Lucas Park Foi só quando a vi desacelerar que percebi onde estávamos. Ela estacionou de qualquer forma, atravessando três vagas sem se importar. Havia poucos carros ali, como sempre. Essa era a razão de ser meu bar favorito: silêncio e anonimato. Parei a moto do outro lado da rua, nem precisei me esconder entre os arbustos que circundavam o estacionamento. A iluminação fraca me garantia que ela não me veria ali. Desci, pousei o capacete no tanque e me encostei na lateral. Eu gostava de observa-la. Outro carro parou logo depois, próximo ao dela. Um modelo comum, de passeio — nada que combinasse com os frequentadores da elite que comandava a cidade. Quando vi quem desceu, franzi o cenho: Alice, a recepcionista da matriz de projetos. Alice usava um vestido chamativo e justo, mas o tecido brilhante fazia sua pele parecer ainda mais pálida e seu corpo mais magro do que eu lembrava. Ela era bonita e tinha um sorriso encantador, que, por várias vezes, havia me lançado sem
Lucas Park Eu não sei dizer o que me deixou mais puto: ser interrompido pela ligação ou me irritar por ter sido impedido de... Merda! Tinha alguma coisa errada com meu cérebro. E finalmente percebi aquilo que eles sempre martelaram na minha mente, e não fez com que eu gostasse mais daquele cara do outro lado da linha. — Por que pergunta? — ele retrucou com uma gargalhada debochada. — Me daria se eu pedisse? — Vai se ferrar! Meu humor foi de um extremo a outro em questão de segundos. Como ele conseguiu estragar aquele momento tão facilmente? Ouvir sua gargalhada só acrescentou mais peso à minha raiva. O fato de ele nem perceber o quanto me afetou apenas lhe dava mais poder para me irritar. — Está ficando cada vez mais ousado, senhor Park — zumbiu Castillo. — Devo ter interrompido algo importante. Ligo mais tarde, se preferir... De fato, ele interrompeu um dos momentos mais reveladores que já vivi. Naquela noite, tive a benção (ou a maldição) de descobrir f
Gabrielle Durante algum tempo, tentei ser outra pessoa. Por um breve período, ignorei minhas origens e reprimi meus sentimentos – ou a falta deles. Queria me encaixar, pertencer a algo, qualquer coisa. Tentei tanto fazer parte de algum lugar, de qualquer conexão que me oferecesse significado, que acabei me tornando vazia. O esforço foi inútil. Bastaram alguns poucos dias para que eu percebesse a quão catastrófica foi essa tentativa de ser alguém que não sou. A verdade é que não se pode ter tudo o que se deseja. Para algumas pessoas, falta dinheiro. Para outras, afeto. Muitas carecem até mesmo de comida. Eu, porém, nunca precisei de nada material. O que me faltava – e sempre faltou – era a aceitação de quem eu sou. A busca pelo autoconhecimento é brutal. Exige um preço alto, um sacrifício ao qual você precisa se entregar por completo. Mas o que acontece quando o pagamento exigido não é algo seu? O que fazer quando a ausência de sentimentos embota qualquer reflexão sobre ess
Gabrielle Aceitei o café, sabendo que não teria escapatória daquela conversa. O gosto amargo e frio escorregou pela garganta, e me forcei a não fazer careta — embora soubéssemos que o café não era o verdadeiro motivo do meu desconforto. Jullian percebeu, esboçando um sorriso breve, mas se conteve ao encontrar meu olhar. — Pode me dizer a razão de ter quebrado sua promessa? — Jullian começou, a voz fria, mas com uma ponta de frustração subjacente. — Qual delas? — perguntei, com um sorriso despreocupado. — Onde foi depois do jantar de ontem? — Ele estreitou o olhar, desconfiado. — E não adianta usar o jovem Park como escudo. Coitado, ele passou a noite toda discutindo os detalhes da festa com Leslie. — Sabemos onde estive e o que fiz. — O interrompi, cansada da encenação. — Pode pular a introdução e ir direto ao ponto. — Por que fez aquilo? — Ele perguntou calmamente, embora a tensão fosse palpável. — Pensei que tivesse gostado dela. — Sim, Alice foi u
