Capítulo 04

Por Zuldrax

Para minha decepção, aquele velho voltou são e salvo. Mas como? Era para ele ter morrido! Ao seu lado, caída no chão, estava uma moça de longos cabelos pretos, formosa, de estatura média. Parecia ter desmaiado. Alister, ao vê-la, se emocionou e abaixou-se para tocar-lhe no ombro. Aposto que ele queria abraçá-la, mas, assim como eu, percebeu que havia algo de errado com ela.

Uma coisa diferenciava a nós, a realeza, das outras pessoas: a capacidade de ver a energia aura que rodeia cada ser. Lendas dizem que este mundo é que escolheu as pessoas que possuiriam tal habilidade, e a família escolhida reinaria e julgaria sobre as demais. Tal habilidade foi passada de geração em geração, não sendo constatada em ninguém mais além da família real.

Os halisianos possuem uma energia em um tom azulado, os zafisianos possuem uma aura de cor avermelhada, e os salisianos de coloração esverdeada, sendo que nas mulheres a tonalidade é mais clara que nos homens. Aquela garota, no entanto, não possuía a aura comum a um halisiano; mais do que isso, ela não tinha aura.

Segundos depois de Alister tocá-la, ela abriu os olhos, claramente confusa e com medo. Alister a olhou profundamente, virou-se para Hiratamino e disse:

— Tem certeza de que ela é a Lenissya?

As sobrancelhas de Hiratamino se elevaram como se não entendesse o questionamento e respondeu:

— Tenho sim, Majestade, essa dióxy me guiou até ela.

Alister nem quis pegar a dióxy para conferir. Interrompendo a fala de Hiratamino, disse, desapontado:

— Não vejo a aura dela! A dióxy nos mostrou uma coisa, mas o que vejo é outra. Onde está Lenissya? Talvez isso tudo não tenha passado de uma ilusão!

A garota ao lado parecia tentar identificar o ambiente e as pessoas ao seu redor. Estava apavorada! Logo empalideceu e voltou a encostar seu rosto no chão.

Alister parecia não se importar mais tanto com ela agora. Ele a considerava uma estranha. Olhou para Hiratamino, esperando que ele dissesse algo útil. Hiratamino deu-lhe outra explicação:

— Alister, eu sei que podes ver nela a semelhança com tua mãe. A cor dos cabelos, os traços de seu rosto. Vi isso desde o momento em que cheguei naquele mundo. Havia muitas almas próximas de onde ela estava e, para não atrair atenção caso ela se assustasse, usei uma magia de ocultação. Quando comecei a abrir o portal, percebi que talvez minha energia não fosse suficiente para levar duas pessoas. Concentrei-me na missão, eu não podia falhar de novo. Misteriosamente, essa dióxy me conectou à princesa e pude sentir a energia mágica emanando dela para mim. Majestade, eu utilizei da energia halisiana de Lenissya para abrir o portal e, por isso, estou vivo. De outra forma, como sabes, eu não teria retornado a salvo. Sei que ela é tua irmã!

A magia de ocultação pode ser usada de inúmeras formas. A mais comum é a ocultação de presença, que bloqueia o som e a percepção das pessoas em que é conjurada, tornando-as indetectáveis. No entanto, para nós, zafisianos, é muito fácil detectar a aura de uma pessoa. Nossos sentidos são extremamente apurados, então, numa guerra, esse feitiço é praticamente inútil... na minha opinião.

Olhei para Alister, que embora estivesse impressionado por Hiratamino ter voltado vivo, ainda parecia duvidar. Foi então que ele removeu a bolsa nas costas da garota, e, assim que a atirou de lado, a garota reagiu. Dizendo palavras que ninguém compreendeu, tentou se levantar mas não teve forças para ficar de pé. À medida que Alister se aproximava dela, ela se arrastava para trás, completamente desesperada.

Estendendo sua energia mágica em forma de fio, Alister amarrou as mãos da garota, que fechou os olhos como se fosse desmaiar. Sua respiração estava acelerada, suas mãos trêmulas, e sua mandíbula tensionada, como se estivesse se esforçando para não surtar. Aquela situação era demais para ela suportar. Alister se manteve frio e distante enquanto a pegava nos braços. Ele a deitou sobre o banco, e ela tornou a abrir os olhos, que se encontraram com os de seu irmão. Não havia qualquer emoção positiva entre os dois. Olhando para Hiratamino, Alister disse:

— Se isso é verdade, onde está a energia de Lenissya? Onde está aquela energia tão pura que senti no momento em que a vi nascer, tão pequena e frágil? Onde está sua aura real halisiana?

— Deve estar oculta, selada por algum motivo.

— Sabes desfazer isso?

— Não tenho certeza. Se eu soubesse a fonte desse bloqueio, talvez pudesse...

