falo de maneira pausada, fazendo com que ele solte meu braço novamente. — E não me encosta, porque você não tem esse direito. 

— Você não está entendendo, Clara Herrera. Eu quero que você seja minha novamente, e você vai ser. — esse sorriso debochado e nojento de Juan Carlos consegue me tirar do sério. Eu fico à ponto de explodir.

— Você teve todas as chances do mundo, Carlos. Todas! E sabe o que você fez? Simplesmente preferiu me trocar por meia dúzia de vadias, e agora quer voltar?  É isso, você nunca aceitou perder, acha que tudo tem que ser do seu jeito. Mas aceita, Juan. Aceita e me deixa em paz! Tudo o que era seu, já foi te dado no divórcio, agora por favor, me deixa seguir a minha vida com o meu filho, em paz! — fecho os olhos, ao sentir algumas lágrimas molharem meu rosto. 

— Eu vou embora, mas você ainda vai perceber o erro que está cometendo. Sendo por bem, ou por mal. — diz próximo ao meu ouvido e enfim, sai de perto de mim.

Como já não há quase nenhum movimento de alunos e professores no colégio, o estacionamento está praticamente vazio e as poucas pessoas presentes ali, não parecem terem percebido o que acabou de acontecer. Ao ver Juan se afastar, entrando em seu carro, me escoro no meu veículo, fecho meus olhos e sinto as lagrimas virem cada vez mais fortes. Não tento contê-las, muito pelo contrário, me rendo ao choro de uma maneira intensa, na qual eu já estava me segurando desde que Juan apareceu aqui e começou a falar aquelas coisas.

— Professora Herrera, tudo bem com a senhora? — após alguns minutos com o rosto sendo coberto pelas mãos, ouço uma voz conhecida, porém não me viro de imediato. Enxugo as lagrimas da maneira que dá e depois de alguns segundos, olho para a figura loira parada atrás de mim.

Já perceberam que, quando não estamos bem e, alguém faz essa pergunta é como se puxasse o pino de uma granada? Fecho os olhos, e não consigo responder Milena que, permanece parada há poucos passos de mim, parece um pouco assustada, mas mesmo assim se aproxima, me olhando de maneira preocupada. Desvio meu olhar do seu, me escorando no carro e cruzando meus braços contra o peito. 

— É só um mal estar... está tudo bem. — dou um sorriso fraco, enquanto seco mais algumas lágrimas teimosas. 

— Fique aqui, vou pegar um pouco de água para a senhora, ok? — a garota diz e sai praticamente correndo para dentro do colégio.

Do modo que minhas pernas estão tremendo, nem se eu quisesse conseguiria sair daqui. Após alguns segundos, Milena aparece de volta, tentando equilibrar um copo de água em uma das mãos, enquanto anda o mais rápido que consegue.

— Aqui... — me estende o copo. — meu Deus, a senhora está tremendo! — segura minha mão. — Posso abrir seu carro para você se sentar?

Apenas com um gesto de cabeça, eu concordo, e entrego as chaves do carro para a garota, que destrava o veículo e, de uma forma muito prestativa, me ajuda a me sentar. Bebo um pouco da água e ao passo que tento respirar mais fundo, mesmo fechando os olhos, sinto as lágrimas voltarem e serem mais fortes que eu. 

— Tá me deixando preocupada, professora Herrera. — a loirinha dá um passo, se aproximando e se abaixa na minha frente. — Diga se posso fazer algo pela senhora, por favor! 

Sinto a mais nova segurar e fazer um leve carinho em minhas mãos que estão sobre a minha perna. Acho que ficamos dessa mesma maneira por quase vinte minutos, até que, enfim, eu consiga me controlar e segurar o choro. Um suspiro pesado escapa de meus lábios, quando eu abro meus olhos, bebendo mais um pouco da água que há no copo.

— Está melhor? — posso ver pelo seu olhar que, realmente, está preocupada.

— Sim, muito obrigada. 

— Aconteceu alguma coisa? — olho para nossas mãos que, ainda continuam juntas sobre minha perna.

— Algumas complicações com meu ex-marido, acabei me deixando ficar nervosa com as falas dele, ele sabe como me desestruturar. — passo as mãos por meus cabelos, suspirando mais uma vez. — Mas vai passar, eu preciso me acalmar...

Milena se levanta e me encara por alguns segundos, quando nossos olhares se cruzam, posso notar um brilho diferente em seus olhos verdes. Brilho esse que, não sei bem porquê, me traz uma paz, um conforto, um alento tão grande que chega a ser até meio assustador. Já me sentindo um pouco melhor, saio do carro e me encosto no mesmo, respirando fundo mais uma vez, cruzando meus braços contra o peito. Ainda demoro um pouco para desprender meu olhar do seu, mas ao vê-la se mover, colocando as mãos nos bolsos de sua calça jeans, saio de meu pequeno transe. 

— Muito obrigada, Bianca. De verdade. — sorrio fraco e ela retribui, dando um passo à frente. 

— Não precisa agradecer, professora Herrera. De coração, eu espero mesmo que fique tudo bem.

Ainda sorrindo, a garota se aproxima e me pegando totalmente de surpresa, me envolve em um abraço. Ainda demoro alguns segundos para corresponder ao contato, mas quando me permito tal ato, novamente sou tomada pela sensação de paz e conforto, assim como quando minutos atrás foquei em seus olhos. Após um tempinho, ela desfaz o abraço e me encara, ainda sorrindo de maneira doce. 

— Está melhor mesmo? — me olha, segurando as alças da sua mochila. 

— Sim, estou. — realmente estou me sentindo bem melhor. — Aceita uma carona?

