Capitulo 2

— Eu... não posso ficar... tem que haver alguma maneira de ir — disse se virando enquanto ajeitava o vestido embaixo do grande sobretudo preto.

— Eu sinceramente não acho que dê para você ir para casa... Você mora em Chinatown. Não é exatamente longe daqui, mas nesta tempestade é impossível chegar lá.

Parando na porta, Carter deu um grande suspiro derrotado. Foi para a janela e ficou por um bom tempo olhando para baixo do prédio, talvez tentando achar alguma brecha para sair. Depois de mais outro suspiro, virou a sua atenção para mim.

— Você tem uma bela janela aqui — elogiou. Seus ombros caídos e a voz denunciavam a sua entrega. — E imagino que a vista seja muito bonita sem toda a maldita neve — resmungou, chateada com a tempestade.

— Sinto muito que você esteja presa aqui, Caterine. Você pode ficar, é muito bem-vinda. Acredito que amanhã estará tudo solucionado. — Tentei amenizar a importância do noticiário que informava justamente o contrário.

— Você ouviu o que os noticiários disseram? A porra do final de semana inteiro — exclamou, caminhando de um lado para o outro.

— Eu tenho certeza de que é um exagero da parte deles, daqui a pouco ouviremos alguém falar que é o juízo final ou algo assim. Não se preocupe. Você pode ficar. — Tentei acalmá-la ao mesmo tempo em que me perguntava: Quem irá me acalmar? Eu não tinha visitas constantes na minha casa. Talvez meus pais uma vez por ano, as mulheres ficavam por uma noite e depois partiam. Eu prezava pela minha individualidade, gostava da minha solidão. — É sério, Caterine, você pode ficar. Sem problemas — reafirmei meu convite, tentando convencer mais a mim do que a ela.

Carter assentiu, visivelmente chateada. Andou até o sofá e pegou sua pequena bolsa, remexeu um pouco e tirou seu telefone de dentro dela. Um suspiro derrotado saiu dela quando olhava para a tela. Com uma breve balançada de cabeça, tirou a atenção do aparelho e olhou para mim.

— Posso fazer uma ligação? — Perguntou. — Meu telefone morreu.

— Claro. — Enquanto ainda temos linha, pensei. Apontei o telefone para ela. — Estarei...

— Você pode ficar, vou apenas avisar meu pai que não estarei em casa. — Levantei uma sobrancelha para ela tentando entender... Ela tem quantos anos mesmo? Parecendo compreender meus questionamentos, ela revirou os olhos para mim. — É sábado, meu pai sempre liga para mim aos sábados. Se eu não atender, vai ficar preocupado.

Assenti rapidamente concordando com o que ela dizia e um pouco envergonhado por julgá-la novamente. Eu não era assim normalmente.

­— Oi, Jer. — Sorriu ao cumprimentar a pessoa que atendeu. — Eu sabia que você atenderia o telefone... Não, não sei se irei a Jérsei na próxima semana — suspirou cansada, como se aquele assunto fosse recorrente. — Você sempre pergunta, eu não sei... sim... ahã... eu sei, Jeremy. É claro que eu pretendo ir para o Natal, Jer, eu só não sei se poderei. — Ela riu de algo que ele disse. — Vamos, garoto! Deixa eu falar com o meu pai... Eu também, beijos.

Ela esperou um tempo, muda, até que finalmente soltou:

— Oi, papai. — Cumprimentou com um sorriso largo. Era bonito seu sorriso, branco e parelho. E seus olhos pareciam um pouco melancólicos quando ela ouviu a voz do pai. — Sim, estou ligando antes porque não estou em casa... Yeah! Sim, isso mesmo. O senhor viu no noticiário, é... acho que só nós não vimos. — Ela olhou para mim e deu um sorriso safado me fazendo desviar o olhar. Engoli em seco. — Sim, é nós... Estou na casa de um ã... amigo. — Ela revirou os olhos. — Não disse que estou namorando porque não estou, pai, é um amigo.

O pai dela acha que sou seu namorado?

É claro que não somos namorados! Puf!

— Eu ligo assim que estiver em casa. Sim, terei cuidado. Amo você também. — Ela desligou e não tocou no assunto, apenas sentou no sofá tirando os sapatos e colocando os pés para cima.

