Ele falou meu nome como se fosse uma oração esquecida. Ou uma maldição.
— Quem é você? — minha voz ecoou no sonho, mas parecia pequena diante dele. Ele sorriu, lento. Perigoso. — Você me chamou. — Eu não fiz isso. — Mas está em você. O sangue. O laço. O poder. Você sente, não sente? Dei um passo para trás, o ar ao redor dele parecia vibrar — como eletricidade ou calor antes de uma tempestade. — Fique longe de mim! — Não posso. — Ele caminhou em minha direção, cada passo ecoando como um trovão silencioso. — Porque somos ligados. Porque você é a chave que pode libertar… ou destruir tudo. Meus pés estavam cravados no chão. Eu queria fugir, gritar, acordar — mas não conseguia. — Por que eu? — perguntei, a voz trêmula. — Porque seu destino foi escrito antes mesmo do seu nascimento. Ele ergueu a mão e tocou meu rosto. Gélido, mas inexplicavelmente... familiar. — E porque, Elara… você é minha. Acordei ofegante, com o grito preso na garganta. A pedra no colar brilhava como fogo. Acordei com a pele gelada e a respiração presa no peito. Ainda era madrugada. A vila dormia sob um silêncio espesso, quebrado apenas pelo som do vento... mas mesmo ele parecia estranho, como se murmurasse nomes que não deveria conhecer. O colar pendia sobre meu peito, quente — como se guardasse dentro dele o toque que recebi no sonho. Me levantei devagar, tateando o chão frio de pedra até alcançar minha janela. O mundo lá fora parecia o mesmo. Mas não era. O reflexo no espelho denunciava algo novo. Algo impossível. Um fino risco vermelho em meu pescoço, como se algo tivesse tocado minha pele com garras suaves. Exatamente onde o vampiro do sonho — Damon — havia me tocado. Foi só um sonho… não foi? Desci até a cozinha da taverna, onde Mira já preparava chá como se sentisse que algo havia mudado em mim. — Você teve um pesadelo — disse ela, antes que eu dissesse qualquer coisa. — Como sabe? — Porque seu cheiro mudou. — Meu... o quê? Mira se aproximou e segurou minha mão. — Algo está despertando em você, Elara. Eu sempre soube que havia mais. Mas isso… isso é magia antiga. E não é sua. Está vindo de fora. — O que eu faço? Antes que ela respondesse, as portas da taverna se abriram com violência. Um homem ofegante, coberto de lama e com os olhos arregalados, caiu no chão de madeira. — Ele está aqui... — murmurou, antes de desmaiar. — Quem?! — gritou Mira, ajoelhando-se ao lado dele. — O filho da noite... o vampiro de sangue real... ele atravessou a fronteira. — O filho da noite... — repeti em voz baixa. Mira se levantou devagar, os olhos fixos em mim. — Esse título… só pertence a um. Damon Valtor. O último da linhagem real. Aquele que desapareceu há séculos. — Desapareceu ou foi selado? — perguntei. — Ele foi exilado. Quando o pacto foi firmado, ele recusou-se a obedecer. Disseram que havia sido aprisionado entre mundos. Mas agora... — Agora ele está livre. — Elara, você precisa se esconder. — Eu preciso entender por que ele me chamou. Por que eu. Mira balançou a cabeça. — Você não entende o que ele é. Damon Valtor não é um homem comum. Ele é feito de escuridão, forjado no ódio dos milênios. Pode parecer sedutor, até mesmo humano, mas por dentro… é tempestade e fome. — Ele está vindo. — sussurrei. Foi então que as velas se apagaram. Todas ao mesmo tempo. O vento atravessou as janelas fechadas como se fossem papel. E na brisa gélida, uma voz. Não alta. Não ameaçadora. Apenas real. Quase... íntima. - Elara... Meu nome, dito com uma intimidade impossível. — Elara. — Veio de novo, mais perto. Minhas pernas se moveram antes que a mente compreendesse. Corri. Abri a porta dos fundos da taverna e me lancei na noite como se o frio pudesse me proteger. A floresta atrás da vila se abria escura e silenciosa, os galhos altos pareciam braços tentando me impedir de passar. Meus pés descalços cortavam no chão gelado, mas eu não parava. — Não é real... não é real... — repetia, como um feitiço fraco. Mas tudo em mim sabia: era real demais. Vi uma sombra se mover atrás de mim. Veloz. Grande. Me escondi atrás de uma árvore grossa, tentando controlar a respiração. O silêncio pesava. Tudo estava parado demais. E então senti. Não ouvi. Senti. Uma presença atrás de mim, quente e gélida ao mesmo tempo. Um cheiro de terra molhada e ferro. Um sussurro rente ao meu pescoço: — Está com medo de mim, pequena? Me virei num pulo, o coração martelando como louco. E ali estava ele. Alto. Imponente. Roupas escuras como a noite, cabelos longos presos em um rabo baixo. Os