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Uma ressonância e uma verdade

Ally Cannon POV's

Continuei a encarar o aparelho imenso de ressonância magnética como se esperasse, que por algum milagre, ele fosse se parecer menos com um caixão que me engoliria por 45 minutos contínuos.

Kelly apertou meu braço, me dando um sorriso confiante.

—Esse é literalmente o último que você precisa fazer. Depois disso, serão apenas gelatos e praias para nós duas.

Bufei.

—Fale por você, mana. Eu quero mesmo uma cerveja. - respondi, com uma risada. Minha mãe me encarou por baixo dos óculos escuros e eu dei de ombros.

Aqui estávamos nós. Assim que viagem ao México acabou e minha dor de cabeça continuou mesmo no clima fresco de Los Angeles, minha mãe marcou todos os especialistas em Neurologia possíveis para explicar o que estava acontecendo. Isso fazia com que eu me sentisse péssima, porque a preocupação não parava de rondar os olhos das duas e eu sabia que ela chorava quando ligava para os outros parentes de madrugada - sem saber que eu estava ouvindo.

Eu tentava fazer com que tudo parecesse menos pior do que realmente era. Tentava esconder meus vômitos e minhas ânsias, assim como tentava esconder que minhas mãos tremiam na maior parte do tempo. Enquanto olhava para Kelly e para ela, via diversos traços pretos, como se meus próprios olhos tremessem.

Uma enfermeira apareceu e me chamou para uma cadeira. Mais uma vez, eu usava aquelas confortáveis roupas de hospital. É sério, eu tinha que ter uma dessas para usar em casa. Ela me pediu meu antebraço esquerdo e eu entreguei à ela com relutância. Assim que ela começou a esfregar o algodão embebido de álcool em meu braço, me preparei para uma picadinha.

[...]

—Oh, é sério, me desculpe. - A enfermeira me dizia, enquanto furava meu braço pela quinta vez. - É que suas veias são muito fundas e fininhas.

Suspirei, vendo os roxos que se formavam onde ela picava e não conseguia retirar sangue. Dei um sorriso pra ela.

—Está tudo bem, acontece com todo mundo. - Respondi e ela pareceu confiante para me furar pela sexta vez.

Quando finalmente deu certo, eu quase podia dar saltos de comemoração, se não tivesse um acesso imenso no meio do meu braço. Ela ofereceu uma mão para me ajudar a levantar da cadeira e me direcionar até o aparelho de ressonância magnética.

Me sentei no aparelho gigantesco, sentindo minhas pernas tremerem. Meu médico, Dr Wilson, veio andando rapidamente até mim.

—Olha, Ally, esse equipamento vai fazer um pouco de barulho. Se você quiser posso te oferecer tampões de ouvido e...

—Não precisa. - me apressei em responder, sentindo a dor de cabeça recomeçar mais uma vez. - Só quero terminar logo.

Ele sorriu confiante com alguns cabelos loiros caindo por sobre o olho. Dr Wilson era bastante novo e, mesmo assim, muito competente. Ele parecia um médico saído de séries de tão bonito - exceto pelo nariz, que era bastante grande. Ele andava sempre meio desajeitado, como se não tivesse tempo nem de passar o jaleco amarrotado.

—Pode se deitar, então. Vai acabar em um segundo. - ele sorriu, me ajudando a deitar a cabeça no equipamento. Antes de sair, me ofereceu a mão para eu dar um soquinho.

Assim que ele saiu o aparelho começou a se mover e a área onde eu estava deitada foi puxada para dentro do aparelho, como se eu tivesse sido enterrada. Claustrofóbicos, eu não recomendo esse passeio. Observei o teto do aparelho que parecia perto demais do meu rosto e o quanto eu parecia realmente presa em um caixão.

Quase me desesperei. Comecei a contar as batidas do meu coração e pensar nos poucos amigos que tinha. Um, em especial. Logan. Um dos meus melhores amigos, que eu não via há tanto tempo. Eu sentia uma saudade especial dele, porque, de certa forma, Logan fora minha primeira paixão.

Eu lembrava dos seus cabelos louros caindo sobre os olhos extremamente azuis, grandes como duas bolotas e com os cílios escuros - que quase faziam parecer que ele usava lápis de olho. Seu corpo magrelo e alto, sempre vestido com uma roupa social e falando sobre os grandes planos que ele tinha para as empresas do pai e o mundo dos negócios. Eu amava Logan desde o primeiro dia que o vi.

Agora eu não fazia ideia de onde ele estava. Os negócios do seu pai aumentavam cada vez mais e a cada mensagem que ele me enviava, ele estava em um continente diferente. Em uma das últimas das vezes que conversamos, eu perguntei quando ele voltaria pro lar - ele me respondera que o mundo era sua casa.