Geralmente ficaria incomodado em ver uma pessoa se fazer tão à vontade em minha casa, antes de eu mesmo lhe dizer para relaxar, mas as circunstâncias eram diferentes e Caterine parecia realmente precisar ficar mais relaxada.

— Bem... — Iniciei, sentando ao seu lado no sofá. — Se vamos ficar por aqui, e eu basicamente não me lembro da noite passada... — Seus olhos me enfrentaram e seu cenho parecia franzido, como se estivesse achando engraçada a minha declaração. — O que você acha de nos apresentarmos novamente?

Estiquei minha mão para apertar a dela e com um sorriso tentei quebrar o gelo.

— Sou Alexander Hartnett — informei e aguardei que ela fizesse o mesmo.

Sua delicada mão encaixou na minha. Uma sensação diferente se instalou em meu peito me fazendo engolir quase que ruidosamente.

— Prazer, Alexander, sou Caterine Flynn, mas pode me chamar de Carter. — Um riso escapou quando ela se apresentou para mim.

— Então, Carter... Você pode tirar o seu vestido. — Ela me olhou levantando a sobrancelha e eu me dei conta do que falei. — Digo, sem nenhum cunho sexual... — Porra! Que mancada! — Digo, para você relaxar. O vestido é todo apertado em seu corpo e posso colocar ele para lavar já que está fedendo e tudo... — Desta vez suas duas sobrancelhas levantaram com a minha declaração. — Puta merda! Me desculpe! Eu só quero...

Cristo, a minha diarreia verbal não tem fim ao lado dessa mulher?

Caterine riu de forma divertida e se levantou.

— Eu entendi, Alex, você é engraçado na mesma proporção em que é bonito. Eu gosto — declarou, me fazendo ficar sem reação diante de suas palavras. Eu nunca tinha conhecido uma mulher tão, eu não sei... Peculiar?

Caterine era uma mulher estranha. E eu costumava repelir o estranho.

Costumava.

**

Veja bem, quando meu irmão e, bem, toda a minha família, me chamava de antissocial, era meio que verdade. Sempre gostei da minha individualidade e de ter controle sobre as coisas.

Quando comprei esse apartamento, eu queria ser solteiro. Pretendia não sair desse status de relacionamento, tipo, nunca. Quartos extras abrem precedentes para hóspedes, por isso transformei meu quarto extra em um escritório. Eu não gostava de hóspedes, quando meus pais me visitavam, cedia meu quarto para eles e dormia no sofá, isso quando não os induzia a ficar em um hotel. Quando estava namorando e queria ficar mais tempo com minha namorada, geralmente ia para a casa dela. E então, eu tinha uma nova hóspede. Uma pessoa que mal conhecia e que sabe lá quando iria embora. Claro que ela também não devia estar confortável com toda a situação, mas fiquei imaginando como seria a dinâmica. Onde ela dormiria, sobre o que conversaríamos... Seria tudo muito estranho.

Carter demorou um tempo para voltar do banheiro. Ouvi o chuveiro ligado novamente, imaginei que ela estivesse tomando outro banho.

— Tive que tomar outro banho, minhas roupas estavam realmente fedidas — justificou assim que entrou na sala usando a minha camiseta. Procurei não olhar para o seu corpo vestido em minha roupa. Procurei não pensar como um homem, ou um adolescente. Mas sabe quando a gente faz exatamente o que não quer fazer? Meus olhos criaram vida própria e deslizaram pelo corpo dela novamente. Quando voltei a olhar para seu rosto, ela ria de mim. — Posso usar a sua lavanderia? Preciso tirar o cheiro impregnado de cigarro das roupas. — Seu nariz enrugou

— Pensei que fumasse. — Por que eu disse aquilo? Nenhuma ideia.

— Nem sempre quando cheiramos a cigarro significa que somos recipientes em potencial de algum câncer maligno, e você também fedia ontem à noite. Você pode não lembrar, mas estávamos no mesmo lugar.

Eu tive que rir. Ela era sagaz, tinha um humor sarcástico, articulada também. Gosto dela! Pensei.

Levei Carter até a lavanderia e voltei para o quarto com a intenção de recolher os lençóis da minha cama e mais tarde colocar novos.

Enquanto saía do quarto, pensei em novamente no que faria quando chegasse a hora de dormir.

Droga, Alexander. São dez da manhã! Relaxe! — resmunguei para mim, tentando manter a calma. Era ridícula a forma como eu estava reagindo sobre algo que eu não tinha o controle.

