DarlanO cheiro de sangue, suor e desespero impregna o ar assim que abro a porta do galpão. Meu estômago revira, não de nojo, mas pelo incômodo da cena diante de mim. Frederico está amarrado na cadeira de ferro, a cabeça caída para frente, a respiração fraca. O que me faz travar não é o estado deplorável dele, e sim a ausência de pele no rosto. David esteve aqui e deixou a sua assinatura na face do homem.Caminho até ele, tirando uma garrafa d’água da sacola e um punhado de comprimidos. Estendo para o infeliz, que me encara com o que restou dos olhos inchados.— Toma isso. — Minha voz sai firme, sem espaço para contestação.Frederico ergue a cabeça com dificuldade e solta uma risada fraca, quase um sussurro.— Me deixa morrer logo, porrah…Reviro os olhos, impaciente.— Engole a merda dos remédios. Não vou repetir.Ele hesita, mas a fome e a sede falam mais alto. Joga os comprimidos na boca e engole a água de uma vez, tossindo em seguida. Abro um saco e entrego dois pães. Ele devora q
DavidEu poderia estar em qualquer lugar, mas a verdade é que estou fugindo. Fugindo dela. Fugindo de mim mesmo. Fugindo do que sinto. Mas por mais que eu tente, a porrah desse sentimento não me abandona. Ele queima, consome, me destrói por dentro. E quando vejo Lizandra saindo da faculdade e entrando no carro com Daniel Malta, algo dentro de mim ruge como um animal enjaulado. Ela me ignora completamente. Como se eu não fosse nada. Como se nunca tivesse sido dela. Maia, ao meu lado, observa a cena e suspira, me lançando um olhar de pesar.— Não fica assim, David… — diz, baixinho.Ignoro seu tom de pena e faço o que qualquer covarde faria, desvio o olhar e me agarro à primeira distração que aparece.— Entra no carro, Maia. Vamos conversar.Ela hesita por um segundo, mas aceita. Seguimos para a Gemini, e enquanto reviso documentos em meu escritório, tudo o que consigo falar é sobre Lizandra. Sobre como a perdi. Sobre como não sei viver sem ela. Maia escuta com paciência, e então diz:—
DavidA adrenalina dispara no meu peito no momento em que meu celular vibra. Pego o aparelho e leio a mensagem do soldado que coloquei para seguir Lizandra. Ela está no shopping. Sozinha. Comprando coisas para os bebês. Meu coração acelera, e antes que perceba, já estou me levantando.— Preciso sair. Agora. — Digo seco, sem dar explicações.Sem Nina aqui para me tranquilizar, minha impaciência aumenta. Eu ainda não engoli essa demora dela. Mas agora não é hora de lidar com isso. Pego o celular e ligo para Lucca enquanto saio do prédio do Grupo Lambertini.— Me encontre na entrada principal. Agora. — ordeno.Ele não questiona, apenas obedece. Minutos depois, estou dentro do carro, enquanto ele dirige. Aproveito o tempo para ligar para Nina. Assim que ela atende, minha voz sai cortante:— Volta hoje à noite. Vou mandar alguém te buscar.— David, eu... — ela hesita, mas não dou espaço para discussões.— Hoje, Nina. É o máximo que posso esperar. — Desligo antes que ela tente argumentar.Q
David— Liza, escolha o que quiser, espero que não esteja enjoando muito. — digo, recostando-me na cadeira. Ela ergue os olhos para mim, avaliando minha expressão, e por um instante acho que vai discutir. Mas, em vez disso, apenas suspira e concorda com um aceno de cabeça. Pedimos a comida e, enquanto esperamos, conversamos sobre coisas triviais. Ela evita falar sobre nós e sobre tudo o que aconteceu, e eu respeito.Depois do almoço, seguimos para uma loja de roupas infantis. Os olhos dela brilham ao passar pelas araras repletas de roupinhas minúsculas. Ela desliza os dedos sobre os tecidos macios, parando em um conjunto de macacões.— São lindos — murmura, pegando um azul-claro e um verde. — Minhas primeiras compras para os bebês...— Pegue mais — incentivo, aproximando-me. — Tudo o que quiser. E para você também.Ela hesita.— Não preciso de muita coisa.— Vai precisar. O corpo muda muito, e logo sua barriga vai crescer de verdade.Ela faz uma careta divertida.— E como você sabe d
