Por Lorena
Nos dias que se seguiram, Alister não ousou colocá-la em maiores riscos. Ele a manteve presa naquele lugar e não a submeteu a outros tipos de magia. Talvez estivesse arrependido do que fizera no primeiro dia. Talvez seu amor fraterno estivesse falando mais alto. Mesmo assim, as condições em que ela se encontrava não eram as melhores. Permanecia trancada e vigiada naquele quarto escuro. Ela não dizia nada e frequentemente chorava em silêncio.
Alister algumas vezes tentou falar com ela, mas eles não se entendiam. Ela olhava confusa para ele e depois escondia seu rosto nas capas. Logo Alister percebeu a necessidade de um feitiço que permitisse se comunicarem.
Os halisianos também eram uns trapaceiros, pois criaram um feitiço para ensinar a fala e a escrita para as crianças de forma imediata. Nem sempre usavam esse feitiço, pois as crianças que recebiam esse conhecimento implantado não desenvolviam muito bem o intelecto e a capacidade de raciocínio. No entanto, ela já não era mais criança, então a consequência seria mínima ou mesmo nula.
Alister conjurou o feitiço de ensinamento linguístico. Ela se virou para olhá-lo e, com medo, fechou os olhos. Logo o conhecimento do idioma do conjurador foi compartilhado com ela. Alister foi quem disse as primeiras palavras que ela entendeu:
— Está tudo bem, não vou te machucar.
Ela abriu os olhos e ficou a encará-lo, confusa, como se estivesse tentando entender o que tinha acontecido. Logo ouvimos sua voz doce ecoar por aquele quarto:
— Eu entendi o que disse, mas como? Quem são vocês? Por que estão fazendo isso comigo?
Alister colocou sua mão direita sobre a cabeça dela, olhou em seus olhos e falou em tom sereno. Não acho que tentar ser gentil agora apagaria a primeira impressão ruim que ela teve.
— Em breve tu entenderás tudo, mas, por enquanto, a única coisa que posso te dizer é que procuro em você uma pessoa muito importante para mim.
Isso não ajudou em nada; ao contrário, ela ficou ainda mais confusa e um tanto irritada:
— Não estou entendendo, poderia me explicar isso direito? Ou melhor, poderia me soltar e me levar de volta para casa? Meus pais devem estar muito preocupados comigo.
— Lenissya, tu já estás em casa.
— Não, não estou, e meu nome não é Lenissya, é Lorena!
— Amigos, deixem-nos a sós um pouco! — pediu Alister educadamente.
Droga, agora que estava ficando interessante! Eu estava gostando de vê-la com raiva. Por alguns minutos, Alister ficou sozinho com ela e depois Haigar voltou ao seu posto de vigia. Ela estava pensativa, mas algo nela havia mudado. Estava mais desinibida. Olhou para Haigar e disse:
— Olá!
Haigar permaneceu em silêncio e ela continuou:
— Você é sempre assim tão calado? Qual é o seu nome?
— Haigar, e gosto de falar apenas quando necessário.
— E você não acha necessário conversar um pouco enquanto vigia? Ajuda a passar o tempo e o tédio. Faz muito tempo que trabalha aqui? Consegue usar aqueles poderes estranhos? Como é esse lugar? — Ela gesticulava com os braços enquanto perguntava.
— Princesa, você faz perguntas demais. Sirvo o rei desde que era jovem. Esses poderes que você fala são chamados de energia aura e são canalizados na forma de magia. Quanto a esse lugar, trata-se de uma sala secreta no palácio real. Faz parte do reino de Halis.
— Halis? Princesa? Quer dizer que sou uma princesa? E essa magia é usada frequentemente? — Ela passou de curiosa para confusa. Fez um leve biquinho com os lábios enquanto pensava, com os olhos fixos nas reações de Haigar.
— Sim! — disse Haigar, sem querer passar mais informações do que deveria. Deve ter percebido que deixou informações importantes escaparem.
— Em que situações? — perguntou ela em um tom mais sério.
— No dia a dia, e também em guerra.
— Não acredito! Aqui nesse reino tem guerra? Poxa, isso é ruim. Você tem família, filhos?
— Apenas um filho.
— E onde ele está?
Lenissya tocou no ponto fraco dele. Durante uma das batalhas que travei com Halis, eu tinha sequestrado seu filho Daigar e o mantinha cativo. Utilizava a vida dele como forma de convencer Haigar a me obedecer. Ele o fazia porque tinha prometido à sua falecida esposa que protegeria o filho com sua vida, se necessário.
