Depois do fiasco no culto dominical, nada melhor do que correr um pouco. Desde que ele tinha se mudado para cidade de Galpões não tinha conseguido dar uma corrida ainda. Hyldon era um homem de estatura mediana, não era gordo, mas era forte. Usava um cabelo grisalho cortado no estilo militar. A corrida matinal era um habito que desenvolveu por recomendação medica, quando teve uma ameaça de infarto, depois de uma briga com Rebeca em 2011. Naquele dia ele pensou que iria morrer, porém não morreu! Agora ele vestia uma calça de abrigo azul marinho, uma camiseta cinza e um tênis confortável e corria quinze minutos pela manha.
Naquela manha ele iria correr um pouco para esquecer o que tinha acontecido. Desde que tinha voltado do culto pela manha não quis conversar sobre o ocorrido. Ainda mais que envolvia um tipo de alucinação com aqueles corvos. Aqueles malditos corvos! Ele passa por Rebeca na cozinha e apenas exclama:- Vou correr um pouco!A mulher que está perto da pia com uma panela suja nas mãos concorda:- Certo!Hyldon sai correndo. Ele queria correr pelo menos seus quinze minutos diários. Os corvos estavam por toda parte o observando. Ele tenta não ligar para isso. O melhor a fazer era ignorar aquelas aves do diabo. Tinha que se concentrar apenas em correr.A cidade de Galpões era toda plana, não havia lombas ou declives. Era um buraco cercada de morros altos, onde cruzava uma auto estrada. Correr por aquelas ruas seria bom para Hyldon Wolfgang. Ele já tinha sido um homem muito sedentário. Havia começado a trabalhar cedo com catorze anos numa transportadora que o pai tinha dirigindo caminhões. Passou pelo menos onze anos trabalhando atrás de uma direção de caminhão, até 1992, quando houve aquele incidente trágico com sua ex-mulher e seu filho pequeno de sete anos. Depois disso foi trabalhar em uma metalúrgica, onde ficou por seis anos. Agora era pastor. Não fazia exercícios e nem caminhada, um dia isso quase o matou. Quase mesmo. Agora ele corria diariamente, se exercitava e comia bem. Tentava até se estressar menos com Rebeca e as crianças. Tentava mesmo!Enquanto corria pensava no que tinha engolido nos últimos anos. Quantos sapos e coisas que aquela droga de família tinha aprontado com ele. As constantes reclamações de Rebeca. Aquela mulher tinha decidido o infernizar, tudo bem que ele tinha sido um “pouco” violento com ela, algumas vezes, mas... Já era demais. Reclamava de qualquer coisa, ainda mais depois que Kimberley tinha se envolvido com as drogas. Tinha piorado a situação. A relação dele com a filha tinha sido sempre conturbada. Kimberley era a filha rebelde. Desde pequena foi assim. Aos quatro ou cinco anos botou fogo no lixeiro da cozinha. O que lhe obrigou a lhe dar uma surra. Claro que ele sabia que tinha exagerado um pouco, usou um cabo de vassoura e acabou por quebrar uma das perninhas daquela filha da mãe. Ele sabia que foi algo ruim na época, só que aquela coisinha tinha tentado incendiar a casa. Ele [Hyldon] tinha que ser enérgico com ela [Kimberley], pois ela era a filha do pastor. Não podia ficar fazendo essas coisas. Depois veio a fase da adolescência e piorou. Primeiro namorou aquele marginalzinho. Depois começou a fugir as escondidas para ir a festas e depois por fim se envolveu com as drogas. Vivia chapada. O forte cheiro de maconha era sentido a distancia. Naquele tempo até deixar de cantas nos cultos, ela deixou. Começou a ser visada como a filha rebelde do pastor e ai ele não tinha mais o que fazer do que a surrar. O ápice só foi quando aos dezesseis ela teve uma overdose de cocaína. Isso o levou a procurar uma clinica de dependentes químicos para ela. Kimberley esperneou que não queria ir, mas acabou sendo forçada por ele a ir para aquele lugar. Por isso ela o odiava tanto.Já com Celso ele não tinha tanto problema, mesmo o surrando às vezes por algum motivo, aquele