Estamos deitados no chão do celeiro abandonado. O cheiro de feno e poeira no ar não me incomoda, de alguma forma, até me sinto grata por momentos como este. Alex está ao meu lado, e sua proximidade faz o tempo parar, me fazendo esquecer de tudo lá fora.
— Queria ficar assim com você para sempre — ele diz, a voz suave, mas cheia de um desejo que eu já conheço bem. Eu sei o que vem a seguir, e sinto o peso daquilo que não posso corresponder. Gosto dele, de maneiras que não saberia explicar, mas não o suficiente para transformar o que temos em algo mais sério.
— Ei, não precisa ficar toda tensa. Eu não disse nada demais. — Ele tenta suavizar, mas meu corpo fica mais rigido.
— Acho melhor irmos. Já está ficando muito tarde, e algum guarda pode aparecer por aqui. — Digo, tentando esconder o nervosismo, levantando e pegando minhas roupas, jogadas em algum canto do celeiro.
Alex suspira ao meu lado, passando a mão em seus cabelos dourados, agora mais longos que o normal. Ele é uma pessoa muito bonita, e eu nunca me canso de olhá-lo, especialmente quando ele está despido na minha frente.
Ele se levanta, me abraçando por trás, suas mãos quentes deslizam em minha cintura.
— Olha, Mandy — ele começa, sua voz baixa, quase um sussurro contra minha pele. — Eu sei que você não quer nada sério agora. Só quero que saiba que vou te esperar, não importa quanto tempo demore.
Sinto um calafrio percorrer minha espinha enquanto engulo em seco, absorvendo o calor de seu peito nu em minhas costas. Ele é intenso demais para ser ignorado, e o toque de seus lábios em meu pescoço me faz derreter. Um suspiro escapa de meus lábios.
— Isso é jogo baixo... — consigo murmurar, quase em um gemido, sentindo o prazer e o conflito se misturando dentro de mim.
Ele sorri contra minha pele.
— Vamos, já ficamos muito tempo por aqui. Daqui a pouco a dona Sena vai atrás de nós. — Ele diz em seu tom brincalhão.
Deixo escapar uma risada baixa, as tensões do momento se dissipando por um breve instante. Nos vestimos rapidamente e saímos.
Estamos quase na metade do caminho quando, de repente, o homem que me salvou nas últimas horas, evitando que fosse espancada na frente de todos, aparece. Ele me encara por alguns segundos, seus olhos passando por mim de forma penetrante, antes de direcionar um olhar raivoso para Alex, que está tenso ao meu lado.
— O que vocês estão fazendo fora de suas casas? — ele pergunta ríspido.
— Aproveitando a noite para esfriar os pensamentos, se é que me entende. — respondo rapidamente, fazendo um trocadilho com o frio que congela meus ossos. Por um instante, fico tentada a voltar para o celeiro e aceitar a proposta de Alex, de ficarmos no celeiro, agarrados para sempre.
Vejo a mandíbula do homem se tensionar, e isso me desperta um frio no estômago. De fato devo aprender a ficar calada.
— Regras são feitas para serem seguidas, senhorita Mandy. Pelo visto, você não entende muito bem isso, não é mesmo?
Minhas sobrancelhas se arqueiam em surpresa. Ele sabe meu nome? E a forma como o pronuncia...
Fascinante.
Eu não consigo evitar de me sentir atraída pela sua presença, apesar da raiva que parece exalar dele.
— Que eu saiba, estamos dentro do complexo. Nesse caso, o toque de recolher se prolonga até meia-noite. E como os sinos ainda não tocaram, tenho certeza de que não estou infringindo nenhuma regra — respondo com calma, tentando manter a postura.
Ele me encara por um momento, quase com um sorriso nos lábios. Agora, sem o pavor de antes, consigo ver melhor seus traços. Ele não parece muito mais velho que eu, talvez uns vinte anos ou menos.
Alex permanece quieto, olhando rigidamente para frente. Eu sei que ele odeia entrar em confusão no complexo. Para ser justa, ele nunca se meteu em nenhuma. Ele tem medo de que qualquer problema possa prejudicar a saúde de seu pai, que está deteriorando na cama desde que sua mãe faleceu. Geralmente, sou eu quem compra as brigas para defendê-lo.
— Você quem é? — o homem pergunta, agora se dirigindo a Alex.
— Alex, senhor — ele responde, sem tirar os olhos do caminho.