Mas era exatamente aquele o problema. Exatamente.

Eu não tinha controle. Não tive controle na noite anterior quando comecei a dançar com ela, não tive controle sobre a quantidade de álcool que ingeri, não me controlei ao ficar com uma desconhecida e trazê-la para a minha casa, não tive controle sobre as minhas memórias e definitivamente não podia controlar o tempo.

Realmente um prato cheio para uma pessoa como eu.

No momento em que passei pela porta, quase tive um ataque cardíaco.

Santo Cristo!

Caterine estava de costas para mim, curvada, tirando calcinha e colocando dentro da máquina de lavar. Senti meu corpo todo esquentar com a visão de parte de sua bunda enquanto ela se abaixava. Quando ficou ereta novamente a camisa voltou a lhe cobrir tudo, ou quase, só então ela percebeu minha presença.

— Hey! Mais roupas? — indagou, sorrindo levemente.

Não respondi, apenas estiquei os lençóis emaranhados para ela tentando evitar qualquer tipo de constrangimento maior.

Constrangimento da minha parte, é claro.

Então eu tinha mais um item para colocar na lista de coisas das quais Alexander Hartnett não tinha controle.

Meu pau.

— Está feliz em me ver, Alex? — Carter perguntou olhando para a minha ereção e sorrindo.

Ok. Isso não evitou qualquer tipo de constrangimento. Principalmente o constrangimento de ser um homem de trinta e poucos anos e não conseguir agir naturalmente na frente de uma mulher como ela. Caterine tinha aquela vibe selvagem, de dizer o que pensava independente da reação que causaria nas pessoas. Isso me deixava desconfortável.

O rubor pré-adolescente aumentou em meu rosto me deixando com raiva de mim, mas como um adulto civilizado, virei minhas costas e saí o mais rápido que pude da apertada lavanderia.

Qual era o problema dela? Pessoas civilizadas não ficavam dando ênfase para certas atitudes e reações dos outros.

Como uma ereção, ou quando pegamos uma pessoa com o dedo no nariz, ou até coçando as bolas. Ela podia ao menos ter me preservado. Em nome de uma boa convivência de quase vinte e quatro horas que tínhamos.

Me tranquei no meu escritório tentando esquecer os fatos, peguei algumas cópias de processos antigos e comecei a analisá-los apenas para passar o tempo, apenas para tentar amenizar o constrangimento de ficar de pau duro na frente de uma desconhecida que eu tinha fodido durante a noite e sequer me lembrava do entretenimento.

Porra! Que merda!

Eu queria lembrar!

Voltei a minha atenção para os processos, perdi dois nos últimos cinco anos, homicídios, ambos foram casos onde eu não pude colocar os desgraçados atrás das grades, a revolta deveria diminuir com o passar do tempo, mas isso não mudava o sentimento de impotência em mim.

Percebendo que o caso me deixaria ainda mais tenso, os deixei de lado e acessei a internet, enquanto a tempestade lá fora ainda me permitia. Quando dei por mim, tinha digitado o nome da minha hóspede no motor de pesquisa. Existiam poucas Caterines Flynn, ao menos com aquela grafia. Consegui encontrá-la, mas apenas por uma página no F******k e para acessá-la eu teria que me cadastrar.

Eu não tinha F******k ou Twitter... Insta-alguma coisa para adicioná-la. Era um adulto ocupado que não perdia tempo com essas porcarias cibernéticas.

De repente, me senti um adulto ocupado que não tinha tempo para porcarias cibernéticas e arrependido por não ter essas porcarias cibernéticas. Que porra estava acontecendo?

Bem, é claro que você está curioso sobre ela. Afinal de contas, vocês ficarão trancados em seu apartamento sabe-se lá por quantos dias... Precisa saber quem ela é.

Minha mente conversou comigo enquanto eu olhava fixamente para o monitor.

Nã, é outra coisa e você sabe!

Disse a mim, mas estranhamente o pensamento era narrado pela voz irritante e debochada do meu irmão. Desliguei o computador com um bufo e virei a minha cadeira em direção à janela atrás de mim. A neve caía sem parar.

Caramba! Ainda bem que estava de férias.

Será que Melissa está bem?