olhos... oh, os olhos. Rubros como brasas acesas. Observavam-me com uma calma predatória. — Você é real. — murmurei, mais pra mim do que pra ele. — Eu estive preso tempo demais, Elara. E você... é a chave que me trouxe de volta. — Por quê eu? Ele inclinou a cabeça levemente. — Porque em você... há fogo. Mesmo com medo, você corre. Mesmo sem entender, enfrenta. Isso... me atrai. Ele sorriu, lento e perigoso. — Eu não vim para te machucar. Não ainda. — Isso deveria me confortar? — Talvez devesse te excitar. Minha respiração falhou por um segundo. Mas antes que eu pudesse responder, passos apressados ecoaram ao longe. Mira. Antes que eu pudesse reagir, Damon moveu-se com uma velocidade que desafiava a lógica. Em um piscar de olhos, ele estava diante de mim. Senti seus braços ao redor do meu corpo, firmes, frios... e então tudo sumiu. A floresta desapareceu. O chão sumiu sob meus pés. A última coisa que vi foi o colar pulsando em vermelho, como se reconhecesse o toque dele. E então, escuridão.Acordei com a sensação de estar sendo observada.As pálpebras pesavam como se tivessem sido costuradas, e um gosto metálico tomava minha boca. Quando finalmente consegui abrir os olhos, percebi que não estava mais na floresta. Estava deitada sobre uma cama enorme, coberta por lençóis de linho escuro, em um quarto que definitivamente não pertencia à minha realidade.As paredes eram de pedra polida, cobertas por tapeçarias antigas. Havia uma lareira acesa, crepitando suavemente, lançando sombras dançantes por todo o cômodo. Um candelabro de ferro pendia do teto abobadado, tremeluzindo com chamas vivas. Era um quarto luxuoso, silencioso e... fechado.Levantei de súbito. A cabeça latejou com o movimento brusco, mas ignorei. Caminhei até a porta com passos hesitantes e tentei girar a maçaneta. Trancada. Testei mais duas vezes, com mais força, até bater o punho nela com frustração.— Alguém? — gritei. — Está me ouvindo?Nenhuma resposta. Só o eco da minha própria voz voltando como zombaria.
A luz tênue que filtrava pela pequena fresta da janela mal tocava o chão de pedra polida. Eu havia perdido a noção do tempo. Horas? Dias? Não importava. Estava presa naquele quarto luxuoso demais para ser uma cela, mas restrito o suficiente para parecer uma prisão.As portas permaneciam trancadas. Sem trancas visíveis, sem maçanetas por dentro. Apenas a certeza de que, por mais que tentasse, não sairia dali por vontade própria.O colar ainda pendia sobre meu peito, morno agora, como se adormecido.Sentei-me novamente sobre a enorme cama de dossel, tentando não pensar nele.Damon.A lembrança de seu olhar cravou-se em mim como uma lâmina quente. Aquela aura de comando absoluto, o modo como me fitava... como se já soubesse o que eu tentava esconder até de mim mesma.Tentei apagar seu rosto da minha mente. Mas era inútil.Minutos depois — ou talvez uma eternidade — a porta se abriu com um estalo suave.Meus olhos voaram na direção do som.Ele entrou com passos silenciosos, vestindo roupa
A maçaneta girou devagar, rompendo o silêncio espesso do quarto. Me encolhi no canto da cama, mas logo vi que era apenas Damon — outra vez. Sem anunciar-se, entrou com a mesma segurança de sempre, como se aquele lugar fosse todo seu. E talvez fosse mesmo. Com passos firmes, caminhou até uma mesa ao lado da janela e colocou uma bandeja prateada sobre ela.— Achei que poderia estar com fome. — disse ele, como se me conhecesse.Não respondi. Meus olhos correram por sua silhueta alta, pela camisa negra justa que moldava seus ombros largos, pelo cabelo escuro preso com descuido na nuca. Não que eu estivesse admirando, claro. Era só... observação.Ele se virou em minha direção com um pequeno sorriso, como se soubesse exatamente o que eu pensava — e odiava que talvez soubesse mesmo.— Estava esperando gritos, tapas ou pelo menos um olhar de ódio. Mas tudo o que recebo é silêncio? Está me decepcionando, Elara.Cruzei os braços, sem me mover.— Não tem nada pra te dizer, Damon. Nem agora, nem