Novamente Alister o interrompeu. Estava muito irritado, pois queria sua irmã de volta e não via isso na moça trazida. Por tanto tempo acreditara que Lenissya tinha morrido e, de repente, percebeu que a esperança que teve não tinha passado de um sonho.

— Faça! – ordenou Alister, com autoridade.

— Alister, tens ideia do que estás me pedindo? Isso pode ser perigoso para ela.

— Não seria para um halisiano. Sua fragilidade significa ausência de poder, ausência do sangue real. Apenas faça!

O próprio Alister poderia fazer, mas Hiratamino tinha mais experiência e conhecimento. Poderia investigar esse possível selo, mas a impaciência de Alister o estava levando a um caminho mais obscuro.

Imediatamente, Hiratamino esticou seu braço direito, fechou o punho e concentrou uma grande quantidade de energia. Começou a invocar uma magia de expulsão. Eu não sabia bem como funcionava, apenas ouvira falar. O que eu sabia era que a energia do conjurador passava pela pessoa, fazendo com que qualquer coisa oculta em seu interior se manifestasse.

Esse feitiço era usado na guerra para forçar um inimigo a revelar segredos. Talvez não fosse o mais adequado para o caso. Assim que Hiratamino abriu o punho, o feitiço atingiu Lenissya, fazendo-a estremecer. Fora a reação física negativa, nada mais aconteceu. Alister logo ordenou:

— De novo, só que mais forte!

O que deu nele? Já não tinha funcionado, por que tentar novamente? Hiratamino pareceu relutante, mas obedeceu. Cerrou os punhos e abriu-os novamente, liberando o feitiço com mais intensidade. Lenissya estava trêmula, mas depois dessa segunda tentativa, suas reações se tornaram bem evidentes. Ela começou a gritar desesperadamente, sentindo muita dor. Mexia seus braços e pernas, tentando se libertar, quem sabe fugir daquele lugar de malucos. Mesmo odiando-os, eu não conseguia aceitar que ele fosse capaz de fazer aquilo com a própria irmã. Logo, Alister exclamou:

— Tente outra coisa agora!

Após alguns segundos pensando, Hiratamino convocou um feitiço de remoção. Era uma magia que liberava energias ocultas e era usada para abrir selos de aprisionamento interno. Embora parecesse mais lógico para a situação, não estava funcionando, além de ter um ponto negativo: ele drenava a energia aura da pessoa. A princesa foi ficando cada vez mais fraca e desmaiou.

O rosto triste de Alister deveria me deixar contente, no entanto, toda aquela situação me deixara inquieto. A forma como ele procedera me fez vê-lo de forma mais hostil. Ele olhou novamente para a moça e pediu que alguém ficasse para vigiá-la. Quase que por impulso, usei a dióxy de comunicação e pedi para Haigar se manifestar. Ele me obedeceu. Hiratamino perguntou a Alister o que ele pretendia fazer. Com um olhar cansado e a testa franzida, ele respondeu:

— No momento, ela ficará aqui em segredo. Haigar ficará responsável por lhe trazer comida e bebida, e sempre que ela acordar me informará. Procurarei uma maneira de revelar a halisiana que possa existir nela. Hiratamino, você vem comigo.

Alister saiu daquele cômodo, seguido de Hiratamino e Ikzar. Haigar permaneceu lá, e por alguns minutos fiquei olhando para aquela frágil e bela mulher, deitada em silêncio. Seu rosto estava sereno e uma mecha de cabelo caía sobre sua face angelical. Por algum motivo, olhá-la não me enfurecia como acontecia quando eu olhava um halisiano.

Ela crescera em outro mundo, não conhecia nossa cultura, nossas intrigas, nossa história e nem a nossa língua. Talvez Alister tenha sido egoísta em trazê-la para cá, pois lá ela tinha coisas que formavam sua identidade e a faziam ser quem era. Talvez tivesse uma família, amigos e uma vida tranquila. Mas isso já não importava mais. Ela estava aqui e, sendo da família real, deveria morrer.

Eu já tinha elaborado vários planos sobre como fazer isso nos últimos meses. Queria vê-la morrer pela minha espada, observar seu desespero enquanto sua energia vital a deixava.

Neste mundo, quando uma pessoa morre, a energia da natureza a encobre e sepulta. Toda a energia presente no corpo, e até mesmo o próprio corpo, é desintegrado, e em poucas horas não resta mais nada, nem qualquer rastro de que aquela pessoa um dia existiu.

Minha ideia inicial era utilizar a dióxy reversa para mascarar minha energia aura, invadir o reino de Halis, sequestrá-la e deixar Alister em completo desespero, para só então matá-la. Era um plano arriscado; se minha energia no estado reverso fosse reconhecida uma única vez, eu não poderia voltar a fazer isso, pois seria morte certa.

Uma coisa me incomodava nesse plano. E se ela não fosse a princesa Lenissya? Minhas mãos se manchariam com sangue inocente, e isso era algo que eu não queria. Precisava ter certeza de que ela era quem pensávamos ser.

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