Por Zuldrax
Para minha decepção, aquele velho voltou são e salvo. Mas como? Era para ele ter morrido! Ao seu lado, caída no chão, estava uma moça de longos cabelos pretos, formosa, de estatura média. Parecia ter desmaiado. Alister, ao vê-la, se emocionou e abaixou-se para tocar-lhe no ombro. Aposto que ele queria abraçá-la, mas, assim como eu, percebeu que havia algo de errado com ela.
Uma coisa diferenciava a nós, a realeza, das outras pessoas: a capacidade de ver a energia aura que rodeia cada ser. Lendas dizem que este mundo é que escolheu as pessoas que possuiriam tal habilidade, e a família escolhida reinaria e julgaria sobre as demais. Tal habilidade foi passada de geração em geração, não sendo constatada em ninguém mais além da família real.
Os halisianos possuem uma energia em um tom azulado, os zafisianos possuem uma aura de cor avermelhada, e os salisianos de coloração esverdeada, sendo que nas mulheres a tonalidade é mais clara que nos homens. Aquela garota, no entanto, não possuía a aura comum a um halisiano; mais do que isso, ela não tinha aura.
Segundos depois de Alister tocá-la, ela abriu os olhos, claramente confusa e com medo. Alister a olhou profundamente, virou-se para Hiratamino e disse:
— Tem certeza de que ela é a Lenissya?
As sobrancelhas de Hiratamino se elevaram como se não entendesse o questionamento e respondeu:
— Tenho sim, Majestade, essa dióxy me guiou até ela.
Alister nem quis pegar a dióxy para conferir. Interrompendo a fala de Hiratamino, disse, desapontado:
— Não vejo a aura dela! A dióxy nos mostrou uma coisa, mas o que vejo é outra. Onde está Lenissya? Talvez isso tudo não tenha passado de uma ilusão!
A garota ao lado parecia tentar identificar o ambiente e as pessoas ao seu redor. Estava apavorada! Logo empalideceu e voltou a encostar seu rosto no chão.
Alister parecia não se importar mais tanto com ela agora. Ele a considerava uma estranha. Olhou para Hiratamino, esperando que ele dissesse algo útil. Hiratamino deu-lhe outra explicação:
— Alister, eu sei que podes ver nela a semelhança com tua mãe. A cor dos cabelos, os traços de seu rosto. Vi isso desde o momento em que cheguei naquele mundo. Havia muitas almas próximas de onde ela estava e, para não atrair atenção caso ela se assustasse, usei uma magia de ocultação. Quando comecei a abrir o portal, percebi que talvez minha energia não fosse suficiente para levar duas pessoas. Concentrei-me na missão, eu não podia falhar de novo. Misteriosamente, essa dióxy me conectou à princesa e pude sentir a energia mágica emanando dela para mim. Majestade, eu utilizei da energia halisiana de Lenissya para abrir o portal e, por isso, estou vivo. De outra forma, como sabes, eu não teria retornado a salvo. Sei que ela é tua irmã!
A magia de ocultação pode ser usada de inúmeras formas. A mais comum é a ocultação de presença, que bloqueia o som e a percepção das pessoas em que é conjurada, tornando-as indetectáveis. No entanto, para nós, zafisianos, é muito fácil detectar a aura de uma pessoa. Nossos sentidos são extremamente apurados, então, numa guerra, esse feitiço é praticamente inútil... na minha opinião.
Olhei para Alister, que embora estivesse impressionado por Hiratamino ter voltado vivo, ainda parecia duvidar. Foi então que ele removeu a bolsa nas costas da garota, e, assim que a atirou de lado, a garota reagiu. Dizendo palavras que ninguém compreendeu, tentou se levantar mas não teve forças para ficar de pé. À medida que Alister se aproximava dela, ela se arrastava para trás, completamente desesperada.
Estendendo sua energia mágica em forma de fio, Alister amarrou as mãos da garota, que fechou os olhos como se fosse desmaiar. Sua respiração estava acelerada, suas mãos trêmulas, e sua mandíbula tensionada, como se estivesse se esforçando para não surtar. Aquela situação era demais para ela suportar. Alister se manteve frio e distante enquanto a pegava nos braços. Ele a deitou sobre o banco, e ela tornou a abrir os olhos, que se encontraram com os de seu irmão. Não havia qualquer emoção positiva entre os dois. Olhando para Hiratamino, Alister disse:
— Se isso é verdade, onde está a energia de Lenissya? Onde está aquela energia tão pura que senti no momento em que a vi nascer, tão pequena e frágil? Onde está sua aura real halisiana?