LizandraMeus sentidos entram em alerta, meu coração dispara no momento em que ouço a sua voz cortante. — Compra o que quiser. As despesas dos nossos filhos são minha obrigação. Quando iria iniciar uma briga, meu pai pede o telefone, eles trocam palavras e logo ouço David:— Eu amo sua filha. Eu jamais tentaria comprá-la com presentes. Quero lutar por ela. E vou.Meu peito se aperta, e eu engulo em seco. Como ele pode dizer essas coisas e fazer meu coração se render um pouco mais? Malldito David.— Boa sorte, garoto. Vai precisar.Meu pai se despede, e quando pego o telefone de volta, apenas escuto. Sei que David está tentando, que quer estar presente. "Ele está se esforçando, filha, então colabora". Me despeço do meu pai e guardo o celular. David me encara, e antes que eu possa me afastar, ele toca meu rosto, afastando uma mecha de cabelo. Droga. Meu corpo o quer tanto quanto minha alma tenta resistir, como queria me entregar mais uma vez a ele, mas aquelas palavras ainda estão v
DavidA água quente escorre pelo meu corpo, mas não é suficiente para lavar a angústia que carrego no peito. Meus pensamentos giram em torno de Lizandra, do desejo insano que tenho por ela, a sensação dos lábios de Lizandra nos meus, do cheiro dela, do calor de sua pele sob minhas mãos e da dor de sua recusa. Fecho os olhos, tentando encontrar algum tipo de paz, mas tudo que vejo é o rosto dela, a lembrança do seu toque, do seu beijo.Então, sinto mãos suaves em minhas costas. Não preciso abrir os olhos para saber quem é. O cheiro familiar de minha mãe me envolve antes mesmo de sua voz soar.— Você está sobrecarregado, filho. Eu vejo nos seus olhos. — a minha mãe murmura, pegando a esponja e ensaboando minhas costas com delicadeza, como fazia quando eu era criança. O gesto, longe de me incomodar, me acalma de um jeito que só ela consegue. Permito-me fechar os olhos por um instante, absorvendo aquele carinho que há tempos eu não recebia.Depois de ensaboar e enxaguar minhas costas,
Liana LambertiniPreciso conhecer Lizandra! E farei isso agora!A dor de um filho é também a dor de uma mãe. Sei disso desde o momento em que vi David nascer, quando segurei aquele pequeno ser em meus braços e entendi que meu coração nunca mais seria meu. Ontem, ao vê-lo arrasado, perdido nos próprios sentimentos, sinto como se algo dentro de mim estivesse se despedaçando junto com ele. Eu não posso mais ficar parada, assistindo ao sofrimento do meu filho sem agir.Por isso, visto um elegante vestido azul-marinho, arrumo os meus cabelos e saio de casa determinada. Não posso obrigar Lizandra a perdoá-lo, mas posso mostrar a ela a verdade, despida de orgulho e mágoas. Meu motorista me leva até a casa dela, e quando aperto a campainha, ouço passos leves se aproximando. A porta se abre, e Lizandra surge diante de mim, os olhos arregalados pela surpresa.Ela veste um short de malha e um top simples, mas minha atenção vai direto ao pequeno volume em sua barriga. É sutil, mas está ali, a pro
LizandraEu ando de um lado para o outro na sala, sentindo meu peito subir e descer em um ritmo frenético. As palavras de Liana ecoam na minha cabeça, cada frase carregada de uma certeza que eu não consigo ignorar. "David mudou. Ele está sofrendo." Meu coração aperta, e eu levo as mãos ao rosto, tentando conter a avalanche de sentimentos que me domina.Eu o amo. Isso nunca esteve em questão. Mas amar não significa esquecer. Não significa simplesmente apagar a dor, como se nada tivesse acontecido. Meu corpo sente a falta dele. Dói fisicamente, como se um pedaço de mim estivesse faltando. As noites são longas, solitárias, e a ausência de David pesa sobre mim como uma sombra constante.Mas e se Liana estiver certa? E se ele realmente tiver mudado? E se essa dor que eu carrego só puder ser curada voltando para ele?Respiro fundo e encaro meu reflexo na janela. Eu sei o que preciso fazer.Caminho até o quarto e troco de roupa rapidamente. Nada de hesitações. Visto uma calça jeans, uma blus