alemãozinho de cabelo quase branco, realmente não era o pior da droga daquela família. Celso era um guri um pouco violento demais. Rebeca tinha ido varias vezes na escola por que ele acabava espancando algum coleguinha. Ele gostava muito de se vestir de camiseta preta e calça jeans. Uma ou duas vezes foi pego fumando cigarro no pátio da escola também. Porém ainda não era pior que a irmã. A ovelha negra da família ainda era Kimberley. Hyldon continua correndo.Rebeca resolve estender algumas roupas no varal. Era uma manha bonita de sol e ainda fazia um pouco de calor para aquele tempo. Ela põe todas as roupas em uma enorme bacia roxa e vai para o quintal estender as mesmas. A primeira peça de roupa que ela pega é uma calça jeans preta de Hyldon. Ela estande no varal que ficava no quintal da casa, entre o seu pátio e o do templo. Ela estende aquela calça no varal com raiva. Ela odiava ter que lavar as roupas daquele homem! ela odiava estar casada com aquele homem! o bom para ela, é que naquela tarde ela começaria a dar aula numa das escolas da cidade. Teria menos tempo para ver a cara de demônio de Hyldon. Ficar mais uma semana em casa vendo a cara dele não servia para aquela ruiva.Na verdade ela nem se lembrava mais o motivo de ter se casado com ele. Hyldon era oito anos mais velho que ela. Ela havia nascido em 1975, e quando casou com ele tinha dezenove anos. Seu pai achou que Hyldon era um bom homem. ele o convenceu que a amav
Enquanto corria pela cidade, Hyldon observa que além de casas e mais casas, alguns comércios [mercados, pequenas lojas, lanchonetes...] e os corvos não havia mais nenhum templo religioso pelo menos nas quadras que ele passou, além do dele. O que parecia muito estranho visto que haviam vários grupos cristãos e não cristãos no mundo. Só que ali havia somente o templo dele e os outros? Será que ninguém se interessava em evangelizar aquela pequena cidade? Ele corria olhando para as casas, mas...- O que essa cidade tem? – Indaga-se sozinho enquanto corre.Hyldon era acostumado a ver um templo em cada esquina, menos naquela cidade. Ali não tinha isso, o que poderia explicar o porquê de tanta gente no mesmo templo. As igrejas que ele tinha cuidado em Caxias do Sul mesmo tendo bastantes membros não tinham a mesma quantia que aquele templo. Na verdade ele não tinha v
O primeiro dia de aula na escola para Celso parecia se desenhar bem difícil. Ao sentar-se em sua cadeira logo a professora uma mulher magra, loira, de óculos e de seus quarenta e poucos anos usando calça jeans verde e uma camiseta de manga lhe disse:- Seja bem vindo Celso! – Disse. – Sou a professora Alice!- Obrigado! – Agradeceu ele seriamente fitando aquela mulher.- O pastor está melhor? – Indagou ela a frente de sua mesa. – Ontem ele passou mal, ele está melhor hoje? – insistiu.- Acho que sim! – Respondeu ele.- Que bom, ficamos todos preocupados com ele. – Disse a mulher fitando aquele guri de cabelo quase branco.- Deve ser! – Exclamou ele [Celso].- Seja bem vindo Celso! – Disse ela de novo. Dessa vez ele só mexe a cabeça confirmando.Nesse momento ele sente algo grudento lhe bater na nuca. E alguns risos atr&aacut
Ao bater o sinal do intervalo, do recreio, Celso sai da sala e após chegar ao pátio da escola é intimado por Laerte e mais dois outros guris.- E ai pastorzinho o que tu falou do eu pai?! – Chegou Laerte indagando e empurrando Celso.- Disse que ele é um frutinha que nem tu! – Respondeu Celso encarando aquele outro guri.- Tu pensas que é machão, não é pastorzinho?! – Asseverou Laerte sorrindo.- Mais do que tu seu bostinha! – Insistiu Celso fechando a mão direita.- Repete isso! – Gritou Laerte chamando a atenção dos outros alunos que estavam no pátio na hora do recreio.- “Briga! Briga”! – Eles gritavam.- Por que tu não cai pra dentro! – Brada Celso fitando aquele outro guri bem nos olhos.- Tu vai apanhar! – Gritou se babando Laerte. Nesse momento Celso acerta um soco bem no meio da cara do