Levantando rapidamente, caminhei para fora do escritório em busca do meu telefone, queria enviar uma mensagem para saber se ela estava bem. Era o mínimo que poderia fazer, me preocupar com a minha assistente. Assim que cheguei novamente na sala, comecei a sentir um aroma que me fez salivar. Ela estava cozinhando?

Porra, ela levou a sério quando disse para sentir-se à vontade, não? As pessoas não deveriam levar em tanta consideração o que falamos, não é porque minha mãe convida todo mundo para passar algum tempo em sua casa, que as pessoas vão.

Não sabia como me sentir tendo alguém na minha casa, usando-a assim... tão livremente.

Incomodado?

Com certeza.

Impressionado.

Porra, sim!

Excitado?

Esqueça disso. Vamos falar de outra coisa.

Em silêncio peguei meu telefone e digitei uma mensagem rápida para Melissa, querendo saber se ela estava bem, então fui para a cozinha.

Ela estava preparando o almoço, como eu imaginava. Fui me aproximando enquanto visualizava a sua aparência, seus cabelos curtos e platinados estavam uma bagunça para todos os lados. Ela usava apenas a minha camisa ainda e o fato de ela estar cozinhando sem calcinha começou a incomodar minhas calças novamente.

 Meu Deus! Eu sou um fodido adolescente.

Sentindo o meu movimento, Carter se virou e abriu um enorme sorriso, como se a situação em minha lavanderia mais cedo não tivesse ocorrido.

— Tomei a liberdade de preparar um almoço para nós. — Olhei para o relógio e não pude acreditar que já passava de meio-dia. Fiquei tanto tempo assim no escritório? Assenti e tentei dar um sorriso amistoso. Acho que funcionou, pois ela deu um leve suspiro e se virou para o fogão, seus ombros pareciam mais relaxados quando voltou a mexer nas panelas.

— O que está cozinhando? — perguntei, me aproximando.

— Vi que você tinha peito de frango e uma variedade infinita de legumes na geladeira. Então optei por algo simples, Yakissoba. — Ela remexeu o macarrão que fervia na panela. Meus olhos novamente passearam pelo seu corpo, descendo por suas pernas e... — Gosta?

— Oi? — Quase saltei em meu lugar quando ela perguntou, por um momento, pensei que ela tinha me pego olhando suas belas pernas.

— De Yakissoba, você gosta? — indagou novamente.

— Sim, eu hum... gosto. Claro! — respondi desconcertado. Levei a mão na nuca e cocei tentando disfarçar a minha falta de jeito, mas Caterine continuava de costas para mim e concentrada no cooktop, ligando outra boca.

— Vou começar a preparar os legumes...

— Você quer ajuda? — Ofereci, dando mais um passo em sua direção.

— Não, já estou familiarizada com o ambiente. — Ela olhou por cima do ombro e deu um sorriso orgulhoso para mim. — E você tem uma quantidade incrível de alimentos, e tudo tão saudável. Você que faz a suas próprias compras?

— Por que ouço um certo espanto em sua voz? — questionei um pouco ofendido.

— Desculpe, é só que é tudo tão organizado. Não parece coisa de homem solteiro.

— Bem, para sua informação, senhorita Flynn... — Iniciei solenemente. — Eu sou um homem muito organizado, obrigado.

Meu irmão diria que tenho transtorno obsessivo compulsivo. Mas Carter não precisava saber disso.

— Estou vendo, seus vegetais estavam organizados por ordem de cor. — O seu riso borbulhou e ficou impresso em sua fala suave enquanto ela mexia casualmente em minhas panelas.

— Eu gosto assim — foi a melhor justificativa que eu poderia dar.

— Sem julgamentos, senhor Hartnett — brincou. — Você pode relaxar e aguardar pelo melhor Yakissoba que você já provou na sua vida.

Aposto que ela aprendeu a fazer esse prato com uma chinesa de algum restaurante sujo e aleatório em Chinatown.

Pensei antes que ela continuasse.

— Aprendi com uma chinesa dona de um restaurante em Chinatown.

Rá! Eu sabia!

— É meio sujinho...

Merda! Eu não queria estar certo nessa parte.

— Mas absorvi apenas a receita e não a falta de higiene. — Continuou, parecendo ouvir meus pensamentos, por um momento pensei que havia deixado escapar minhas palavras como fiz mais cedo.  

— Você não tem...

— Passa aquela colher grande para mim, por favor? — Interrompeu ela.

