Gabrielle
Um pouco antes do almoço, ouvi uma batida leve na porta. Já fiquei surpreso que ele não tivesse corrido atrás de mim. Não pensei que demoraria tanto para me procurar, mas não era ele. Jullian entrou com seu semblante inexpressivo de sempre. Sem pressa, sentou-se na poltrona que sempre ocupava e me observou, esperando que eu tomasse a iniciativa de me sentar ao seu lado.
— Antes de começarmos nossa pequena reunião... — disse ele, o tom pausou enquanto tentava se lembrar de algo, num de seus gestos calculados. — O que aconteceu com seu carro favorito?
O que eu poderia responder? Tentei manter a calma, enquanto buscava uma desculpa decente.
— Eu... — hesitei, escolhendo as palavras. — Pelo menos não foi uma pessoa.
Ele riu, um som leve,
Lucas Park Eu tinha vinte e quatro anos, um adulto formado em teorias que não pude aplicar e em memórias que nem sequer são minhas. Minha adolescência? Passei em um limbo inerte, ancorado a uma cama de hospital. A ideia de que “perder” algo parece tão vaga... Talvez eu nem saiba o que seria se tivesse uma vida normal, ou quem teria me tornado se tivesse estado "presente" durante esses anos. De certa forma, acho que foi até um presente. Como teria sido minha vida sem o acidente? Se não tivesse acontecido, o desenrolar era previsível: uma educação em colégios de elite, anos como o estudante exemplar, seguido de uma faculdade para me preparar para a sucessão na empresa da família. A guerra interna com meus tios pelo poder? Inevitável, ainda que fosse a última coisa que eu desejasse. E Gabrielle? Mesmo criança, eu sabia que ela seria minha no final. Essa promessa pairava entre nossas famílias, um destino mapeado. Mas e se as coisas fossem normais? Talvez eu tivesse conhecido
Lucas Park Gabrielle ocupava a segunda vaga, entre as outras dezoito naquele longo corredor ladeado de carros. Como ela ainda não me notara, ali, a poucos metros? Encostei-me à McLaren da primeira vaga e continuei observando, meu sorriso se ampliando a cada explosão de fúria que a tornava mais brutal. Ela era tão perfeita. Sua raiva era linda, refinada. E dentro de mim, algo profundo e indomável era atraído para perto dela, como se meu lado mais sombrio finalmente tivesse encontrado alguém que não recuaria quando ele se mostrasse. Alguém que não temeria ver quem eu realmente sou. Alguém semelhante. Meu corpo ardia ao ver o caos que ela criou. Meu coração disparou ainda mais do que quando ela bateu em Alice, porque eu entendia o peso daquele carro. Ver Gabrielle descontando sua frustraç&atild
Art. Único: A herdeira terá posse absoluta, irrefutável e intransferível, após a maioridade de 21 (vinte e um) anos, sob o cumprimento das seguintes exigências: 1. A herdeira deverá ser apta ao cargo de CEO, tendo pleno conhecimento certificado das seguintes áreas: a. Administração de empresas e finanças corporativas b. Economia c. Engenharia d. Arquitetura e. Gestão de pessoas Essa foi a primeira das dez exigências de meu pai, nada fáceis de se cumprir. Ele era a pessoa que mais me conhecia no mundo, talvez soubesse mais de mim do que eu mesma, o que me deixava desconfortável, pois sabia exatamente como lidar com meu narcisismo. Não pude conter o riso quando li pela primeira vez, na verdade, eu ri alto e tão descontroladamente, que senti cada músculo do meu corpo vibrar. Me obrigar a ser social mediante um documento era tão John. Ele sabia que eu não gostava de participar de eventos sociais, sabia que eu não gostava das pessoas da minha idade, assim como sabi
Lucas Park, o típico herdeiro que toda garota sonha em ter como companheiro. Bonito, carismático e com uma conta cheia de dinheiro. Eu não me importava com sua simpatia, tampouco precisava de seu dinheiro, a única razão para eu não raspar sua cara no asfalto quente, é pelo simples fato que seria um desperdício. Sua simetria era assustadora quando observada por algum tempo. Com sua descendência oriental, era quase impossível não olhar em seus olhos escuros e profundos, seu nariz levemente empinado e fino, a boca era grande com lábios volumosos. Era possível ter aqueles traços naturalmente? Se a inocência tivesse um rosto, aos vinte e três anos, com certeza seria aquele. Até mesmo seu sotaque era charmoso, qual me deixou completamente surpresa. Era realmente um contraste agradável quando visto por inteiro. Exceto pelo cabelo, que estava todo brilhante, com um topete estilo John Travolta nos tempos da brilhantina. — Pode parar de me encarar agora — me censurou. Sorri