Gabrielle Depois daquele jantar desastroso, saí para tentar esquecer — sem sucesso — o absurdo de que eu havia concordado com Leslie. Antes que percebesse, já estava estacionado na frente do bar onde Lucas me levou. Alice me viu sair do esportivo branco ― o mesmo que Lucas costumava usar para ir até a empresa ― se apressou para vir ao meu encontro. Apesar de ser uma noite quente, sua escolha de roupa era vulgar, até mesmo para meus padrões. O vestido era de lamê turquesa, era tão apertado que parecia que uma brisa mais forte rasgaria as costuras. Não tinha decote profundo, mas as costas estavam completamente nuas. Ela era bonita, mas de uma beleza padronizada: rosto redondo e inexpressivo, lábios carnudos, nariz arrebitado e cabelos pretos no corte chanel. Sua magreza excessiva a faz parecer com as garotas de revista, todas iguais, sem uma única peculiaridade que a destacasse. Talvez fosse esse o motivo da escolha da roupa. Ela sabia que não era chamativa por
Gabrielle Quando desci para o café, notei algo estranho: a casa estava silenciosa, vazia. Não havia sinal de Leslie, Dave ou mesmo de Jullian. Olhei ao redor, e nem as empregadas ou seguranças estavam na porta. Onde os diabos foram para todos? Pela primeira vez em muito tempo, parecia que ninguém estragaria meu humor logo pela manhã. Não permitiria que tirassem de mim aquela fagulha de prazer e satisfação pela caçada da noite anterior. Assim como não permitiria que ninguém, absolutamente ninguém, tirasse de mim aquilo que me pertencia. Ele próprio havia se rendido e se entregou a mim, como eu poderia então dividir qualquer minúscula parte de sua atenção com outra pessoa? Permitir que outra mulher pudesse sequer pensar que teria qualquer possibilidade de se aproximar dele, estava fora de cogitação. Todo pensamento ruim que começou a brotar, se dissipou enquanto percorria o caminho até a cozinha. Ao entrar, um aroma adocicado invadiu minhas narinas, e lá estava ele, de co
Gabrielle Apesar de ele não ter comentado, eu sabia que Lucas não havia acreditado na desculpa de Leslie. Ele me conhecia bem demais para se deixar enganar por algo tão simples, mas era educado demais para dizer isso em voz alta. Após longos minutos de silêncio, ele finalmente falou: — A lista é tão grande assim? Revirei os olhos, tentando encerrar o assunto de uma vez. — Tenho certeza de que Jullian já te entregou um dossiê completo, com todas as pessoas com quem mantive contato. Lucas sorriu de canto. — Para Jullian, você é como uma filha. Não o culpe por se preocupar com você. — O que ele faz é além de preocupação. — Ri diante do absurdo. — Ele se livrou de todos. Nem deu chance de que se aproximassem. Ele se colocou atrás de mim, colando seu corpo ao meu, tendo minhas costas apoiadas em seu abdômen, ele se abaixou até estar em minha altura, sussurrando em meu ouvido: — Eu também me livraria de qualquer um que tentasse se aproximar
Lucas Park Desde o dia em que retornei para o lado de Gabrielle, tenho me empenhado ao máximo para ser quem ela precisava que eu fosse, mesmo que, para isso, precisasse abrir mão de velhos hábitos — aqueles que adquiri depois de acordar do coma — ou deixar de lado as partes menos agradáveis da minha personalidade. E, embora não fosse nada fácil manter esses novos comportamentos, eu me forçava um pouco mais a cada dia. Porque eu tinha um propósito claro. No início, eu só queria seu perdão. Torcia para que ela me aceitasse de volta na sua vida. Mas, com o tempo, comecei a ser mais ganancioso. Por que deveria me contentar apenas com seu perdão, se poderia ter tudo o que ela era? Por que deveria me satisfazer apenas em estar ao seu lado, se podia tê-la dentro de mim, como uma extensão de quem eu era? Não bastava ter sua mente e seu corpo. Eu nunca estaria satisfeito. Queria o seu ser inteiro. A sua alma, assim como ela já possuía a minha. Eu me perguntava se isso era amor.