Senti meu corpo começar a esquentar, como se eu tivesse feito xixi nas calças. Tudo começou a esquentar mais e acabou tão rápido quanto veio.

—Esse é só o contraste que usamos no exame, Ally. Pode ficar tranquila.— ouvi a voz do Dr. Wilson ressoar por algum sistema de som que devia ter ali dentro. - Vamos começar agora.

O aparelho começou a fazer barulhos brutos, como se dois martelos de metal ficassem colidindo o tempo todo. Depois o som amenizava, e recomeçava alto novamente. Percebi que existia um padrão e, ao invés de pensar em planos impossíveis com Logan, comecei a esperar as batidas da máquina, até acabar adormecendo.

[...] 1 semana depois

Decidi ir dirigindo sozinha até o hospital, seguindo de perto o carro ridículo da minha mãe pelas ruas de Los Angeles. Eu dirigia uma Ferrari vermelho-sangue, enquanto ela dirigia uma SUV gigante que parecia uma van quadrada. Eu odiava aquele carro e poderia bater nele sem querer, se ela não fosse me matar depois disso.

Consegui chegar antes que ela graças à diversas ultrapassagens perigosas e imprudentes que eu cometera. Sai do hospital, balançando as chaves nos dedos, ansiosa.

—Sério? - minha mãe perguntou, estacionando o carro atrás do meu - Você literalmente podia ter morrido 3 vezes! Eu contei.

—Já eu contei 4. - Kelly disse, se jogando pra fora da perua e dando um sorriso de orelha a orelha pra mim - Eu definitivamente quero voltar com você.

Minha mãe arrancou Kelly de perto de mim antes que batêssemos a mão espalmada e começou a andar em direção ao hospital.

—Vocês não prestam, em definitivamente nada. - ela bufou e seguiu com passos firmes sem olhar para trás.

—Tá bom, mamãe. - Ri, abraçando ela de lado - Vamos lá ver que tipo de cefaleia eu tenho.

—Eu quero apostar em enxaqueca no bolão. - Kelly disse, rindo. - O que vamos apostar?

—Mil dólares. - Sugeri. - E um porre!

—Um porre! - Kelly gritou e começou a digitar mensagens no celular, convidando todas as amigas para o primeiro porre. - Isso vai ser incrível.

Minha mãe olhou para nós duas, como se realmente quisesse acreditar em tudo que dizíamos, mas sua expressão parecia endurecida, como se esperasse o pior.

Assim que adentramos o hospital e a enfermeira nos conduzia à sala do Dr. Wilson, comecei a reparar que havia algo de diferente. Uma psicóloga acompanhava nós três juntamente com a enfermeira e eu não estava entendendo nada.

Quando entrei no consultório do Dr. Wilson, havia mais alguém lá. Um senhor idoso, que se vestia como uma estrela do rock na meia idade e usava uma bengala com adesivos de chamas em toda sua extensão. Ele parecia ter uma conversa longa com Dr. Wilson, mas assim que nos viram, ficaram em silêncio.

—Olá, Dr. - falei, me adiantando e indo apertar a mão dos dois senhores. Atrás de mim, a porta se fechou e eu percebi que a psicóloga também estava lá dentro e se postara próximo ao senhor de bengala.

Os olhos do Dr. Wilson estavam bastante tristes quando ele apertou minha mão. Pela primeira vez, ele não sorrira ao me ver. Minha mãe se adiantou e apertou a mão dele também, fazendo milhares de perguntas com os olhos. Ele balançou a cabeça e apontou para as poltronas. Sentei sozinha em uma e minha mãe e Kelly se espremeram na outra.

—Bom, meninas, esse aqui é o Dr. House. - Dr. Wilson começou, apontando para o médico da bengala - Ele é especialista em...

—Oncologia. - o Dr. House falou, se adiantando. Dr. Wilson mandou um olhar fulminante para ele, que deu de ombros - Você estava demorando demais.

—Oncologia? - balbuciei, em dúvida. Minhas mãos recomeçaram a tremer e eu não pude disfarçar. Minha cabeça latejou com força. - Como assim Oncologia? Por que tem um oncologista aqui?

—Ally. - a psicóloga que eu vira entrar colocou uma mão protetora sobre o meu ombro - Você precisa manter a calma agora...

—Não! - Empurrei a mão dela para longe, me levantando rapidamente e recuando para a porta - Você precisa ficar longe de mim. O que você está fazendo aqui? E você? - apontei para o Dr. House - Por quê você está aqui também? Vocês precisam sair AGORA.

—Oh, meu Deus. - foi a única coisa que minha mãe disse, com as mãos na boca olhando os três médicos juntos sem saber o que fazer.

—Eu disse que devíamos ter dito logo. - Dr. House grunhiu.

—House! - a psicóloga sibilou, lançando um olhar fulminante para House.

