Sangue Lunar
Sangue Lunar
Por: Layra Heil
Prologo

A noite estava envolta em um silêncio estranho, quase inquietante. Nem mesmo o canto dos grilos se atrevia a romper a atmosfera densa que pairava sobre a floresta. A lua cheia, escondida por entre as nuvens escuras, mal iluminava a pequena cabana no coração do território da alcateia. Dentro, Selene gargalhava enquanto brincava com seu pai, saltando entre suas pernas enquanto ele a levantava no ar. Aqueles eram momentos preciosos, uma rotina que a fazia sentir-se segura e amada.

Um som cortante ecoou pelo ar, um ruivo longo e penetrante, o sinal de  alerta de perigo, algo terrível estava prestes a acontecer. As brincadeiras cessaram no mesmo instante. Selene parou e olhou para o pai com uma expressão assustada. 

—  Papai, você ouviu isso? — perguntou, com a voz trêmula 

Antes que ele pudesse responder, a porta da frente foi escancarada. A mãe de Selene entrou correndo, os olhos arregalados e o rosto pálido. Sua respiração estava ofegante, e seus lábios tremiam ao tentar falar

.— Precisamos sair daqui. Agora! 

O pai da garota sabia que para Elara a mulher que ele casou a quase vinte anos, aparecer na porta, branca igual um fantasma, só podia significar uma coisa, o dia que tanto temiam chegou, sua filha estava em perigo. Eles nunca tiveram seguros, mas gostavam de imaginar que eram uma família normal, apesar de o normal daquele lado da fronteira significar outra coisa.

Sem pensar duas vezes ele coloca a garota miúda de cabelos escuros e olhos lilás assustados em suas costas.Juntos, eles saíram apressados pela porta dos fundos, mergulhando na escuridão da floresta. O vento cortante soprava entre as árvores, fazendo as folhas murmurarem como se a natureza pressentisse o que estava por vir.  

O caminho feito em meio às trevas da noite, foi traçado assim que eles descobriram que teriam um bebê a caminho. Selene estaria segura por tempo suficiente para erguerem uma proteção sólida.Tudo que eles tinham que fazer era alcançar  o rio que separava o território da alcateia do Reino dos Humanos, seus rastros seriam apagados, novos nomes, novos documentos, nova vida.

A lua aparece novamente no céu, sem o manto escuro das nuvens escondendo seu brilho, clareando o caminho árduo da família. Ao longe o silêncio se  rompeu em gritos  e uivos estridentes,  chamas começavam a se crepitar ao oeste.

O cheiro de fumaça alcança o trio fugitivo, uma nuvem densa e pungente que se mistura ao ferro metálico do sangue no ar. O aroma opressivo é um sinal claro da batalha sangrenta que seus companheiros enfrentam nas proximidades. Claro, parece covardia fugir enquanto seus amigos, familiares e desconhecidos estão lutando, mas o sacrifício vai valer a pena desde que a Selene fique salva.

A mãe desviava o olhar da garota que se agarrava ao pescoço do pai, suas pequenas mãos trêmulas envolviam-no com desespero. A expressão da criança misturava pavor e confusão, Elara tentava reprimir a dor em seu peito que lentamente a sufocava.

— Carl?  — Elara chamou pelo marido, angustiada, enquanto olhava para todos os lados em busca de algo. O suor escorria de sua pele dourada, misturando-se com o pânico em seus olhos.

— Eles estão por perto — murmurou Carl, tentando rastrear o cheiro de seus perseguidores.

A mulher  estacou, seu corpo exalava medo. O ar pareceu escapar de seus pulmões enquanto ela se posicionava à frente de Carl, suas pernas trêmulas quase incapazes de sustentá-la.

Subitamente, uma figura emergiu das sombras com uma sutileza quase imperceptível. Agora, ele bloqueia a trilha, sua presença irradiando uma maldade pura e palpável. Seus olhos frios brilhavam no meio do breu, como os de um predador à espreita, e no fundo, era exatamente isso que ele era — um caçador em busca de sangue fresco.

  —Você? — balbuciou ela, incrédula. O homem sorriu de forma sinistra, os dentes brancos à mostra em um rosnado de escárnio.

— Fico feliz que não tenha me esquecido, docinho — respondeu ele, com uma voz rouca e irônica. — Como foram os últimos dias na fronteira, Carl? Fiquei sabendo que teve alguns problemas?

Ele cuspiu no chão com desdém, enquanto girava a adaga com o cabo revestido em couro com uma destreza entre os dedos. 