Ele faria qualquer coisa por Daigar sem hesitar, com uma exceção: ferir ou causar qualquer dano direto a alguém de seu povo. Haigar procurava ser o mais correto e leal possível aos seus, mas eu não permitia que ele seguisse sempre seus princípios. Haigar não respondeu à pergunta de Lenissya e ela, num tom sereno e com um olhar profundo, disse:
— É por isso que não é bom fazer guerra. Pessoas se ferem e se machucam, pessoas queridas são perdidas e a dor gera ódio que leva a mais dor. Guerra não faz sentido! Por que vocês não param com isso?
Haigar permaneceu em silêncio. Vendo que ele não ia dizer mais nada, ela também se calou. O que Alister havia falado para que ela ficasse assim? Além disso, de onde tirou essa filosofia? Será que já tinha presenciado alguma guerra? Não, pois se tivesse, ela não falaria algo tão utópico. Sentiria na pele o que é raiva e o desejo de vingança. Ela não era dali, não sabia de nada! Como poderia entender? Mas o que ela disse parecia fazer sentido.
Durante a noite, eu não consegui dormir. Tentava entender a situação e até comecei a duvidar da identidade daquela garota. Magia para tentar mostrar sua energia oculta não funcionou, e se magia para desfazer um possível selo que a ocultasse também não, então... o que mais poderia ser feito?
Olhei para o teto e pensei comigo mesmo. Se eu soubesse antes que Lenissya sobrevivera e quisesse chegar até ela, o que eu faria? Obviamente, tentaria sentir sua energia e vê-la. Quem sabe existisse alguma outra forma de passar entre mundos. Talvez Rainessya soubesse disso e por isso a selou... para protegê-la!
Um pensamento me veio à mente e me fez perceber que estávamos tentando pelo caminho errado. Partíamos da ideia de que a energia estava presa dentro dela e precisava ser liberada, em vez de considerar que ela sempre esteve lá, mas éramos nós que não a víamos.
O selo, portanto, deveria estar na aura externa, tornando-a invisível para nós e também para a própria Lenissya. Se isso fosse certo, então o tipo de magia que precisavam para liberar o selo era bem mais simples do que se imaginava.
Saí do meu quarto em direção à biblioteca real. Precisava checar isso, pois já tinha lido algo a respeito. No caminho, encontrei Drakhan, um forte guerreiro que me servia fielmente em todas as batalhas. Ele estava olhando o pátio pela janela do corredor e, sentindo minha presença, disse:
— Está tudo muito calmo, não achas, Zuldrax?
— De fato! Mas o que fazes aqui acordado até essa hora?
— Devo estar sempre alerta, mas o mesmo te pergunto. Por que andas pelo palácio até essa hora? E o que tem acontecido para que passes tantos dias trancado no quarto? Teus homens esperam por ordens!
— Não te apresses, caro Drakhan! Tudo deve acontecer a seu devido tempo. No momento, só estou com um pouco de insônia e achei que seria interessante ler um pouco.
Mesmo confiando nele, sempre gostei de pensar sozinho e agir como eu bem quisesse. Sempre fui uma criança independente. Aos quatro anos, eu já assistia meu irmão mais velho treinando e depois, sozinho, dedicava-me a desenvolver minhas habilidades. Eu era paciente na medida do possível e sabia que, não importava quanto tempo levasse, um dia seria tão ou mais forte do que ele.
Quando eu tinha sete anos, perdi meu irmão e só então comecei a receber treinamento especial com o pai de Drakhan. Foi quando o conheci. Crescemos e treinamos juntos por um tempo, e ele se tornou meu melhor amigo.
Uma coisa em minha personalidade nunca mudou: eu não gostava que me questionassem ou que ficassem me rodeando demais. Mesmo que eu tivesse supervisão nos treinos, a maior parte deles eu realizava sozinho. Drakhan não falou mais nada, pois me conhecia muito bem e sabia o quanto sou teimoso.
Segui sozinho para a biblioteca. Passei alguns minutos checando as prateleiras e não demorou muito até que encontrasse o que procurava. Um livro com uma capa azul-escuro sobre magia halisiana média. Folheei as páginas impacientemente e logo achei o feitiço.
Eu não podia fazer nada, mas Haigar podia. Voltei para o meu quarto com o livro e entrei em contato com ele usando minha dióxy de comunicação. Haigar estava sentado na escada vigiando Lenissya, que dormia calmamente. Contei a ele minha hipótese e lhe falei do feitiço de liberação sensorial. Claro que ele não aceitaria tão facilmente algo vindo de mim e pronunciou palavras agressivas em tom alto. Lenissya estava em sono profundo e sequer se mexeu.
— O que você quer com isso, seu desgraçado? Se for algum truque para machucar a princesa, saiba que eu não permitirei.