A briga de seu filho com outro guri não tinha chegado nos ouvidos de Rebeca quando ela entrou na sua primeira turma ainda. Ela se apresentou como a professora de geografia. Claro que se apresentar naquela cidade pequena era apenas por simples formalidade, já que todos ali deviam saber que ela era a “esposa” do pastor. Aquela cidade era bastante estranha parecia que só tinha uma igreja na região. O diretor Tarcísio e caricato um alemão gordo o apresentou na sala dos professores com grande empolgação:- “Queridos essa é a nossa nova professora de geografia, a irmã Rebeca Wolfgang, esposa de nosso novo pastor”! – Disse sorrindo na sala dos professores com ela de pé.- “Bem vinda irmã”! – Saudaram os outros enquanto ela segurava sua bolsa e alguns livros nas mãos.Na primeira sala de aula não foi diferente ao passar pela porta da sala acompanhada do diretor Tarcísio. Ele parou em frente ao quadro negro, que ainda era um quadro pintado na parede de verde, e se escrev
O que Kimberley mais queria aquela noite depois de um dia cansativo, depois de uma manha de aulas na escola nova era fumar um “baseado”. Um bom e velho “baseado”. Mas onde conseguiria tal coisa. Ela estava sentada na cama enquanto pensava sobre isso. Aquele lençol rosa, não combinava com seu estilo. Na verdade o que tinha ali dentro refletia apenas a hipocrisia cristã de seu pai. Ele queria que ela [Kimberley] passasse aos seus fiéis uma guria que ela não era. Ele [seu pai] queria que ela bancasse a “santa” e “virgem”, mesmo que ela não fosse nada disso e nem se encaixasse no perfil.Kimberley Wolfgang sempre soube que era diferente. Ela não era a guria que seu pai queria que ela fosse. Foi assim que ela se apaixonou por Alexandro, vulgo “locão; “Locão” tinha sido seu primeiro amor. Quando ela o viu com aquela jaqueta de couro batida, aqueles spikes e
Depois que Hyldon saiu para correr, e as crianças para escola Rebeca ficou limpando a casa, quando ouviu umas leves batidas na porta da frente. Ainda com a vassoura na mão ela vai ver quem era. Ao abrir o pequeno vitro enxerga uma velha. Era uma velha bem enrugada, cabelo bem branco, de coque e um vestido azul com flores roxas. Nas suas mãos estava uma pequena forma com algo coberto com um guardanapo.- Olá irmã? – Disse a velha lhe fitando sorrindo. – Sou sua vizinha Dolores Hans! – Argumentou. – Moro na casa rosa aqui na frente, aquela com gramado e rosas! – Exclamou apontando para sua casa do outro lado da rua. – Vim lhe trazer uma cuca de boas vindas. – Completou destapando a cuca e mostrando para Rebeca.- Entre! – Disse Rebeca largando a vassoura de cabo verde encostada no sofá e abrindo a porta para receber aquela velha.- Desculpe eu vir essas horas irmã, mas é que eu andava muito doente! – Explica a velha enquanto entra na casa dos Wolfgang. – Não conse
Enquanto corria Hyldon passa pelo prefeito Adão Bierhals da cidade que está conversando com algumas pessoas. Ele [Hyldon] os cumprimenta e passa, mas logo volta para conversar com o prefeito, ele gostaria de saber o que tinha acontecido com o templo dos católicos romanos da cidade.- Prefeito posso falar com o irmão? –Pergunta Hyldon.-Sim pastor! – Respondeu o prefeito se despendido das pessoas e saindo caminhando com Hyldon.- Irmão o que houve com o templo dos católicos? – indagou Hyldon indo direto ao ponto. – Ele está todo depredado, cadê o padre? – Insistiu. – O que houve aqui? – Completou.O prefeito enquanto caminha põe a mão direita no ombro esquerdo de Hyldon e responde:- É uma historia muito longa pastor! – Disse.- Pode me contar então, por que pelo jeito somos a única igreja dessa cidade! – Retrucou Hyldon fitando o homem.- Como eu disse pastor Wolfgang a historia é longa! – Insistiu. – Nunca tivemos muita sorte com religiões, padres e