— Deve estar oculta, selada por algum motivo.
— Sabes desfazer isso?
— Não tenho certeza. Se eu soubesse a fonte desse bloqueio, talvez pudesse...
Novamente Alister o interrompeu. Estava muito irritado, pois queria sua irmã de volta e não via isso na moça trazida. Por tanto tempo acreditara que Lenissya tinha morrido e, de repente, percebeu que a esperança que teve não tinha passado de um sonho.
— Faça! – ordenou Alister, com autoridade.
— Alister, tens ideia do que estás me pedindo? Isso pode ser perigoso para ela.
— Não seria para um halisiano. Sua fragilidade significa ausência de poder, ausência do sangue real. Apenas faça!
O próprio Alister poderia fazer, mas Hiratamino tinha mais experiência e conhecimento. Poderia investigar esse possível selo, mas a impaciência de Alister o estava levando a um caminho mais obscuro.
Imediatamente, Hiratamino esticou seu braço direito, fechou o punho e concentrou uma grande quantidade de energia. Começou a invocar uma magia de expulsão. Eu não sabia bem como funcionava, apenas ouvira falar. O que eu sabia era que a energia do conjurador passava pela pessoa, fazendo com que qualquer coisa oculta em seu interior se manifestasse.
Esse feitiço era usado na guerra para forçar um inimigo a revelar segredos. Talvez não fosse o mais adequado para o caso. Assim que Hiratamino abriu o punho, o feitiço atingiu Lenissya, fazendo-a estremecer. Fora a reação física negativa, nada mais aconteceu. Alister logo ordenou:
— De novo, só que mais forte!
O que deu nele? Já não tinha funcionado, por que tentar novamente? Hiratamino pareceu relutante, mas obedeceu. Cerrou os punhos e abriu-os novamente, liberando o feitiço com mais intensidade. Lenissya estava trêmula, mas depois dessa segunda tentativa, suas reações se tornaram bem evidentes. Ela começou a gritar desesperadamente, sentindo muita dor. Mexia seus braços e pernas, tentando se libertar, quem sabe fugir daquele lugar de malucos. Mesmo odiando-os, eu não conseguia aceitar que ele fosse capaz de fazer aquilo com a própria irmã. Logo, Alister exclamou:
— Tente outra coisa agora!
Após alguns segundos pensando, Hiratamino convocou um feitiço de remoção. Era uma magia que liberava energias ocultas e era usada para abrir selos de aprisionamento interno. Embora parecesse mais lógico para a situação, não estava funcionando, além de ter um ponto negativo: ele drenava a energia aura da pessoa. A princesa foi ficando cada vez mais fraca e desmaiou.
O rosto triste de Alister deveria me deixar contente, no entanto, toda aquela situação me deixara inquieto. A forma como ele procedera me fez vê-lo de forma mais hostil. Ele olhou novamente para a moça e pediu que alguém ficasse para vigiá-la. Quase que por impulso, usei a dióxy de comunicação e pedi para Haigar se manifestar. Ele me obedeceu. Hiratamino perguntou a Alister o que ele pretendia fazer. Com um olhar cansado e a testa franzida, ele respondeu:
— No momento, ela ficará aqui em segredo. Haigar ficará responsável por lhe trazer comida e bebida, e sempre que ela acordar me informará. Procurarei uma maneira de revelar a halisiana que possa existir nela. Hiratamino, você vem comigo.
Alister saiu daquele cômodo, seguido de Hiratamino e Ikzar. Haigar permaneceu lá, e por alguns minutos fiquei olhando para aquela frágil e bela mulher, deitada em silêncio. Seu rosto estava sereno e uma mecha de cabelo caía sobre sua face angelical. Por algum motivo, olhá-la não me enfurecia como acontecia quando eu olhava um halisiano.
Ela crescera em outro mundo, não conhecia nossa cultura, nossas intrigas, nossa história e nem a nossa língua. Talvez Alister tenha sido egoísta em trazê-la para cá, pois lá ela tinha coisas que formavam sua identidade e a faziam ser quem era. Talvez tivesse uma família, amigos e uma vida tranquila. Mas isso já não importava mais. Ela estava aqui e, sendo da família real, deveria morrer.
Eu já tinha elaborado vários planos sobre como fazer isso nos últimos meses. Queria vê-la morrer pela minha espada, observar seu desespero enquanto sua energia vital a deixava.
Neste mundo, quando uma pessoa morre, a energia da natureza a encobre e sepulta. Toda a energia presente no corpo, e até mesmo o próprio corpo, é desintegrado, e em poucas horas não resta mais nada, nem qualquer rastro de que aquela pessoa um dia existiu.