— Não seja estúpido, Haigar! Isso é justamente para saber se ela é realmente a princesa. No momento, temos o mesmo objetivo: desvendar a identidade da garota.
Essa explicação o convenceu. Ele usou sua magia para chamar Alister, que logo chegou. Sua primeira reação foi perguntar se havia acontecido algo. Haigar lhe explicou o que eu havia dito, como se a ideia tivesse partido dele. Alister pensou por alguns instantes e logo concluiu que realmente pudesse ser isso. Impaciente como sempre, invocou de imediato o feitiço de liberação sensorial.
Uma luz branca começou a circundar Lenissya enquanto ela ainda dormia. Aos poucos, essa luz branca começou a se dissipar, revelando uma aura de um azul tão claro que era quase branco. Sua aura era intensa, tinha força, e um brilho diferente do habitual. Não havia dúvidas de sua origem real. Aquela jovem era, de fato, Lenissya!
Por LorenaDesde que eu chegara, só uma coisa passava pela minha cabeça: eu tinha que voltar para casa! Mesmo não estando mais amarrada, era muito desconfortável ficar presa naquele quarto com um estranho me vigiando quase o tempo inteiro.Às vezes, aquele chefe malvado vinha ver como eu estava, mas por quê? Eu não sabia o que tinha feito de errado para estar ali, não sabia o que queriam comigo, e, quando não era o medo e a dúvida que me dominavam, era a saudade.Eu ficava me lembrando dos meus pais, do último passeio que fizemos nas férias até Fernando de Noronha, e de como minha mãe tinha ficado apavorada quando eu disse que queria mergulhar com os tubarões. Ela era muito protetora. Meu pai já era mais tranquilo, gostava de se reunir com os amigos para conversar, comer churrasco e beber cerveja. Se dependesse dele, o ano inteiro seria festa.Também ficava pensando nos meus amigos. Será que a Beatriz tinha se saído bem na prova? Uma angústia muito grande tomava conta de mim, me fazend
Por LorenaAlister me observou por mais alguns segundos antes de sair. Logo em seguida, o homem que me vigiava entrou no quarto.Será que eu realmente estava em outro reino? Se fosse esse o caso, estaria em um país ainda governado por um rei, mas... onde isso poderia ser? Europa, talvez? Ou, quem sabe, eu nem estivesse mais na Terra. A maneira como cheguei aqui e o fato de ter começado a falar outra língua... Seria realmente magia?Uma curiosidade imensa começou a tomar conta de mim. Agora que eu podia falar a língua deles, quem sabe eu conseguisse alguma informação valiosa daquele guarda:— Olá!Tentei fazer o cumprimento no tom mais amigável possível e, embora no dia a dia eu fosse meio tímida, eu precisava desvendar tudo aquilo. Era uma necessidade! Ele permaneceu em silêncio. Em algum momento, ele teria que falar alguma coisa, então apelei:— Você é sempre assim tão calado? Qual o seu nome?— Haigar, e gosto de falar apenas quando necessário.— E você não acha necessário conversar
Por LorenaSozinha naquele imenso quarto, enquanto as lágrimas escorriam, percebi que não adiantava ficar remoendo tudo aquilo. Precisava esfriar a cabeça e encontrar outra solução, pois chorar e discutir com ele não me levaria a lugar algum. Respirei fundo, tentando me acalmar e organizar meus pensamentos.Fiquei deitada, olhando para o teto por um bom tempo, até que Haigar entrou. A aura dele era de um azul escuro também, mas diferente da de Alister. Possuía variações no valor e na saturação, era um pouco mais translúcida, menos intensa e se movia de formas diferentes. Ele trazia consigo uma bandeja com comida e bebida. Ótimo... eu estava faminta!— Com licença, princesa, trouxe sua comida!— Haigar, eu não estou com fome. Será que poderia me deixar sozinha? — O que eu realmente queria dizer era: "Será que pode deixar a comida aqui e sair?"— Tenho ordens de ficar aqui até você comer tudo. Seu irmão parecia bem chateado. Por acaso você brigou com ele?— Não quero falar sobre isso.—
Por Lorena— Minha mãe? — perguntei, confusa. Provavelmente, a imagem que vinha à mente dela era bem diferente da minha. A única mãe que conheço está na Terra, e só de pensar nela, eu sentia um aperto no coração. Poucos dias aqui, e a saudade já estava me consumindo.— Sim, a rainha Rainessya! Seu rosto, seu cabelo, a serenidade da sua pele... apenas seus olhos se parecem com os de seu pai.Era estranho ouvir falar de pais que eu não conhecia e ser reconhecida por pessoas que eu nunca tinha visto. Ela me olhou de cima a baixo antes de se aproximar e me entregar as roupas que trazia.— Acho melhor tomar um banho e se trocar, princesa!Realmente, eu precisava disso. Apesar de não sentir calor, meu corpo suava constantemente, embora eu me sentisse seca. Era estranho! Eu ainda usava meu velho jeans junto com a blusa do uniforme escolar. Meus tênis não estavam nos meus pés. Fiquei me perguntando onde os tinham colocado.— Poderia me dizer quem é você?— É mesmo! Desculpe a minha falta de e