— Jeito de quem cozinha... — completei enquanto fazia o que ela havia pedido. — Ou de quem advoga. — Divaguei mais baixo.

— As aparências enganam, Alex. — Notei que sua entonação mudou, não sabia como interpretar a sua resposta, mas definitivamente não mais o mesmo tom de brincadeira.

— Eu... é... não... Eu não...

— Notei que você tem uma videoteca maneira na sala, o que acha de alguns filmes? — Caterine rapidamente se recuperou enquanto jogava os legumes na panela. Seu tom de voz voltou para a mesma descontração de antes.

— Meus filmes? — Tentei acompanhar. — Quer assistir?

— Claro, precisamos de um passatempo, certo?

Claro! Tínhamos que passar o tempo de alguma forma e incrivelmente, mesmo que eu tentasse não pensar naquilo, só uma atividade vinha à minha mente.

Sexo.

Não, Alexander, não pense em sexo!

Carter sorriu e maneou a cabeça em negação prestando atenção em seus legumes, e eu quase tive certeza que ela ouviu meus pensamentos novamente, mas desta vez, ao menos, foi educada para não dizer nada.

**

Preparei água para nós, ela pediu a dela com gelo. Olhei para a neve caindo sem parar do lado de fora e levantei a sobrancelha. Ela simplesmente deu de ombros e informou que não importava o quão frio poderia estar, nunca bebia nada quente a menos que fosse chá ou café e que mesmo assim tomava um copo de água gelada depois.

Aceitei a sua resposta e comecei a arrumar a pequena mesa dentro da cozinha, mas Carter me parou.

— O quê? — perguntei, abrindo os braços enquanto ela fazia um bico rejeitando minha mesa.

— É dia de neve, Alexander — disse, se aproximando com outra toalha que havia pego na gaveta e foi até a sala. — Você não teve infância? — Continuei olhando enquanto ela estendia a toalha em frente à grande janela de vidro que ocupava a parede inteira voltada para a rua principal. — E em dia de neve, podemos fazer o que quisermos.

— Tenho mesa.

— Podemos usá-la em outro momento. — Sua solução foi dada facilmente enquanto ela cruzava a distância entre a sala e a cozinha colocando os outros itens.

— Eu só não vejo motivos...

— Qual é, Alex... Relaxa, vai! — pediu, sentando no chão e em seguida dando uma batidinha na área em sua frente, me convidando para me juntar a ela.

Revirando meus olhos e soltando uma bufada, caminhei até ela e me sentei em seguida.

— Eu mal conheço você e já diagnostiquei transtorno de velhice precoce em sua personalidade encantadora — brincou enquanto servia uma boa porção do macarrão com legumes.

— Isso nem existe — retruquei. Conseguia ouvir o tom quase juvenil em minha voz enquanto tentava refutar a sua acusação.

— Não sei, existindo ou não, você praticamente batizou esse transtorno. — Seu tom tranquilo e brincalhão me fez relaxar um pouco ao perceber que ela só queria brincar. — Você me parece uma pessoa muito tensa.

— Você também deveria ter um transtorno. — Entrei na brincadeira.

— E qual seria? — Ela começou a mexer em sua refeição. Percebi que fechou os olhos e levantou o prato até o seu nariz aspirando o aroma. Um suspiro, quase gemido, escapou dela.

— Ser feliz demais — minha resposta saiu como um murmuro hipnotizado enquanto analisava a forma genuína como ela aproveitava o aroma da comida.

— O que há de errado nisso? — indagou abrindo os olhos e colocando o prato em sua frente.

— Não sei se é errado... — Considerei mais para mim do que para ela. — Eu acho que nunca conheci alguém tão peculiar... Não lembro muito       da noite passada, mas o que lembro é alguém hum... saltitante? Dançante? — Levantei a sobrancelha em provocação. — Irritantemente feliz?

Ela tentou sorrir, mas pareceu mais uma careta, sua postura relaxada se tornou minimamente tensa com as minhas palavras. Uma tempestade passou rapidamente pelos seus olhos.

— Sim! Eu sou a garota mais irritantemente feliz com quem você já dormiu, garanhão. Agora coma. — Aquela fora a sua tentativa de me deixar constrangido o suficiente para encerrar o assunto? Não fiquei constrangido e sim intrigado com a sua reação.

Algo a incomodava.

