O que mais chamou a atenção dos Wolfgang quando passaram com seu Opala Chevrolet 1973 pelo que seria a entrada da cidade de Galpões foi a grande quantidade de corvos. Eles estavam por todos os lugares; voavam sobre o carro, estavam parados em galhos de arvores, telhados de casas e cercas de arame. O que mais era estranho para aquela família vinda da cidade grande é que aqueles animais, aquelas aves pareciam os observar. Eles pareciam ser a recepção daquela família, na cidade. Na verdade até podia ser, já que Galpões era um pequeno vilarejo, se assim pode ser descrita, na serra do Rio Grande do Sul. Mantinha-se com o cultivo do vinho, claro que não era tão conhecida como suas vizinhas mais famosas, Caxias e Bento Gonçalves, mas tinha seu charme também. Com maioria de colonos italianos e alemães, Galpões tinha um jeito bem colonial de ser. E provavelmente tinha poucas pessoas. Os corvos seriam a sua recepção. os Wolfgang eram uma família de cidade grande. Hyldon Wolfgang, o patriarca, era pastor e tinha trabalhado em duas igrejas batistas em Caxias do Sul, sua mulher Rebeca era professora de uma escola publica e seus dois filhos Kimberley e Celso nasceram e se criaram na cidade grande. Não tinham tanto contato com animais e vegetação, como teriam naquele lugar.
Porém para Hyldon não seria algo tão ruim assim. Aquele lugar era afastado de shoppings centers e outras bobagens que para ele eram fúteis. Jogar Kimberley e Celso no meio da natureza não seria assim tão ruim. Eles estavam precisando se desconectar um pouco daquele mundo ficcional em que viviam. Celulares, computadores e... As drogas. Era difícil admitir, para ele que era um pastor que sua filha, uma garotinha linda, com seus dezessete anos fosse uma usuária de drogas. Tinha sido um escândalo em sua ultima igreja quando ele teve que internar ela em uma clinica para dependentes químicos. Sua mulher também parecia não ter aceito aquilo tão de boa. Rebeca culpava o marido pelo envolvimento de sua filha Kimberley com as drogas. Hyldon era muito seco com as crianças, ele era autoritário e as vezes perdia a paciência e acabava espancando eles [e ela]. Para Rebeca Wolfgang o maior culpado de sua filhinha ter ido por esse caminho tinha sido o próprio Hyldon. Talvez se ela [Rebeca] tivesse largado daquele desgraçado antes, Kimberley poderia nunca ter ido por esse caminho maldito. Já Hyldon acreditava que tudo não passou de uma vingança de Kimberley por que ele [Hyldon] não a deixou namorar com um “marginalzinho” local chamado Alexandro, vulgo “locão”. Mas ela era muito nova para namorar e ainda mais um cara com um apelido desses. Seria bom para ela aquele lugar, natureza e pouco contato com o mundo falso que eles tinham na cidade grande.Sem contar que seria uma ótima oportunidade para ele. Depois de anos vivendo como sombra de outros pastores em templos luxuosos, agora seria a chance dele de provar que era um ótimo pastor. Que não seria um erro ter sido escolhido entre outros para aquele serviço. Sabia que era um lugar um tanto quanto afastado da civilização, porém com a tecnologia do século XXI não estava assim tão isolado do mundo. Mesmo que certamente os sinal ali não fosse tão bom quanto em Caxias do Sul, daria conta do recado. Ele não utilizava nada mais que o bom e velho celular para ligar e a internet para fazer algumas pesquisas. Hyldon não era um grande fã da tecnologia moderna. Nascido no ano de 1967, ele tinha passado sua infância, adolescência e grande parte da vida sem nenhum tipo de tecnologia assim. Foi comprar seu primeiro celular somente em 2002 e seu computador em 2005. Não tinha sido criado na era da informática. e por fim ter se mudado para aquela cidade seria bom para ele se livrar de alguns fantasmas do passado que gostavam de o atormentar as vezes. Os corvos continuavam lá, em todos os lugares. - Aqui deve ser a cidade dos corvos! – Exclamou Celso olhando pela janela do carro.- Pior, eu nunca vi tantos deles como nessa cidade! – Concorda Rebeca com o filho.- Vocês não vão começar a por defeito na cidade, só por que tem alguns corvos, não é?! – Indaga com a voz áspera Hyldon. Olhando pelo retrovisor para o filho que estava sentado, atrás da mãe.- Não é nada disso Hyldon! – Retruca a mulher. – Foi apenas uma observação! – Completou ela seriamente.