— Não precisa, eu moro pertinho. — dá de ombros e seu forte o ganha uma expressão graciosa. — Bom, já que a senhora está melhor, eu vou indo para a casa. 

— Você me ajudou muito, Milena. Eu não tenho nem palavras para agradecer. Muito obrigada! — sorrio, dessa vez, um pouco mais abertamente, tentando demonstrar o quanto estou, realmente, grata.

— Não precisa agradecer, professora Herrera, sério mesmo. Agora vou indo, até mais. 

— Até mais. — me lança mais um sorriso, antes de se virar e sair. 

Ainda fico olhando a garota se afastar e sumir ao passar pelo portão do colégio. Sinto em meu corpo uma sensação tão boa, agradável e, em meu coração, um alívio que chega a ser meio inusitado para mim. Entro no carro e fico parada por mais alguns minutos, digerindo tudo o que acabou de acontecer. Até o ódio dessa cena desnecessária e repugnante causada por Juan Carlos, parece ter diminuído um pouco, mesmo que, apenas por esse momento.

O caminho até a escolinha de Heitor é feito de forma tranquila e acabo não demorando mais que dez minutos para estar estacionando meu carro próximo à entrada do local. E para mim, não há nada que compense mais nesse mundo, que chegar e ver meu pequeno com um sorriso no rosto, me esperando. No mesmo instante que me vê, o menino corre e pula em meus braços, me abraçando apertado.

— Mamãe, por que demorou? — pergunta manhoso, mas me enchendo de carinhos.

— Tive alguns problemas no trabalho, meu amor. — dou um beijo em sua testa. — Vamos para a casa da vovó?

— Ebaaaaa! — levanta os bracinhos, em comemoração.

Seguimos para a casa de meus pais, mesmo já tendo a vida feita, e gostando de minha independência, há momentos que não dispenso um colinho de mãe. Em poucos minutos, chego a casa de Heitor e Olívia Herrera, e logo tenho meu garoto correndo e rindo pelos cômodos, com meu pai ao seu encalço.

— Como você está, minha filha? — mamãe pergunta, me abraçando.

— Triste, chateada, com nojo e com ódio de deixar Juan chegar à esse ponto de pensar que é sempre assim, ele faz as merdas dele, depois volta e está tudo bem... — a raiva me faz fechar as mãos com força. 

— Me sinto tão culpada por ter insistido que você mantivesse esse casamento, Clara. — Olívia suspira, pesarosa. — Olha o quanto ele ainda te fere, consegue te desestabilizar, mesmo depois de sete meses de divórcio.

— Eu fui uma idiota, deveria ter dado um fim quando essas atitudes dele começaram. Mãe, até o Heitor, que era para receber todo o amor do mundo dele, ele destratou, gritou com ele... parece que usou o fato de não ser pai biológico dele, para tentar me atingir, mas o menino não tem culpa de nada! Que raiva! 

Não, Juan Carlos não é pai biológico de Heitor, mas eu nunca pensei que ele seria tão baixo, a ponto de se aproveitar disso para tratar o garotinho mal, mesmo sabendo do tamanho de seu amor e admiração por ele. Pouco depois que nos conhecemos, Juan me contou que, por culpa de um problema, não pode ter filhos e então, após pouco mais de três anos de casamento, resolvemos tentar inseminação artificial. E para minha felicidade, logo na primeira tentativa deu certo e fui agraciada com meu garoto. Lógico, no início Juan ficou todo bobo, desde o início da gravidez, demonstrou já ser um pai maravilhoso e quando o menino nasceu, meu até então, marido, parecia estar tão feliz, se revelando um verdadeiro pai coruja. Mas conforme nossos problemas iam aumentando e as brigas iam se tornando cada vez mais corriqueiras, o comportamento de Juan mudou completamente, afetando diretamente ao garotinho, mesmo que ele ainda tivesse pouco mais que três anos na época. Mesmo quando eu chamava sua atenção pelo modo de agir, continuava gritando com Heitor, brigava por qualquer coisa que o pequeno fazia, e isso me fez ver o homem deplorável que Juan Carlos havia se tornado e até então, eu ainda não havia percebido.

— Minha filha, se aquele homem continuar te importunando, me avise, ok? Darei um jeito de afastá-lo, de você e do nosso menino. — meu pai diz, entrando na cozinha.

— Espero que ele desapareça novamente, que vá para bem longe. — suspiro. — Quero seguir minha vida, eu e meu pequeno príncipe, não é? — sento Heitor em meu colo, deixando um beijo em seus cabelos.

Ficamos conversando por mais um tempo e não demora muito para que o almoço esteja sendo servido e então, faço minha refeição ao lado de meus pais e meu filho que, mesmo na mesa, se mostra bem conversador, nos contando sobre sua manhã na escolinha. Ainda fico por boa parte da tarde com eles, e depois sigo para a minha casa, fazendo o trajeto da maneira mais animada possível e que meu filho adora, ouvindo suas músicas preferidas, até o momento em que ele pega no sono, e eu percebo que estou ouvindo e cantando Baby Shark sozinha. Fazer o que, acontece né?

Sem muita demora chego em casa, coloco Heitor na cama e fico velando o sono do garotinho por alguns minutos. Pelo resto da tarde, permaneço entretida entre algumas coisas do trabalho e alguns afazeres de casa. 

Essa noite, o sono que eu tanto precisava demora à chegar, o que me faz ficar rolando pela cama até boa parte da madrugada. Com certeza, no outro dia, grandes olheiras e o cansaço vão surtir como efeito dessa noite mal dormida. A última vez que olho no relógio, já se passa das quatro da manhã. Um suspiro pesado sai de meus lábios, e eu apenas fecho os olhos, na vaga esperança de que logo o dia amanheça. 

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