Por educação, e porque mal nos conhecíamos, deixei o assunto morrer. Parei de reclamar do fato de comermos no chão e aproveitei a refeição enquanto a neve cada vez mais se acumulava do lado de fora. A refeição estava muito boa e, somada ao cenário, me deu uma sensação de conforto, talvez... paz?

— Pelo suspiro, imagino que tenha gostado — Carter constatou me tirando de meus pensamentos.

— Você é boa, tenho que admitir — admiti, satisfeito com o conforto que toda a cena me remetia, mas estava curioso. — Mas, por que a janela?

Ela deu de ombros como se não fosse grande coisa.

— Eu gosto da sensação que as janelas me trazem — informou, recolhendo os pratos do nosso almoço.

— Importa-se de elaborar? — pedi curiosamente.

— Talvez mais tarde. — Piscou já se levantando. — Agora é hora de cuidar da limpeza.

Ela lavou a louça, dispensando a máquina de lavar, e eu sequei enquanto conversávamos em perfeita harmonia sobre direito, as últimas notícias mundiais e nossas famílias, foi realmente impressionante o nosso entrosamento.  Phoebe e eu basicamente só nos dávamos bem quando minha língua estava em sua boca.

Quando a cozinha estava brilhando, isso não passou despercebido para mim, Caterine era organizada e caprichosa, fiz café para nós e fomos para a sala.

— Podemos assistir algo enquanto ainda temos luz? — Carter perguntou enquanto seus olhos dançavam pela minha videoteca. Os DVDs, e CDs também, cobriam uma grande estante em volta da grande tela de televisão.

— Claro — apontei para o local que ela não tirava os olhos dando a minha permissão para se aproximar. — Você é a convidada, pode escolher. — Se aproximando para analisar os títulos, ela mexeu em seus cabelos por um momento antes de delicadamente colocar algumas mechas atrás da orelha.

Enquanto observava e andava de um lado ao outro, percebi que esfregava seus braços. Sem perguntar se ela estava com frio, andei até o termostato da calefação e aumentei alguns graus para que ficasse mais confortável. Fiz também uma nota mental para tentar encontrar alguma roupa para que se sentisse mais quente.

Carter acabou escolhendo Uma Noite Alucinante, achei engraçado, era difícil achar alguém mentalmente insano como eu que gostasse daquela grande besteira que chamavam de filme. Eu poderia prezar pela seriedade a maior parte do tempo, mas se tinha um filme que eu poderia usar para quebrar o gelo e relaxar, aquele sempre seria a minha primeira opção.

Você gosta de Uma Noite Alucinante? — minha pergunta foi carregada de incredibilidade.

— Qual é o espanto? — Ela entregou o DVD em minha mão e andou para o sofá.

— Você me parecia ser o tipo de garota que assiste comédias românticas.

— E você me parece o tipo bem apegado a preconceitos e estereótipos, senhor Hartnett.

Geralmente eu não era assim, ainda mais sendo um promotor, julgar as pessoas por sua aparência ou breve comportamento era completamente errado, mas Caterine estava em minha casa, me deixando completamente confuso e fora da minha zona de conforto, meu cérebro sequer estava fazendo algum sentido.

— Desculpe, eu não costumo ser assim, eu só estou...

Completamente assustado com a sua presença e com a forma como você toma conta de tudo no ambiente.

— Me acostumando com o fato de ter outra pessoa em minha casa. Sinto muito — justifiquei, sem graça.

Um sorriso brilhante se abriu em seus lábios, ela se ajeitou como se estivesse tentando uma posição confortável em meu sofá. Sentei ao seu lado e procurei relaxar, não pensar na loucura que as últimas horas tinham sido. Tentei não pensar na forma completamente relaxada e bem monopolizadora com a qual aquela mulher estranha tomava conta da minha casa. De alguma forma, em menos de vinte e quatro horas, ela conseguiu mudar a atmosfera. E a cada segundo que passava, o seu conforto se tornava mais contagioso me fazendo relaxar e gostar de ter ela como hóspede.

À medida em que assistíamos os três filmes da franquia Uma noite Alucinante, Carter foi se aninhando como um gato no sofá, seus pés foram para cima, seu corpo foi se deitando. A cabeça foi se aproximando e encostando em meu ombro, me fazendo tenso, confesso, até adormecer.

Ela dormiu antes do final do último filme.

Aconchegada em mim.

E se eu dissesse que não gostei...

Estaria mentindo.

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