- Deixe a tua observação para lá Rebeca, ninguém quer ouvir as besteiras que tu falas! – Assevera ele dirigindo o carro.- Tudo, bem, desculpa meu bem! – Retruca novamente ela ironicamente, fitando os olhos nos corvos, pela janela.Mesmo não querendo admitir, era muito estranho mesmo para Hyldon ter tantos corvos naquela cidade. Seu olfato não conseguia sentir nenhum odor de carniça no ar. O que é sempre um chamariz para os corvos. O que poderia estar os atraindo tanto? Teria algum bicho morto por ali? era um lugar cercado de campo, podia ser que sim! Algum animal poderia ter morrido ali e por isso daqueles malditos corvos.Eles dobram a esquina da rua que seria sua moradia. A casa, era uma velha casa de madeira verde ao lado direito do templo da igreja. Enquanto ele dirigia o Opala rumo a casa, passou por uma cena ruim. Um rabecão de uma funerária local tirava um corpo coberto com um lençol branco de dentro de uma velha casa branca de alvenaria. Hyldon e sua família passam olhando a cena. Ele quase para o Opala para saber o que tinha acontecido, porém não era da sua conta, pelo menos não naquele momento. Mesmo que a pessoa que ali estava embrulhada no lençol fosse uma postulante fiel sua.Ao encostar o Opala na frente da casa e nota que um homem grisalho, de estatura mediana e vestido com um terno cinzento, um pouco maior que ele estava a frente da casa. Ele sorri aos ver chegar e antes que desçam do carro, se apresenta:- Olá pastor, sou o prefeito, Adão Bierhals, e sejam bem vindos a cidade de Galpões! – Disse se aproximando da porta do carro.- Olá, seu Adão, eu sou o pastor Hyldon Wolfgang! – Exclama Hyldon apertando a mão daquele homem. – Aquela é minha esposa Rebeca. – Disse apontando para ela que estava saindo da porta do carona.-Olá senhora Wolfgang. – Exclama o homem sorrindo.- Olá, seu Adão! – Retribui o gesto Rebeca.- E aqueles são meus filhos, Kimberley de dezessete anos e Celso de doze! - Explica apontando para eles, que descem do carro logo em seguida.- Olá crianças!Eles só balançam a cabeça confirmando que tinham ouvido.- Não ligue para eles seu Adão, eles estão cansados da viajem! – Explicou Hyldon ao homem.- Eu entendo, também tenho filhos pastor! – Concordou o homem sorrindo. – Até desculpe-me a minha senhora não vir lhe recepcionar também, mas é que ela é professora na escola e essas horas está em aula! – Explicou.- Olha que coincidência, sua esposa também é professora? – Indaga Rebeca. - Sim ela dá aula da quinta a oitava serie! – Respondeu ele fitando-a.- Eu também sou professora, dava aula de Geografia, em Caxias do Sul! – Explicou ela.- Sabemos, a senhora vai ser companheira de minha Angélica na escola. – Disse ele.- Rebeca é uma ótima professora de Geografia, seu Adão! – Assevera sorridente Hyldon.- Que bom! – Concorda o homem.Nesse momento Hyldon vira-se rumo a casa onde o rabecão estava estacionado na frente e pergunta curiosamente ao homem:- O que houve ali?- Ah, pobre senhora Alma Tessman teve um infarto e morreu essa noite! – Respondeu o homem. – Ela assim como eu seria uma de suas fiéis pastor! – Explicou.- Que coisa! – Exclama Hyldon Wolfgang.- Era uma ótima cristã. Era a responsável quando o antigo pastor Marcos Rodduit pastoreava a igreja pelos pães da ceia do “Senhor”! – Continua explicando. – É uma grande perda para nossa comunidade. – Completou.- Que irá fazer o ato fúnebre dela? – Indagou Hyldon fitando o homem.- O presidente da igreja o irmão Rhodolfo Hubner! – Respondeu rapidamente. –Ele já foi diácono na nossa congregação e agora é o presidente da igreja! – Disse.- Certo! – Concorra Hyldon.- O senhor está recém chegando, e um velório cansativo não é uma boa opção! – Explica o homem.- Sim, minha mudança chega somente amanha! – Concorda novamente.-Sim, e o enterro da nossa irmã provavelmente será amanha! – Disse.- Pois é! – Hyldon, sabia que não teria saco para fazer um funeral de uma mulher que ele nem conhecia. Na verdade já era chato ter que encomendar o corpo de um conhecido. Uma das partes mais chatas de ser pastor para ele [Hyldon] era fazer velório. O que falar para a família de um ser que já morreu? Consolar como? A dor de perder um parente querido, não deve ser apagada apenas com as palavras besta de um pastor que está sendo remunerado para aquilo! Por que as pessoas não enterravam os seus mortos e pronto? Sem frescura ou cerimonialismo chato! Sem forçar o pastor ir lá encomendar o corpo daquela pessoa para cova.