Minha ideia inicial era utilizar a dióxy reversa para mascarar minha energia aura, invadir o reino de Halis, sequestrá-la e deixar Alister em completo desespero, para só então matá-la. Era um plano arriscado; se minha energia no estado reverso fosse reconhecida uma única vez, eu não poderia voltar a fazer isso, pois seria morte certa.
Uma coisa me incomodava nesse plano. E se ela não fosse a princesa Lenissya? Minhas mãos se manchariam com sangue inocente, e isso era algo que eu não queria. Precisava ter certeza de que ela era quem pensávamos ser.
Por LorenaNos dias que se seguiram, Alister não ousou colocá-la em maiores riscos. Ele a manteve presa naquele lugar e não a submeteu a outros tipos de magia. Talvez estivesse arrependido do que fizera no primeiro dia. Talvez seu amor fraterno estivesse falando mais alto. Mesmo assim, as condições em que ela se encontrava não eram as melhores. Permanecia trancada e vigiada naquele quarto escuro. Ela não dizia nada e frequentemente chorava em silêncio.Alister algumas vezes tentou falar com ela, mas eles não se entendiam. Ela olhava confusa para ele e depois escondia seu rosto nas capas. Logo Alister percebeu a necessidade de um feitiço que permitisse se comunicarem.Os halisianos também eram uns trapaceiros, pois criaram um feitiço para ensinar a fala e a escrita para as crianças de forma imediata. Nem sempre usavam esse feitiço, pois as crianças que recebiam esse conhecimento implantado não desenvolviam muito bem o intelecto e a capacidade de raciocínio. No entanto, ela já não era m
Por LorenaDesde que eu chegara, só uma coisa passava pela minha cabeça: eu tinha que voltar para casa! Mesmo não estando mais amarrada, era muito desconfortável ficar presa naquele quarto com um estranho me vigiando quase o tempo inteiro.Às vezes, aquele chefe malvado vinha ver como eu estava, mas por quê? Eu não sabia o que tinha feito de errado para estar ali, não sabia o que queriam comigo, e, quando não era o medo e a dúvida que me dominavam, era a saudade.Eu ficava me lembrando dos meus pais, do último passeio que fizemos nas férias até Fernando de Noronha, e de como minha mãe tinha ficado apavorada quando eu disse que queria mergulhar com os tubarões. Ela era muito protetora. Meu pai já era mais tranquilo, gostava de se reunir com os amigos para conversar, comer churrasco e beber cerveja. Se dependesse dele, o ano inteiro seria festa.Também ficava pensando nos meus amigos. Será que a Beatriz tinha se saído bem na prova? Uma angústia muito grande tomava conta de mim, me fazend
Por LorenaAlister me observou por mais alguns segundos antes de sair. Logo em seguida, o homem que me vigiava entrou no quarto.Será que eu realmente estava em outro reino? Se fosse esse o caso, estaria em um país ainda governado por um rei, mas... onde isso poderia ser? Europa, talvez? Ou, quem sabe, eu nem estivesse mais na Terra. A maneira como cheguei aqui e o fato de ter começado a falar outra língua... Seria realmente magia?Uma curiosidade imensa começou a tomar conta de mim. Agora que eu podia falar a língua deles, quem sabe eu conseguisse alguma informação valiosa daquele guarda:— Olá!Tentei fazer o cumprimento no tom mais amigável possível e, embora no dia a dia eu fosse meio tímida, eu precisava desvendar tudo aquilo. Era uma necessidade! Ele permaneceu em silêncio. Em algum momento, ele teria que falar alguma coisa, então apelei:— Você é sempre assim tão calado? Qual o seu nome?— Haigar, e gosto de falar apenas quando necessário.— E você não acha necessário conversar
Por LorenaSozinha naquele imenso quarto, enquanto as lágrimas escorriam, percebi que não adiantava ficar remoendo tudo aquilo. Precisava esfriar a cabeça e encontrar outra solução, pois chorar e discutir com ele não me levaria a lugar algum. Respirei fundo, tentando me acalmar e organizar meus pensamentos.Fiquei deitada, olhando para o teto por um bom tempo, até que Haigar entrou. A aura dele era de um azul escuro também, mas diferente da de Alister. Possuía variações no valor e na saturação, era um pouco mais translúcida, menos intensa e se movia de formas diferentes. Ele trazia consigo uma bandeja com comida e bebida. Ótimo... eu estava faminta!— Com licença, princesa, trouxe sua comida!— Haigar, eu não estou com fome. Será que poderia me deixar sozinha? — O que eu realmente queria dizer era: "Será que pode deixar a comida aqui e sair?"— Tenho ordens de ficar aqui até você comer tudo. Seu irmão parecia bem chateado. Por acaso você brigou com ele?— Não quero falar sobre isso.—
