Era tarde da noite, Rosa e Nat haviam passado o domingo juntas, conversando e rindo até a barriga doer. Nat se organizava para ir embora mas o som de um carro parando do lado de fora chamou a atenção das duas, e ela foi até a janela e espiou.— Rosa… — ela começou, tentando conter a risada. — Você não vai acreditar em quem acabou de chegar.Rosa, que estava lavando a louça na pia, olhou por cima do ombro, já com uma sensação de antecipação. — Não me diz que é o Ricardo… de novo.— Sim, senhorita! — Nat se virou com um sorriso travesso. — E ele não está sozinho.— Não? — Rosa franziu o cenho e correu até a janela. Para sua surpresa, Ricardo estava saindo do carro acompanhado por seu motorista.— O que ele está fazendo aqui? — Rosa perguntou, com o coração acelerado.— Talvez ele tenha esquecido alguma coisa. Ou… — Nat fez uma pausa dramática. — Ele simplesmente não consegue ficar longe de você!Rosa revirou os olhos, mas o calor subindo por seu rosto entregava que ela estava nervosa.—
Ela estava atrasada. De novo. — Droga! — sussurrou, enquanto enfiava os pés nos sapatos molhados que havia deixado na entrada de casa. Quando finalmente chegou ao portão de ferro da mansão dos Trajanos, Rosa já estava completamente molhada. O vento e a chuva haviam transformado seu coque em uma confusão de fios que caíam sobre seu rosto. Suas roupas coladas ao corpo, e seus pés encharcados, pareciam esponjas. “Por que estou atrasada mesmo? Ah, claro, o despertador não tocou, a conta de energia estava atrasada, e a luz foi cortada na noite anterior. ...” – ela pensava. Ao colocar sua bicicleta no canto do jardim lateral, Rosa correu para a porta de serviço. Não queria ser vista pela senhora Trajano naquele estado miserável, mas seu plano foi destruído assim que ouviu uma voz cortante ecoar do alto da escadaria. — Está atrasada, de novo! — A senhora Trajano apareceu, como sempre, com o olhar cheio de desdém. Vestida com seu roupão de seda caro, seus cabelos brancos perfeitamente ar
Rosa saiu da casa dos Trajanos sentindo o peso do dinheiro suado no bolso. Agora, já final de tarde, Rosa subiu na bicicleta, e começou a pedalar, ainda garoava, ela se sentia exausta.Enquanto pedalava ladeira abaixo, algo chamou sua atenção. De longe, os faróis de um caminhão brilhavam intensamente, ofuscando sua visão. Assustada, ela perdeu o controle e escorregou numa poça de lama, caindo bruscamente no chão. A bicicleta foi arremessada para o lado, e Rosa sentiu uma forte dor no joelho. — Droga! — foi a única coisa que conseguiu murmurar antes de sentir o impacto. Enquanto tentava se recompor, um carro luxuoso parou ao seu lado. O motorista buzinava incessantemente, claramente impaciente. O motorista, irritado, começou a fazer gestos com as mãos, claramente frustrado por não conseguir passar por causa da bicicleta, e de Rosa caída no asfalto. — Você foi atropelada ou está só deitada aí de graça, atrapalhando o tráfego? — Eu... O homem, revirando os olhos, pegou o celul
Rosa finalmente avistou sua casinha. Era uma casa simples, feita de madeira, como aquelas de interior, mas na cidade. O quintal era grande, com canteiros onde sua mãe plantava algumas hortaliças e flores, e uma pequena horta nos fundos. Rosa desceu da bicicleta com cuidado, tentando não agravar os ferimentos, e empurrou a velha porta de madeira que rangeu ao abrir. O cheiro da comidinha que sua mãe havia feito, tomou conta de suas narinas. Sua mãe, mesmo doente, sempre fazia questão de deixar algo preparado. Dentro da casa, tudo era muito simples. O piso era de tábuas gastas, as cortinas eram feitas à mão por sua mãe, e o pouco que tinham de móveis era antigo. Na cozinha, tinha um fogão à lenha e uma mesa de madeira, já arrumada para o jantar. Ao lado, uma poltrona onde sua mãe costumava sentar, com uma colcha de retalhos por cima. Ao entrar, Rosa ouviu o som da voz fraca de sua mãe, chamando com preocupação: — Filha, é você? Ela seguiu o som até o quarto, onde a mãe estava deita
