David A luz suave dos lustres de cristal refletem nas paredes, enquanto os ruídos da cidade de Buenos Aires ficam abafados pelas paredes reforçadas. Aqui dentro, o tempo parece estagnado, suspenso entre palavras não ditas e intenções afiadas como navalhas.A mesa central, acomoda as figuras que carregam o peso de impérios e batalhas. Cada homem tem a sua história no submundo do crime. Don Vittorio, o meu pai, está ao centro, com seu semblante de pedra e olhos que poderiam cortar diamantes. Ao lado dele, Dilton, o meu tio, tamborila os dedos no braço da cadeira, um gesto contido que contrasta com a tensão no ar.Eu e Darlan estamos sentados em lados opostos da mesa. Meu irmão cruza os braços sobre o peito, o olhar afiado como uma lâmina. Desde que assumimos o comando da Lambertini, não há espaço para hesitação. As alianças que mantemos são escudos e espadas, e hoje estamos aqui para decidir o próximo movimento.Don Vittorio inicia a reunião, sua voz grave reverberando pelo salão: — P
David O relógio marca três da manhã, e enquanto a maioria das pessoas está mergulhada em sonhos tranquilos, eu estou no estacionamento da La Russa, observando o carregamento de um caminhão que transporta uma tonelada de cocaína e 30.000 unidades de ecstasy. A carga segue junto com insumos hospitalares destinados ao Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre. Uma jogada inteligente, enquanto as caixas de medicamentos passam despercebidas, nossas "mercadorias" atravessam fronteiras sem levantar suspeitas.— Jaime Orti é o motorista, como solicitei? — pergunto ao coordenador, mantendo o tom frio.Ele acena com a cabeça. Escolhi Orti a dedo para essa rota. Um homem eficiente, mas que me odeia profundamente. Vejo quando ele recebe o kit com fardamento, ticket refeição e cartão corporativo. Seu olhar de raiva é evidente, mas ele não ousa contestar.Resolvo manobrar a carreta eu mesmo. Não é comum, mas gosto de colocar a mão na massa para garantir que tudo saia conforme planejado. A empilha
DarlanO cheiro de sangue, suor e desespero impregna o ar assim que abro a porta do galpão. Meu estômago revira, não de nojo, mas pelo incômodo da cena diante de mim. Frederico está amarrado na cadeira de ferro, a cabeça caída para frente, a respiração fraca. O que me faz travar não é o estado deplorável dele, e sim a ausência de pele no rosto. David esteve aqui e deixou a sua assinatura na face do homem.Caminho até ele, tirando uma garrafa d’água da sacola e um punhado de comprimidos. Estendo para o infeliz, que me encara com o que restou dos olhos inchados.— Toma isso. — Minha voz sai firme, sem espaço para contestação.Frederico ergue a cabeça com dificuldade e solta uma risada fraca, quase um sussurro.— Me deixa morrer logo, porrah…Reviro os olhos, impaciente.— Engole a merda dos remédios. Não vou repetir.Ele hesita, mas a fome e a sede falam mais alto. Joga os comprimidos na boca e engole a água de uma vez, tossindo em seguida. Abro um saco e entrego dois pães. Ele devora q
DavidEu poderia estar em qualquer lugar, mas a verdade é que estou fugindo. Fugindo dela. Fugindo de mim mesmo. Fugindo do que sinto. Mas por mais que eu tente, a porrah desse sentimento não me abandona. Ele queima, consome, me destrói por dentro. E quando vejo Lizandra saindo da faculdade e entrando no carro com Daniel Malta, algo dentro de mim ruge como um animal enjaulado. Ela me ignora completamente. Como se eu não fosse nada. Como se nunca tivesse sido dela. Maia, ao meu lado, observa a cena e suspira, me lançando um olhar de pesar.— Não fica assim, David… — diz, baixinho.Ignoro seu tom de pena e faço o que qualquer covarde faria, desvio o olhar e me agarro à primeira distração que aparece.— Entra no carro, Maia. Vamos conversar.Ela hesita por um segundo, mas aceita. Seguimos para a Gemini, e enquanto reviso documentos em meu escritório, tudo o que consigo falar é sobre Lizandra. Sobre como a perdi. Sobre como não sei viver sem ela. Maia escuta com paciência, e então diz:—