As peças começaram a se encaixar, Carl entendeu que os ataques inesperados há dias, já tinha sido orquestrado para uma batalha maior. Ele sofreu  graves danos ao interceptar alguns invasores, ficou em um estado deplorável, fraco e impossibilitado de transmutar. Uma emboscada muito bem planejada que poderia causar sua morte agora.

O pai de Selene seria um alvo fácil, não apenas por sua altura impressionante de quase dois metros e seu corpo extremamente largo, mas também porque seus inimigos sabiam exatamente seus pontos fracos naquele momento . Ele ainda andava com dificuldade, seus movimentos eram pesados e sentia dor em cada osso de seu corpo. Embora o sangue dos lobos carregue o poder de regeneração, isso nem sempre funciona, especialmente contra armas forjadas com químicos da prata.

— O que você  quer Adam?  

— Desça a criança das suas costas para que possamos conversar como adultos — a voz de Adam saiu friamente.

Selene chorava em desespero, seu pavor cresceu ainda mais quando seu pai a colocou no chão. A garota não entendeu o que estava acontecendo, muito menos quem era aquele homem que provocava tanto medo em seus pais. Ela não os culpava, pois sentia o mesmo terror. Incapaz de encarar a figura ameaçante à sua frente, passou a acreditar que, de alguma maneira, se o fitasse, ele drenaria sua alma.

Mais figuras surgiram por entre as árvores, cercando-os por todos os lados. As silhuetas dos inimigos se moviam como sombras, rápidas e silenciosas, suas intenções claras nos olhares gélidos que lançavam.

Elara, com as mãos trêmulas, puxou um colar delicado que sempre carregava em seu pescoço, os dedos mal conseguindo desfazer o fecho. Ela o colocou rapidamente na palma de Selene, fechando na pequena mão da filha ao redor do objeto.

— Selene, ouça! Você precisa correr até o rio, você sabe o caminho. — A voz de Elara era firme — Não olhe para trás! Não importa o que você escute, não pare de correr!

Ela fez uma pausa, respirando fundo, tentando controlar o medo que ameaçava dominar. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas ela não podia desmoronar. 

— Estou com medo — Choraminga a garotinha com um suspiro desesperado

Elara se ajoelhou, segurando as pequenas mãos da filha entre as suas — Eu sei, minha pequena , disse ela, com a voz sussurrada. — Mas preciso que você seja forte, ok? Por mim... pelo seu pai.

Selene  olhou em direção ao pai que ainda tentava de alguma forma sair de tudo aquilo com vida, ela assentiu, mesmo com o pavor apertando seu peito e ansia de vomito parando em sua garganta. Ela deu um último olhar para os pais antes de se virar e começar a correr pela trilha escura, sentindo o frio gelado das folhas e arbustos sob seus pés descalços.

— Eu quero a garota— Adam exige entre os dentes para alguém ao seu lado — Traga-a para mim viva.

Carl e Elara se posicionaram à sua frente, bloqueando a passagem. Alguns minutos era tudo que precisavam, e estavam dispostos a arriscarem a própria vida por isso.

 Selene corria, o som de gritos e corpos caindo atrás de si a alcançava. O coração batia descontrolado, mas ela não se atreveu a olhar para trás, conforme prometeu a mãe. Corria como nunca na vida, de fato algo impressionante para uma criança tão pequena. A floresta conspirava contra ela, os galhos agarravam suas pernas, seus pés latejavam de dor contra o solo duro com alguns pedregulhos. O peito ardia com o esforço, ela sabia que o rio estava logo à frente.

O pai brincava de pega pega com ela pelo percurso quase todos dias, o pai a treinava em  meio às brincadeira como um plano B.

Seus pés traiçoeiros tropeçaram em algo duro, fazendo-a cair e bater a cabeça no chão. A dor foi imediata, sua visão turvou e o mundo ao seu redor parecia girar descontroladamente. Ela mal conseguia se mover. O barulho dos passos se aproximava, precisava levantar e ir ao rio conforme mamãe a pediu, dando o último impulso para sua determinação. Com uma explosão final de coragem, ela conseguiu se pôr de pé e correu, mesmo com a cabeça girando e as pernas ameaçando fracassar. O reflexo da lua brilhava sobre a água turva pela escuridão, sem pensar duas vezes, ela pulou para dentro do rio.

A correnteza a arrastava com força, engolindo seu grito. 

— Porra, nós a perdemos! — foi a última coisa que alcançou seus ouvidos. A floresta mergulhou em um silêncio inquietante enquanto Selena era levada pela água gelada, sua consciência se desfazendo aos poucos. No meio da escuridão, o colar em suas mão brilhava fracamente, a única lembrança do que havia deixado para trás. O rio a levou para longe e ela se entregou ao vazio de sua mente.

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