— Dave me pediu para cuidar de você — confessou Havíamos passado tanto tempo juntos no passado, que algumas perguntas não precisavam serem feitas. Dave era pai de Lucas, também era melhor amigo e sócio de meu pai, por esse motivo, passamos nossa infância inteira juntos. A mãe de Lucas havia morrido ao dar à luz, então eu emprestei a minha, simples assim. Crianças são tão ingênuas. — Como tem passado Gabrielle? — iniciou ele — Você esteve fugindo de mim desde que retornei. — Não sou uma pessoa nostálgica — confessei — Sinto muito se não te ofereci a recepção que gostaria. Ele sorriu. Não um sorriso de deboche. Ele realmente sorriu. Um sorriso envergonhado, quase escondido, que ao que parecia, eu não deveria ter notado. Ainda havia covas em suas bochechas, assim como quando éramos crianças. Olhar para ele sorrindo fez surgir um mix de emoções que eu nem sabia que era possível para alguém como eu. Senti falta daqueles dias em que passamos horas brincando e conversando
Eu não suportava mais tanto barulho. Não suportava mais olhar para aquele desconhecido. Mas o que me deixava mais infeliz, era aquele sentimento de posse que senti brotar em mim, assim como quando éramos crianças. Eu poderia detestar todas as pessoas, implicar com cada uma delas e maltratá-las, mas em nenhum momento em toda minha vida, consegui vê-lo da mesma forma que os demais. Lucas sempre foi importante demais para mim, tão precioso quanto meu pai. O destino me tirou os dois, um após o outro, e mesmo que tivesse me devolvido um, ele já não carregava toda a importância e carga emocional de antigamente, e mesmo se o fizesse, eu não era mais capaz de suportar nenhum volume de sentimentos. Me tornei um invólucro raso, incapaz de conter qualquer sentimento por muito tempo, sem deixá-lo escapar pelas paredes rachadas. Fiz o que deveria ter feito desde o momento em que cheguei. Me levantei e caminhei pelo gramado, ignorando o chamado de Lucas, que deixei me observando partir. C
Lucas Park Finalmente, havia chegado o dia. Eu a veria, estaria ao lado dela, e, ao contrário daquela manhã decepcionante, Gabrielle não poderia fugir. Passei horas acordado durante o voo, me preparando, repassando mentalmente tudo o que eu diria a ela quando nos encontrássemos. Ensaiei dezenas de vezes como deveria me apresentar, escolhi cuidadosamente a roupa que iria vestir e calculei o tom exato que deveria usar para não a assustar. E apesar de ter minhas mãos suando e minhas pernas tremulas, eu não poderia permitir que ela percebesse meu nervosismo, pois poderia interpretar de forma errada. De nenhuma forma ela poderia ter a impressão de que eu não queria estar ali, com ela. A verdade é que eu sabia que não nos víamos havia cerca de 10 anos, e que não sabia absolutamente nada sobre quem ela havia se tornado. Talvez ela fosse parecida com as outras garotas da sua idade e status, o que me deixaria um pouco decepcionado. As garotas com quem tive contato, daquelas que tinha
Lucas Park Tentei controlar a aversão daquelas pessoas, que crescia conforme eu olhava para elas. Sei que é errado julgar sem conhecer, mas era algo que se podia sentir pelo ambiente. Aquela soberba fedia, e me lembrar do dossiê de cada um deles, não me fez gostar mais de nenhuma daquelas cabeças vazias. — Que bom te ver, cara! — disse Ramon Rodriguez, me puxando para um abraço. — Vou te apresentar ao pessoal. Ele era meu colega de turma na época do colégio. Não me lembrava de sua aparência, nem se éramos muito próximos, mas, segundo as anotações de Dave, podíamos ser considerados melhores amigos. Olhando para ele, sorrindo para todas as garotas que passavam por nós, parecia ser mais ignorante do que supus ao ver sua foto. Ramon era mais alto que eu, mais forte e muito barulhento. Vestia uma camisa de linho clara, completamente aberta, exibindo seu corpo musculoso, que fazia questão de mostrar para todos. A primeira impressão não poderia ter sido pior. Para mim, e