— Bom, você parece ter mais bom senso que sua namorada — o homem diz, a frase saindo com um toque de sarcasmo.
— Nós não somos namorados — digo rapidamente, e percebo um leve brilho de aprovação nos olhos dele, como se tivesse gostado da resposta.
O homem faz uma pausa, olhando-me de cima a baixo, antes de dizer:
— Alex, se me permite, gostaria de acompanhar a senhorita Mandy até sua residência. Tenho assuntos a tratar com ela e gostaria de aproveitar o tempo.
— Tenho certeza de que qualquer coisa que queira falar comigo pode esperar até amanhã. Gostaria de aproveitar um pouco mais o tempo que tenho com Alex, senhor... — faço uma pausa, gesticulando para que ele completasse a frase com seu nome.
— Kain Castilho — ele diz, abrindo um sorriso largo. Kain Castilho, o príncipe de Cerne. Neste momento, a temperatura parece cair ainda mais, pois não consigo mais sentir os meus ossos.
— Oh... Claro — são as únicas palavras que consigo pronunciar, minha mente tentando processar o que um príncipe gostaria de falar comigo.
Alex está mais pálido do que o normal. Se eu não o conhecesse bem, poderia jurar que ele estava morrendo de medo.
— Sen... Majestade, não quero ser oportuno. Se me permitir, posso acompanhar você, juntamente com Mandy, até a casa dela. — Ele diz, tentando parecer educado, mas a tensão é clara em sua voz.
— Não será necessário, cavaleiro. O que tenho a dizer à senhorita Mandy são apenas alguns alinhamentos. — Kain responde com firmeza, seu olhar fixo em mim inundando meu corpo como lava de vulcão.
Alex concorda com a cabeça, visivelmente desconfortável, e vejo seu pomo de adão subir e descer antes de ele pronunciar:
— Certo. Como desejar, majestade.
Eu respiro fundo, tentando manter a calma, e volto a falar:
— Eu tenho certeza de que podemos conversar amanhã. Não seria apropriado para Vossa Alteza ser visto andando por aí com uma pessoa como eu. E, de fato, eu gostaria de aproveitar minha última hora com Alex.
Kain sorri suavemente, ele me avalia para ter certeza que não estou brincando com a cara dele.
— Acho que não perguntei à senhorita o que gostaria — diz ele. — Preciso falar com você e não vejo momento mais oportuno do que este.
— Como quiser, Vossa Majestade. — Respondo, me aproximando de Alex e lhe dando um beijo suave na lateral de seus lábios.
— Te vejo amanhã? — Pergunto, minha voz suave, quase um suspiro.
Alex assente, um pouco mais calmo agora, e há um brilho de alívio em seus olhos, como se finalmente tivesse conseguido lidar com a tensão do momento.
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— Pensei ter escutado que vocês dois não eram namorados. — Kain fala, sua postura impecável, com as mãos atrás do casaco de pele de urso perfeitamente alinhado.
— E não somos, majestade. — Respondo
— Por favor, me chame de Kain.
— Isso é muito íntimo, majestade. Não gostaria que as pessoas entendessem errado.
Ele segura meu braço com delicadeza, mas a pressão é suficiente para me forçar a parar.
— Olha pra mim, Mandy. — Ele exige, e, sem pensar, obedeço.
Ele está tão perto agora que posso sentir o cheiro de menta do seu hálito pairando sobre mim.
— Por favor, me chame de Kain. — Ele repete colocando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
— Ka...Kain. Certo. — Consigo dizer quase em uma súplica.
— Agora que estamos de acordo em relação a isso... — Ele pigarreia, soltando meu braço e voltando a andar pelo caminho— Gostaria de saber o que anda acontecendo aqui?
Demoro alguns segundos antes de confiar em minha pernas para conseguir andar
— Como assim, o que? — Pergunto, tentando esconder minha surpresa. Com certeza, isso deve ser uma pegadinha. Ele deve pensar que sou ingênua o suficiente para acreditar que não sabe o que está acontecendo por aqui.
— Eu não sabia das situações das pessoas que moram aqui até o dia de hoje. Como você deve saber, eu não estive em casa desde os meus dez anos. Fui enviado ao centro de treinamentos... — Ele não termina a frase.Isso me deixa curiosa, me perguntando onde ele esteve todos esses anos, ninguém sequer o tinha visto até hoje.
— O que eu quero dizer, Mandy, é que meu pai deu ordens expressas para que mantimentos fossem enviados para a população dos cinco complexos. E quando eu chego, vejo que isso nem sequer aconteceu. — Ele diz, a frustração clara em sua voz.