- O irmão Hubner fará o velório de todo o grado! – Insistiu o homem.- Sim! – Concorda Hyldon seriamente.- Pastor vou me indo, já está ficando tarde e o senhor tem que se acomodar! – Exclamou o homem. – Seja bem vindo a nossa cidade! – Ele estica a mão para Hyldon que a aperta e concorda:-Obrigado irmão Adão! – Se aquele homem era membro de sua igreja tinha que ser respeitado como mesmo.- Boa noite! – Disse o homem, se retirando da presença deles.- Boa noite! - Dizem eles.Eles pegam as malas no carro e vão rumo a casa. Hyldon puxa a chave do bolso da calça social marrom que vestia e abre a porta. Ele deixa Rebeca e as crianças entrarem primeiro e logo entra de trás. Mas antes olha para o corvo enorme que pousa sobre o capo do seu Opala 1973.Os dois primeiros dias naquele lugar tinha sido de arrumação. No dia seguinte a chegada Hyldon voltou a Caxias do Sul para buscar a mudança. Porém depois organizar tudo que era o mais difícil. Haviam coisas dos antigos moradores ainda ali. Parecia que eles tinham saído na presa, pois havia até fotos da família pelo chão. Rebeca juntos tudo e pós em caixas, para por num velho galpão de madeira que ficava nos fundos do terreno. Era um lugar caindo aos pedaços que fedia a bosta de corvo. Naquele lugar havia sobra de carcaça de ratos, pássaros e outros animais ela larga tudo rapidamente lá dentro e sai assustada. Tinha muitas coisas para organizar.Hyldon tinha um culto para organizar para domingo, só que não tinha tido tempo de pensar em um sermão tinha que ajudar, Rebeca e as crianças a organizar aquela droga de casa. Fazer uma mudança sempre era difícil, ainda mais nos primeiros dias. Ele nem tinha pego a bíblia para escolher um versículo para pregoar na manha de domingo. Talvez n
Ao quarto dia alguém bate a porta. Rebeca vai atender. Ao abrir a porta deu de cara com um velho alto, calvo, com poucos cabelos brancos, rugas e olhos azuis.- Irmã Rebeca Wolfgang? – Perguntou ele fitando aquela mulher ruiva, cheinha e de cabelos cacheados. Rebeca estava com um moletom cinza batido e uma calça jeans velha.- Sim! – Respondeu ela assustada.- Eu sou Rhodolfo Hubner. – Disse ele alcançando a mão para ela. – Sou o presidente da igreja! – Exclamou.- Entre irmão! – Exclamou ela convidando o velho para entrar.- O seu marido, o pastor Wolfgang está? – Indaga o velho, vestindo uma camisa de manga curta e uma calça jeans azul escura.- Sim, fique a vontade já vou chama-lo! – Respondeu ela saindo a sala. Em seguida ela volta com Hyldon, que já chega cumprimentando o velho.- Irmão Hubner? – Hyldon aperta a mão do velho.- Pastor Wolfgang! – Respondeu.- Eu estava lhe esperando, pois queria saber algumas coisas sobre a igreja. – Disse Hyldon.
Tinha chegado o domingo, o dia do primeiro e maldito culto de Hyldon Wolfgang como pastor daquela igreja no fim do mundo. Depois de uma longa oração e uns dez minutos de hinos, o então presidente da igreja Rhodolfo Hubner chama Hyldon Wolfgang a frente no púlpito e apresenta, ele, sua mulher e seus filhos aqueles fiéis que lotavam aquele templo.- Irmãos esse é o nosso novo pastor, o irmão Hyldon Wolfgang de Caxias do Sul. – Disse. – E também tem a sua esposa a irmã Rebeca e seus filhos Kimberley e Celso. – Apresentou eles a frente.As pessoas ali dentro se levantaram. Hyldon nem podia crer que tinham tantos fiéis naquele lugar. Era se como toda a cidade fosse membro daquela igreja. Será que não haviam outros grupos religiosos naquele lugar? Eles o saldavam com alegria. Ele estava feliz, eram os seus fiéis. Suas ovelhas, nada de outro pastor para lhe dar ordem. O que ele quisesse fazer naquele lugar ele faria. Sem ninguém pra lhe encher o saco e podar suas leis. Ele era o past