DavidA adrenalina dispara no meu peito no momento em que meu celular vibra. Pego o aparelho e leio a mensagem do soldado que coloquei para seguir Lizandra. Ela está no shopping. Sozinha. Comprando coisas para os bebês. Meu coração acelera, e antes que perceba, já estou me levantando.— Preciso sair. Agora. — Digo seco, sem dar explicações.Sem Nina aqui para me tranquilizar, minha impaciência aumenta. Eu ainda não engoli essa demora dela. Mas agora não é hora de lidar com isso. Pego o celular e ligo para Lucca enquanto saio do prédio do Grupo Lambertini.— Me encontre na entrada principal. Agora. — ordeno.Ele não questiona, apenas obedece. Minutos depois, estou dentro do carro, enquanto ele dirige. Aproveito o tempo para ligar para Nina. Assim que ela atende, minha voz sai cortante:— Volta hoje à noite. Vou mandar alguém te buscar.— David, eu... — ela hesita, mas não dou espaço para discussões.— Hoje, Nina. É o máximo que posso esperar. — Desligo antes que ela tente argumentar.Q
David— Liza, escolha o que quiser, espero que não esteja enjoando muito. — digo, recostando-me na cadeira. Ela ergue os olhos para mim, avaliando minha expressão, e por um instante acho que vai discutir. Mas, em vez disso, apenas suspira e concorda com um aceno de cabeça. Pedimos a comida e, enquanto esperamos, conversamos sobre coisas triviais. Ela evita falar sobre nós e sobre tudo o que aconteceu, e eu respeito.Depois do almoço, seguimos para uma loja de roupas infantis. Os olhos dela brilham ao passar pelas araras repletas de roupinhas minúsculas. Ela desliza os dedos sobre os tecidos macios, parando em um conjunto de macacões.— São lindos — murmura, pegando um azul-claro e um verde. — Minhas primeiras compras para os bebês...— Pegue mais — incentivo, aproximando-me. — Tudo o que quiser. E para você também.Ela hesita.— Não preciso de muita coisa.— Vai precisar. O corpo muda muito, e logo sua barriga vai crescer de verdade.Ela faz uma careta divertida.— E como você sabe d
LizandraMeus sentidos entram em alerta, meu coração dispara no momento em que ouço a sua voz cortante. — Compra o que quiser. As despesas dos nossos filhos são minha obrigação. Quando iria iniciar uma briga, meu pai pede o telefone, eles trocam palavras e logo ouço David:— Eu amo sua filha. Eu jamais tentaria comprá-la com presentes. Quero lutar por ela. E vou.Meu peito se aperta, e eu engulo em seco. Como ele pode dizer essas coisas e fazer meu coração se render um pouco mais? Malldito David.— Boa sorte, garoto. Vai precisar.Meu pai se despede, e quando pego o telefone de volta, apenas escuto. Sei que David está tentando, que quer estar presente. "Ele está se esforçando, filha, então colabora". Me despeço do meu pai e guardo o celular. David me encara, e antes que eu possa me afastar, ele toca meu rosto, afastando uma mecha de cabelo. Droga. Meu corpo o quer tanto quanto minha alma tenta resistir, como queria me entregar mais uma vez a ele, mas aquelas palavras ainda estão v
DavidA água quente escorre pelo meu corpo, mas não é suficiente para lavar a angústia que carrego no peito. Meus pensamentos giram em torno de Lizandra, do desejo insano que tenho por ela, a sensação dos lábios de Lizandra nos meus, do cheiro dela, do calor de sua pele sob minhas mãos e da dor de sua recusa. Fecho os olhos, tentando encontrar algum tipo de paz, mas tudo que vejo é o rosto dela, a lembrança do seu toque, do seu beijo.Então, sinto mãos suaves em minhas costas. Não preciso abrir os olhos para saber quem é. O cheiro familiar de minha mãe me envolve antes mesmo de sua voz soar.— Você está sobrecarregado, filho. Eu vejo nos seus olhos. — a minha mãe murmura, pegando a esponja e ensaboando minhas costas com delicadeza, como fazia quando eu era criança. O gesto, longe de me incomodar, me acalma de um jeito que só ela consegue. Permito-me fechar os olhos por um instante, absorvendo aquele carinho que há tempos eu não recebia.Depois de ensaboar e enxaguar minhas costas,