Além disso, o acidente dos meus pais sempre me deixou com dúvidas.— Não. — João negou de imediato. — Eu disse isso, mas não quero que você pense bobagens... Eu... eu só acho que você deveria focar... no seu trabalho, no futuro com o George...João estava falando cada vez com mais dificuldade. A enfermeira veio tentando impedir, mas foi barrada por um gesto de João. Ela então disse, com voz suave:— Só mais um minuto.Eu sabia o quão grave era a condição de João, e embora estivesse ansiosa para entender o que estava acontecendo, priorizei sua saúde.— Tio, podemos conversar depois, você precisa descansar agora. — Eu sugeri.Ele, porém, segurou minha mão com força, sem querer soltá-la.— Carol, promete para o tio. — Pediu ele.As palavras dele me afetaram profundamente. Ele estava tão insistente que me fez sentir ainda mais que havia algo de estranho no acidente dos meus pais. Mas eu sabia que ele não tinha a intenção de falar mais sobre isso. Perguntar não faria diferença.Agora, o ven
O cheiro familiar, também sufocante.Eu fiquei paralisada, sem conseguir me mover, até que a voz baixa de Sebastião ecoou: — Agora você já se importa tanto com ele?Meus dedos, que estavam pendurados, se fecharam em um punho. Antigamente, eu também me importava assim com ele.Até para sair para um simples jantar com Luana, eu sentia a necessidade de o avisar, mas ele não ligava. Agora, toda a minha atenção foi dada a outro, e ele ficou irritado, ainda se permitiu questionar.— Claro, como poderia não me importar com meu homem? — Eu disse, olhando nos olhos dele.Eu também sabia como matar com palavras, quando necessário.Embora eu soubesse que Sebastião e eu já estávamos cada vez mais distantes, isso não significava que ele não pudesse mais me ferir. Em momentos inesperados, ele ainda sabia como arrancar pedaços do meu coração.Portanto, se eu tivesse a chance de lhe dar uma pequena mordida, para aliviar a dor das feridas que ele me causou no passado, não haveria nada de errado nisso.
Afinal, fui eu mesma que não consegui o empurrar, não é?Ele realmente sabe como ser pretensioso.Mas se ele quisesse se iludir, que se iluda. No fim, quanto mais forte for sua obsessão, mais ele feriria-se.Talvez isso seja uma punição do destino para ele, ou talvez meus pais, já no além, se sintam tocados pelos sacrifícios que fiz nos últimos dez anos, e por isso permitiram que Sebastião não conseguisse seguir em frente com o passado que tivemos.— Daniel vai te trazer o celular mais tarde, descansa bem quando chegar em casa. — Sebastião disse, antes de me soltar.Ele se foi, com a postura firme, como sempre foi.No passado, eu ficava cheia de felicidade ao ver a silhueta dele se afastando, mas agora, tudo que sinto era uma sensação de estranheza, quase como se fosse um estranho.Desci as escadas e, quando cheguei no hall, Daniel apareceu.— Assist. Carolina.Já não sou mais assistente dele, mas ele ainda me chama assim.Era só uma forma de se dirigir a mim, então não corrigi.— O
— O Sr. Sebastião disse que sua garganta está rouca e até pediu para o pessoal da loja adicionar ervas, fez o pedido no meio da noite e agora ainda está quentinho. — Daniel disse, colocando a pera assada em minha mão.Minha palma se aqueceu, e eu segurei a sacola com a pera assada, abaixando o olhar.Daniel já havia ligado o carro.— Assist. Carolina, posso te levar até o Bairro de Solana? — Ele perguntou.O Bairro de Solana era a localização do meu condomínio atual.Daniel fez a pergunta de maneira tão natural, e eu percebi que a razão de Sebastião ter aparecido no meu andar naquela noite estava mais clara agora, provavelmente Daniel havia investigado e passado a informação para ele.— Não. — Eu recusei.Daniel ficou surpreso por um momento e me olhou pelo retrovisor.— Então... — Ele hesitou.— Daniel, pode parar o carro? — Minhas palavras fizeram Daniel dar um sobressalto e ele estacionou na beira da rua.Ele me olhou desconfiado.— Assist. Carolina, você...Eu o interrompi.— Não v