Por LenissyaKeissy assentiu e me guiou pelos corredores do palácio, passando por amplos espaços, salas e portas. Eu já não conseguia me concentrar no ambiente; estava mais preocupada, pensando no que diria quando finalmente chegasse até onde ele estava.Descendo três andares de escadaria, avistei de relance uma imensa porta aberta. As pessoas atravessavam por ela, indo em direção a um grande salão mais adiante. De longe, vi alguns guardas na entrada do salão.Seguimos naquela direção, e foi então que percebi que meu suposto irmão provavelmente estava ali. Parei, tomada por uma forte vontade de recuar, mas Keissy pegou minha mão e, me puxando alguns passos à frente, disse em um tom suave e alegre:— Quer ver seu irmão ou não?Seu sorriso me deu confiança. Eu me sentia um pouco mais segura andando ao lado dela. Quando estávamos prestes a passar pela porta de entrada do salão, um dos guardas nos abordou:— Keissy! O rei está esperando por você?— Não, Brook, mas tenho certeza de que ele
Por LenissyaPensei em Haigar. Ele teve um filho, o que significava que sua aura deveria estar unida à de uma mulher. No entanto, sua aura era apenas azul-escuro.— Tem como não haver compatibilidade? O que acontece se as auras não se juntarem?— Em raros casos isso acontece, e não sabemos explicar o motivo. Quando ocorre, não podemos conceder a bênção, e o casal é obrigado a procurar outro parceiro. Sem a união das auras, eles se tornariam infelizes e incapazes de gerar filhos.— Mas, e no caso de Haigar?— O caso dele é diferente. Ele perdeu a esposa na guerra, e quando uma pessoa morre, sua energia se dissipa completamente, sem deixar rastros. A aura liberada desfaz a união, permitindo que, posteriormente, essa pessoa encontre um novo amor.Comecei a pensar se isso acontecia com os humanos com os quais cresci e nas diferentes situações que os casais viviam.— O que acontece em caso de traição?— Esse tipo de coisa não ocorre há muito tempo, até porque, se uma terceira aura for inser
Por LenissyaMuitas coisas seriam ditas. Aquele seria o momento de descobrir se toda a confusão que existia dentro da minha cabeça finalmente se dissiparia ou se eu ficaria ainda mais confusa.— Vejo que estás interessada nesses quadros. São os rostos de nossos antepassados.Comecei a olhar um por um detalhadamente. Eu procurava algo, mas não sabia exatamente o que, até que meus olhos se fixaram em um quadro com uma moldura dourada cravejada de pedras preciosas. Embora os outros quadros também tivessem molduras belas, aquele era diferente. Mostrava o rosto de uma mulher. Aproximei-me do quadro, estendi a mão como se pudesse tocar aquele rosto, como em meu sonho, e a chamei:— Mamãe!Alister arregalou os olhos, visivelmente surpreso com o que acabara de ouvir.— De fato, essa era Rainessya, nossa mãe! Mas como sabes disso?— Porque eu já a tinha visto antes. Sonhei com ela na noite passada. No início, não entendi bem, achei que fosse um sonho comum. Mas, vendo esse quadro, percebi que e
Relato de Alister“Embora a notícia de que Halis teria um novo membro real nos alegrasse profundamente, havia algo que preocupava a todos. Os zafisianos e os halisianos se enfrentavam frequentemente, e Rainessya, de vez em quando, precisava ajudar, mas devido à gestação, ela estava se enfraquecendo. Para não colocar sua vida e a de seu bebê em risco, ela permaneceu em repouso no palácio. Naquela época, comecei a treinar com mais afinco. Sempre sonhei em ser tão forte quanto nossa mãe, para poder proteger a todos.À medida que o tempo de gestação avançava, Rainessya ficava cada vez mais fraca. Algumas semanas antes de tu nasceres, os ataques e contra-ataques cessaram, e um novo período de trégua se iniciou. Nasceste durante a noite, uma noite mais escura do que as outras, mas ainda assim, um dia importante. Nosso pai estava ao lado dela, segurando sua mão, e Keissy auxiliava no parto. Eu também estava lá; queria presenciar o teu nascimento.Ficamos preocupados porque Rainessya estava f