Após Ricardo subir as escadas, Rosa respirou fundo, aliviada por ele ter saído. Voltou a trabalhar, focando em terminar logo o serviço e sair dali, mas, antes que pudesse terminar, ouviu uma batida suave na porta. Rosa foi atender. Quando abriu, deu de cara com um homem de terno elegante, segurando um envelope nas mãos.— Boa tarde, senhorita Rosa? — ele perguntou, com um sorriso formal.— Sim, sou eu. O que deseja? — Rosa respondeu, confusa.— Tenho aqui uma correspondência urgente para você — disse ele, entregando-lhe o envelope.Rosa franziu a testa, sem entender do que se tratava. Ela abriu o envelope com cuidado e, ao ler o conteúdo, sentiu o coração disparar. Era uma convocação judicial.— O que... o que é isso? — perguntou, sentindo as mãos tremerem.— É melhor você ler com calma — respondeu o homem, já se afastando. — Apenas cumpro meu dever.Rosa ficou parada ali, com o envelope nas mãos, sem saber o que pensar. Justo quando ela começava a se sentir mais leve, uma nova tempes
[...]Rosa chegou em casa e suspirou profundamente, sentindo o peso da decisão crescer em seu peito. A oferta era tentadora em um sentido prático, mas o que isso significaria para sua liberdade, sua dignidade, sua mãe? A dívida era enorme, e a ameaça de perder a casa pairava como uma sombra sobre ela.Rosa precisava falar com sua mãe. Caminhou até o quarto da mãe, quando abriu a porta, encontrou Dona Cida deitada, a respiração fraca, mas serena. — Mãe? — chamou suavemente, se aproximando da cama.— Rosa, minha filha... — disse ela, com a voz suave, mas cheia de carinho. — Está tudo bem?Rosa mordeu o lábio, hesitante em contar à mãe o que estava acontecendo.— Nada não... mãezinha, só queria ver como a senhora estava, e dar boa noite. — Rosa não teve coragem de preocupar a mãe, nesse momento parecia que ela já tinha a resposta.— Oh, minha filha, estou bem. — Dona Cida piscou lentamente, absorvendo as palavras da filha. Ela segurou a mão de Rosa e a apertou com a pouca força que rest
Rosa voltou para casa com os remédios nas mãos e um peso no coração. Ao entrar, encontrou sua mãe deitada na cama, com os olhos fechados, mas um sorriso suave no rosto. — Mãezinha, eu trouxe seus remédios — disse Rosa, tentando esconder o tumulto de sentimentos que se passava dentro dela. Ela colocou as sacolas sobre a mesa e começou a organizar os comprimidos. — Ah, minha menina... você está sempre correndo de um lado para o outro por mim. — Ela estendeu a mão, e Rosa a segurou. — Eu não me importo, mãe. Quero te ver bem. Rosa ficou em silêncio por alguns instantes, hesitando. Sabia que não poderia esconder mais. Respirou fundo e decidiu contar a verdade, pelo menos parte dela. — Mãe, eu arrumei um emprego novo. — Um emprego? Que bom, filha! E você não vai mais trabalhar para a senhora Trajano? — Não... — Rosa sorriu, tentando suavizar o impacto. — Na verdade, eu vou trabalhar para o filho dela, o Ricardo. — O filho dela? — Ele me ofereceu um emprego como secretária. — Rosa
Ela estava sendo contratada como uma espécie de acompanhante permanente de Ricardo, uma assistente que parecia mais com uma sombra do que com uma secretária comum. — Você parece estar hesitante, Rosa. — Ele disse, com uma ponta de sarcasmo na voz, inclinando-se um pouco para frente na cadeira de couro. — Se não for capaz de lidar com esse trabalho, há outras pessoas que ficariam mais do que felizes em aceitar. Se Rosa assinasse o contrato, estaria essencialmente vendendo sua liberdade. Seria um fantoche nas mãos de Ricardo, disponível para ele a qualquer momento. Mas se não assinasse... como conseguiria pagar as contas? A vida de sua mãe dependia dos remédios caros, e a pequena renda que Rosa conseguia como diarista não era suficiente para cobrir todas as despesas. — Isso não é um trabalho comum, Ricardo. — Rosa disse, tentando manter a voz firme, mas sabendo que estava tremendo por dentro. — Você está basicamente me pedindo para estar à sua disposição o tempo todo. Isso não é ser