Enquanto pregava seu sermão Hyldon Wolfgang começa a ouvir o grunhido e o bater de assa dos corvos na rua. Eles pareciam estar voando em bando sobre o templo da igreja. Chocavam-se contra as paredes com raiva. E o grito das aves eram mais altos que sua voz ao microfone. Que diabos estava acontecendo ali? As pessoas sentadas em seus bacos se abanando pareciam não ligar para o que estava acontecendo. Será que elas não estavam ouvindo os corvos? Não tinham como não ouvir. Eles grunhiam alto e... Um deles pouso na janela de seu lado direito perto do púlpito. Ele o encarava como se soubesse de alguma coisa!Hyldon para alguns segundos sua pregação e fica olhando para aquela ave, na janela do lado do púlpito.- O que está acontecendo com o pastor? – Indaga Joice a seu marido Rhodolfo Hubner. A mulher gorda de cabelo amarelo e usando um vestido branco e florido que estava sentado ao lado esquerdo de seu marido ficou intrigada em ver aquela cena.-Não sei meu amor! – Responde
Depois do fiasco no culto dominical, nada melhor do que correr um pouco. Desde que ele tinha se mudado para cidade de Galpões não tinha conseguido dar uma corrida ainda. Hyldon era um homem de estatura mediana, não era gordo, mas era forte. Usava um cabelo grisalho cortado no estilo militar. A corrida matinal era um habito que desenvolveu por recomendação medica, quando teve uma ameaça de infarto, depois de uma briga com Rebeca em 2011. Naquele dia ele pensou que iria morrer, porém não morreu! Agora ele vestia uma calça de abrigo azul marinho, uma camiseta cinza e um tênis confortável e corria quinze minutos pela manha.Naquela manha ele iria correr um pouco para esquecer o que tinha acontecido. Desde que tinha voltado do culto pela manha não quis conversar sobre o ocorrido. Ainda mais que envolvia um tipo de alucinação com aqueles corvos. Aqueles malditos corvos!Ele passa por Rebeca na cozinha e apenas exclama:- Vou correr um pouco!A mulher que está perto da pi
Rebeca resolve estender algumas roupas no varal. Era uma manha bonita de sol e ainda fazia um pouco de calor para aquele tempo. Ela põe todas as roupas em uma enorme bacia roxa e vai para o quintal estender as mesmas. A primeira peça de roupa que ela pega é uma calça jeans preta de Hyldon. Ela estande no varal que ficava no quintal da casa, entre o seu pátio e o do templo. Ela estende aquela calça no varal com raiva. Ela odiava ter que lavar as roupas daquele homem! ela odiava estar casada com aquele homem! o bom para ela, é que naquela tarde ela começaria a dar aula numa das escolas da cidade. Teria menos tempo para ver a cara de demônio de Hyldon. Ficar mais uma semana em casa vendo a cara dele não servia para aquela ruiva.Na verdade ela nem se lembrava mais o motivo de ter se casado com ele. Hyldon era oito anos mais velho que ela. Ela havia nascido em 1975, e quando casou com ele tinha dezenove anos. Seu pai achou que Hyldon era um bom homem. ele o convenceu que a amav
Enquanto corria pela cidade, Hyldon observa que além de casas e mais casas, alguns comércios [mercados, pequenas lojas, lanchonetes...] e os corvos não havia mais nenhum templo religioso pelo menos nas quadras que ele passou, além do dele. O que parecia muito estranho visto que haviam vários grupos cristãos e não cristãos no mundo. Só que ali havia somente o templo dele e os outros? Será que ninguém se interessava em evangelizar aquela pequena cidade? Ele corria olhando para as casas, mas...- O que essa cidade tem? – Indaga-se sozinho enquanto corre.Hyldon era acostumado a ver um templo em cada esquina, menos naquela cidade. Ali não tinha isso, o que poderia explicar o porquê de tanta gente no mesmo templo. As igrejas que ele tinha cuidado em Caxias do Sul mesmo tendo bastantes membros não tinham a mesma quantia que aquele templo. Na verdade ele não tinha v
O primeiro dia de aula na escola para Celso parecia se desenhar bem difícil. Ao sentar-se em sua cadeira logo a professora uma mulher magra, loira, de óculos e de seus quarenta e poucos anos usando calça jeans verde e uma camiseta de manga lhe disse:- Seja bem vindo Celso! – Disse. – Sou a professora Alice!- Obrigado! – Agradeceu ele seriamente fitando aquela mulher.- O pastor está melhor? – Indagou ela a frente de sua mesa. – Ontem ele passou mal, ele está melhor hoje? – insistiu.- Acho que sim! – Respondeu ele.- Que bom, ficamos todos preocupados com ele. – Disse a mulher fitando aquele guri de cabelo quase branco.- Deve ser! – Exclamou ele [Celso].- Seja bem vindo Celso! – Disse ela de novo. Dessa vez ele só mexe a cabeça confirmando.Nesse momento ele sente algo grudento lhe bater na nuca. E alguns risos atr&aacut