A noite já avançava, e o jantar parecia se estender mais do que deveria. Ainda assim, havia algo viciante naquela tensão silenciosa que crescia entre nós. Damon estava à minha frente, sentado com um porte arrogante e ao mesmo tempo devastador. Os olhos dele seguiam cada movimento meu com uma atenção que queimava.Eu empurrei a comida no prato, fingindo interesse. Não era fome que me dominava. Era algo mais... inquietante. O olhar dele fazia minha pele formigar como se eu estivesse sendo tocada sem que um único dedo encostasse em mim.— Você realmente não gostou do vestido? — ele perguntou de repente, com aquele tom suave e carregado de intenções que parecia sussurrar diretamente na minha pele.— Nem experimentei. — Cruzei os braços, desafiando. — Achei desnecessário.Os cantos da boca dele se curvaram levemente, como se achasse graça da minha rebeldia. Damon tinha esse jeito irritante de parecer sempre no controle, como se já soubesse cada resposta minha antes mesmo que eu dissesse qu
Meus pés mal tocavam o chão enquanto eu corria. O vestido se prendia entre as pernas, os galhos arranhavam meus braços e rosto, mas nada me fazia parar. Eu precisava sair dali. Precisava fugir daquela sensação sufocante que Damon deixava para trás como uma marca invisível. Uma maldita tatuagem que queimava sob a pele.A floresta se fechava ao meu redor, densa, escura, com o cheiro de terra molhada e folhas apodrecendo. O frio da noite se misturava ao calor que ainda vibrava no meu corpo, uma herança daquele quase beijo. Do toque dele. Do olhar.Eu devia odiá-lo. Devia estar amaldiçoando cada passo que ele deu em minha direção. Mas tudo o que sentia era um turbilhão enlouquecedor. Medo. Desejo. Raiva. Tensão. Um caos que não fazia sentido.Achei que, ao entrar naquela floresta, teria alguma chance. Que ele não ousaria me seguir. Mas a verdade é que eu o subestimei.— Está fugindo de mim, Elara?A voz dele ecoou atrás de mim como um trovão abafado. Parei de correr, mas não me virei. Fec
As últimas batidas do meu coração ainda ecoavam dentro do meu peito. Meus lábios ainda ardiam pelo beijo que havíamos compartilhado, tão proibido quanto inevitável. Damon estava diante de mim, e por um momento, nada mais existia. A floresta em volta se calou, como se até ela tivesse medo de interromper aquele instante.Mas o silêncio não durou muito.— Isso... isso não deveria ter acontecido — murmurei, recuando um passo. Minhas pernas ainda estavam trêmulas, e eu não sabia se era pelo beijo ou pelo homem à minha frente.Ele deu um meio sorriso, aquele que me tirava o ar.— Mas aconteceu, Elara. E você correspondeu.Engoli em seco, sem saber como negar aquilo. Porque ele estava certo. Eu tinha correspondido. Cada centímetro do meu corpo havia gritado por ele.— Você é um vampiro... Eu sou humana. Isso é errado.— Errado para quem?— Para todos! — rebati, a voz mais alta do que pretendia. — Para mim, para você, para qualquer um. Não tem como isso dar certo. Não existe um "nós".Ele se
Acordei assustada, como se um vento gélido tivesse passado direto por dentro de mim. Meus olhos se abriram num sobressalto, e levei alguns segundos para entender onde estava. As cortinas pesadas ainda bloqueavam a luz da madrugada, mergulhando o quarto em penumbra. Meus sentidos estavam confusos, o coração acelerado batendo contra as costelas. E então me lembrei.O quarto. As portas trancadas. Damon.Sentei-me devagar, sentindo os lençóis grossos e macios contra minha pele. A lareira crepitava baixo, emitindo apenas calor o suficiente para espantar o frio da madrugada, mas não o suficiente para aquecer meu peito. Foi aí que senti. A presença. Densa. Silenciosa.Havia alguém ali.Virei o rosto lentamente. E então o vi.No canto mais escuro do quarto, onde a luz da lareira não alcançava, ele estava de pé, como uma estátua feita de trevas. Os olhos vermelhos como brasa ardiam no escuro. Damon.— O que está fazendo aí? — minha voz saiu baixa, trêmula, entre a indignação e o medo.Ele deu
Narrado por Elara Há mil anos, dizem que o sol deixou de nascer sobre os Montes de Eldraven. Mas eu nunca vi o sol, então pra mim… ele é só mais uma lenda. Como tantas outras que nos contam pra manter a gente obediente. Aqui em Caerlyn, vivemos sob o véu da escuridão eterna, cercados por muralhas altas e preces sussurradas. Prata nas portas, símbolos sagrados nas janelas, e medo... muito medo. As pessoas acham que isso nos protege. Eu sei que só nos isola. As Terras Escarlates se estendem logo além da floresta. Ninguém fala nelas em voz alta, mas todos já ouviram os nomes que o vento carrega: Vareth, o castelo negro, e Damon Valtor — o vampiro ancestral, o príncipe do sangue, o monstro escondido em silêncio há séculos. Mas eu não tenho medo de nomes. Meu nome é Elara, e desde pequena eu soube que não pertencia a esse lugar. Fui criada por uma curandeira velha que me ensinou mais com livros do que com bênçãos. Sempre achei que os muros não estavam ali pra manter os monstros for