Benedita acenou com a cabeça.— Sim, agora estou bem, saudável, quero viver uma vida normal e recuperar tudo o que perdi.Ver uma Benedita assim me tocou profundamente.— Certo, eu apoio. — Eu também estava de acordo, mas ainda perguntei com cautela. — Você consegue entender tudo isso? Se não, podemos procurar um professor particular.— Consigo. — Benedita sorriu alegremente. — Cunhada, eu sinto que, depois de trocar de coração, fiquei mais inteligente. Essas coisas são fáceis de entender.Eu fiquei surpresa por um momento, e Benedita colocou a mão sobre o peito dela.— Cunhada, você não acha que a dona do meu coração é uma pessoa super inteligente?— O que você está pensando? Inteligente usa a cabeça, não tem nada a ver com o coração. — Eu neguei rapidamente a ideia dela.Na verdade, aquele momento de surpresa também me fez pensar algo parecido.Mas eu preferi não deixar Benedita pensar assim, para evitar que ela desenvolvesse outras ideias.— Você sempre foi inteligente, seu irmão qu
Era Sebastião.Ele apareceu de repente e minha primeira reação foi pensar que algo havia acontecido com João. Levantei-me rapidamente.— O que aconteceu com o tio?Sebastião não olhou para mais ninguém, apenas me encarou.— Ele está bem.Ele me entregou o celular.— É minha mãe que está procurando você.Eu respirei aliviada.— O que ela quer?— Acho que é algo urgente. Ela pediu para eu encontrar você rapidamente e pedir para retornar a ligação. — Sebastião levantou o celular mais um pouco.Eu estendi a mão para pegar o celular, mas a voz de Benedita soou atrás de mim.— Cunhada, quem é ele?Eu congelei por um momento. Benedita estava começando a suspeitar que eu tivesse brigado com o irmão dela, e, com a mente cheia de histórias de romance, se ela soubesse que esse era meu ex-namorado, ela com certeza começaria a imaginar coisas.— É... meu irmão. — As palavras saíram de minha boca, e eu senti um calafrio que me envolveu por inteiro.Não olhei para o rosto de Sebastião, virei-me e sor
— Seja honesto, você já fez amor com Carolina?A voz rouca do homem se espalhou pelo vão da porta, fazendo com que eu, prestes a entrar, parasse meus passos. Através do vão, observei os lábios finos de Sebastião pressionados de leve.— Ela tentou, mas eu não estava interessado.— Sebastião, não humilhe a Carolina dessa maneira. Ela é uma das mais belas do nosso círculo social; muitos caras estão interessados nela.Quem falou isso foi Pedro Santos, amigo íntimo de Sebastião e testemunha dos nossos dez anos de relacionamento.— Estamos muito familiarizados, você entende? — Sebastião franziu as sobrancelhas.Quando eu tinha quatorze anos, fui enviada para a casa dos Martins, onde conheci Sebastião pela primeira vez. Desde então, todos me disseram que ele seria meu futuro marido. E assim vivemos juntos por dez anos.— Isso mesmo, vocês trabalham na mesma empresa durante o dia, veem um ao outro o tempo todo, e à noite vocês comem na mesma mesa. Devem se conhecer tão bem que até sabem quanta
Sebastião levantou a cabeça ao ouvir o som da porta, e seu olhar parou no meu rosto. Ele deve ter notado minha expressão.— Está se sentindo mal? — Ele franziu ligeiramente a testa.Caminhei silenciosamente até sua mesa, engolindo o amargor que subia em minha garganta, e falei: — Se você não quer casar comigo, posso falar com sua mãe.As rugas entre as sobrancelhas de Sebastião aprofundaram; ele percebeu que eu tinha ouvido sua conversa com Pedro.A amargura voltou à minha garganta, e eu continuei: — Nunca pensei que me tornaria uma pessoa com quem você se sente desconfortável em estar, Sebastião...— Para todos, já somos marido e mulher. — Sebastião me interrompeu.E daí? Ele quer casar comigo por causa dos outros? Eu queria que ele case comigo por me amar, por querer passar o resto da sua vida comigo.Com um clique suave, Sebastião fechou a caneta que segurava, seu olhar caiu sobre o documento em minhas mãos, e disse: — Vamos pegar a certidão de casamento na próxima quarta-feira.