Por Lorena— Minha mãe? — perguntei, confusa. Provavelmente, a imagem que vinha à mente dela era bem diferente da minha. A única mãe que conheço está na Terra, e só de pensar nela, eu sentia um aperto no coração. Poucos dias aqui, e a saudade já estava me consumindo.— Sim, a rainha Rainessya! Seu rosto, seu cabelo, a serenidade da sua pele... apenas seus olhos se parecem com os de seu pai.Era estranho ouvir falar de pais que eu não conhecia e ser reconhecida por pessoas que eu nunca tinha visto. Ela me olhou de cima a baixo antes de se aproximar e me entregar as roupas que trazia.— Acho melhor tomar um banho e se trocar, princesa!Realmente, eu precisava disso. Apesar de não sentir calor, meu corpo suava constantemente, embora eu me sentisse seca. Era estranho! Eu ainda usava meu velho jeans junto com a blusa do uniforme escolar. Meus tênis não estavam nos meus pés. Fiquei me perguntando onde os tinham colocado.— Poderia me dizer quem é você?— É mesmo! Desculpe a minha falta de e
Por LenissyaKeissy assentiu e me guiou pelos corredores do palácio, passando por amplos espaços, salas e portas. Eu já não conseguia me concentrar no ambiente; estava mais preocupada, pensando no que diria quando finalmente chegasse até onde ele estava.Descendo três andares de escadaria, avistei de relance uma imensa porta aberta. As pessoas atravessavam por ela, indo em direção a um grande salão mais adiante. De longe, vi alguns guardas na entrada do salão.Seguimos naquela direção, e foi então que percebi que meu suposto irmão provavelmente estava ali. Parei, tomada por uma forte vontade de recuar, mas Keissy pegou minha mão e, me puxando alguns passos à frente, disse em um tom suave e alegre:— Quer ver seu irmão ou não?Seu sorriso me deu confiança. Eu me sentia um pouco mais segura andando ao lado dela. Quando estávamos prestes a passar pela porta de entrada do salão, um dos guardas nos abordou:— Keissy! O rei está esperando por você?— Não, Brook, mas tenho certeza de que ele
Por LenissyaPensei em Haigar. Ele teve um filho, o que significava que sua aura deveria estar unida à de uma mulher. No entanto, sua aura era apenas azul-escuro.— Tem como não haver compatibilidade? O que acontece se as auras não se juntarem?— Em raros casos isso acontece, e não sabemos explicar o motivo. Quando ocorre, não podemos conceder a bênção, e o casal é obrigado a procurar outro parceiro. Sem a união das auras, eles se tornariam infelizes e incapazes de gerar filhos.— Mas, e no caso de Haigar?— O caso dele é diferente. Ele perdeu a esposa na guerra, e quando uma pessoa morre, sua energia se dissipa completamente, sem deixar rastros. A aura liberada desfaz a união, permitindo que, posteriormente, essa pessoa encontre um novo amor.Comecei a pensar se isso acontecia com os humanos com os quais cresci e nas diferentes situações que os casais viviam.— O que acontece em caso de traição?— Esse tipo de coisa não ocorre há muito tempo, até porque, se uma terceira aura for inser
Por LenissyaMuitas coisas seriam ditas. Aquele seria o momento de descobrir se toda a confusão que existia dentro da minha cabeça finalmente se dissiparia ou se eu ficaria ainda mais confusa.— Vejo que estás interessada nesses quadros. São os rostos de nossos antepassados.Comecei a olhar um por um detalhadamente. Eu procurava algo, mas não sabia exatamente o que, até que meus olhos se fixaram em um quadro com uma moldura dourada cravejada de pedras preciosas. Embora os outros quadros também tivessem molduras belas, aquele era diferente. Mostrava o rosto de uma mulher. Aproximei-me do quadro, estendi a mão como se pudesse tocar aquele rosto, como em meu sonho, e a chamei:— Mamãe!Alister arregalou os olhos, visivelmente surpreso com o que acabara de ouvir.— De fato, essa era Rainessya, nossa mãe! Mas como sabes disso?— Porque eu já a tinha visto antes. Sonhei com ela na noite passada. No início, não entendi bem, achei que fosse um sonho comum. Mas, vendo esse quadro, percebi que e