Tentei abrir a porta, mas minhas mãos tremiam tanto que eu parecia incapaz de qualquer coisa. A ideia do porquê daquela reunião bizarra ali já estava toda desenhada na minha mente, mas eu não podia aceitar.

—Eu não consigo. - murmurei, com as lágrimas invadindo meus olhos e descendo rapidamente pelo meu rosto. - Eu não consigo abrir a porta, eu...

Dr. Wilson levantou as mãos e todos ficaram em silêncio. Não sei o que eles estavam falando, eu parecia incapaz de ouvir. Ele se adiantou até mim e a porta e olhou no fundo dos meus olhos.

—Vamos conversar lá fora, só nós dois. Tudo bem?

Assenti em meio ao choro e ele abriu a porta, me levando para fora junto consigo e deixando o caos de seu consultório. A última coisa que ouvi lá de dentro foi a voz do Dr. House começando a contar uma história que eu, no fundo, já sabia como terminava.

[...]

—Eu não sabia que vendiam cervejas em hospitais. - murmurei, bebericando devagar a Heineken que o Dr. Wilson botara em cima da mesa.

Ele me deu o primeiro sorriso do dia.

—Essa conversa não faria sentido com um suco de laranja. - Ele disse, bebendo um grande gole da própria cerveja antes de recomeçar a fala: - Ally, eu juro que eu analisei seus exames mais de mil vezes...

Bebi mais uma vez o líquido amargo, sentindo ele descer rasgando pela minha garganta.

—E eu tenho um câncer? - perguntei, com amargor, encarando a logo da cerveja sem ver. Levantei os olhos para ele, que assentia com pesar. - E o que podemos fazer? Digo, quimioterapia e radioterapia vão me deixar curada, né? Não é tão dramático assim perder os cabelos. Eu nem ligo, é sério...

Dr. Wilson mordeu os lábios, balançando a cabeça.

—Não é tão simples assim, Ally...

—Não, é sério. Eu não ligo de perder os cabelos, furar a cabeça, ficar fazendo rádio e tomando choque. É sério, pensa na história que vai ser pros meus filhos e netos? - Falei, forçando uma risada. - Tá, eu topo o que tivermos que fazer, podemos começar agora mesmo. Eu sempre quis raspar a cabeça e pintar uma flecha azul, que nem o Avatar sabe?

Dr. Wilson continuou me olhando, sem mais nenhuma sombra de sorriso. Ele bebeu todo o conteúdo da garrafa de cerveja antes de me interromper. Ele estendeu uma mão para pegar a minha, que estava abandonada em cima da mesa.

—Ally, o tipo de câncer que você tem...Ele não tem cura.

Senti ele apertar minha mão enquanto olhava no fundo dos meus olhos, esperando ansioso.

—Certo. - Murmurei - Câncer não tem cura, mas tem tratamento, não é? Cirurgias, quimios...Não sou burra, Dr. Eu já li sobre isso.

Ele olhou para baixo por um instante como se não conseguisse sustentar meu olhar por muito tempo.

—Mas o seu está em estágio terminal. 

—O que? - perguntei, soltando a mão dele imediatamente e tão rápido que derrubei a garrafa de cerveja no chão. O vidro se espatifou em mil pedaços. Nenhum dos dois sequer piscou.

—Você tem um glioblastoma em estágio terminal. É um câncer no cérebro - Ele disse, diante do meu olhar de dúvida. Involuntariamente, acariciei minha própria cabeça. - Ele pode ser operado, mas Ally...O máximo de tempo que eu posso te dar, com todos esses tratamentos, são 18 meses.

—18 meses? - Repeti em tom de pergunta, sem ter certeza do que aquilo queria dizer. Eu acabara de fazer 18 anos, de ganhar um carro, de começar a me preparar pros testes da Universidade Julliard, onde eu faria música. Uma vida não se encaixava em 18 meses.

Dr. Wilson apertou minha mão com força, me fazendo retornar para a conversa.

—Existe um médico, o Dr. Garret. - ele disse, rapidamente. - Ele trabalha em Londres, em um excelente hospital-pesquisa por lá. Ele tem um tratamento novo utilizando Imunoterapia.

—Londres? - perguntei, sem ter certeza que tinha entendido. - Imunoterapia?

Dr. Wilson retornou o aperto na minha mão e começou a passar a mão livre no cabelo, aparentemente estressado.

—Ally, preste atenção em mim, ok? Você precisa estar no próximo voo para Londres. Eu vou organizar tudo pra você e você só vai precisar entrar naquele avião, ir até o hospital e iniciar o tratamento, certo? Os resultados são muito promissores, você pode conseguir mais tempo....

—19 meses? - sugeri, o interrompendo com um sorriso. Dr. Wilson finalmente soltou o ar, aliviado e sorriu pra mim.

—Essa é minha garota. - ele disse, depositando um beijo em minha mão e sorrindo.

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