— Bom, se isso for mesmo verdade, acredito que seu pai deveria aparecer mais pelos complexos. Pois, desde que eu me entendo por gente, nossa situação é a essa que você ver aqui.
— Eu vou descobrir o que está acontecendo. Não é justo que você tenha que sair em meia nevasca para conseguir caçar. — Ele passa a mão pelo cabelo — As coisas lá fora estão cada dia pior. Não vai demorar muito para que uma nova guerra exploda.
Chegamos na porta da minha casa no exato momento que os sinos começam a tocar, eu deveria dizer alguma coisa em relação a tudo que ele está tentando dizer, mas devo confessar que não estou compreendendo, muito menos porque ele gostaria de falar comigo. Esse poderia esperar até amanhã, isso não tinha dúvida e com qualquer pessoa.
— Boa noite Kain.
Ele sorri para mim mostrando as covinhas em suas bochechas.
— Boa noite Mandy. Ele ainda estava sorrindo quando entrei na cabana.
Uivos soavam como alarmes em toda parte, o cheiro de ferrugem e fumaça inundava meu nariz fazendo arder cada célula do meu corpo.Está muito escuro, não sei onde estou, mas posso ouvir passos pesados atrás de mim. Lobos, muitos deles saem da escuridão, suas pelagens densas brilhavam sobre o luar.Um homem se aproxima arrastando pelos cabelos uma jovem de cabelos dourados tão claros que são quase branco, seu rosto é redondo e sua pele brilha como porcelana. O homem puxa mais seus cabelos até que ela esteja de joelho olhando para ele, consigo enxergar através da névoa que começa se formar sua orelha pontuda. Uma elfa.Já tinha escutado histórias sobre elas, mas nunca cheguei a ver uma de verdade, até pensei que elas tinham sido extintas na última guerra. Os uivos ficam mais estridentes, levo as mãos nos ouvidos para amenizar o som.A nevoa fica mais densa, tenho que me esforçar para conseguir enxergar com clareza. O homem joga a elfa no chão e segura sua cabeça com coturnos pretos, el
A noite estava envolta em um silêncio estranho, quase inquietante. Nem mesmo o canto dos grilos se atrevia a romper a atmosfera densa que pairava sobre a floresta. A lua cheia, escondida por entre as nuvens escuras, mal iluminava a pequena cabana no coração do território da alcateia. Dentro, Selene gargalhava enquanto brincava com seu pai, saltando entre suas pernas enquanto ele a levantava no ar. Aqueles eram momentos preciosos, uma rotina que a fazia sentir-se segura e amada.Um som cortante ecoou pelo ar, um ruivo longo e penetrante, o sinal de alerta de perigo, algo terrível estava prestes a acontecer. As brincadeiras cessaram no mesmo instante. Selene parou e olhou para o pai com uma expressão assustada. — Papai, você ouviu isso? — perguntou, com a voz trêmula Antes que ele pudesse responder, a porta da frente foi escancarada. A mãe de Selene entrou correndo, os olhos arregalados e o rosto pálido. Sua respiração estava ofegante, e seus lábios tremiam ao tentar falar.— Precis
O dia está congelante, com camadas espessas de neve cobrindo todo o solo de Castile, um dos principais complexos de Cerne, o reino dos humanos. Sinto fome, e nem me lembro da última vez que consegui comer. O inverno é especialmente severo para aqueles deste lado da muralha. É difícil sair para caçar, não apenas porque a maioria não tem roupas adequadas para o frio, mas também porque estamos cercados por idosos e crianças, que não conseguem ser rápidos o suficiente para voltar antes do toque de recolher. Os poucos que ainda têm forças para sair em busca de comida voltam com as mãos vazias.Eu deveria estar a caminho dos portões, no entanto, aqui estou tentando acompanhar um casal de raposas brancas. Elas deslizam entre os arbustos, desaparecendo na bruma. Eu me arrasto atrás delas, com cuidado, sem fazer barulho. Ajeito o arco e flecha nas costas, sentindo o peso familiar. Miro no pescoço de uma delas e atiro, manchando a neve com sangue quente. A outra raposa foge assustada. Vou até
Sena me esperava na cabana com água fervendo em seu caldeirão de barro. De alguma forma ela sempre sabia quando eu voltaria com comida. Jogo a raposa branca na mesa de madeira tão velha que rangeu com o impacto.Não digo nada, apenas pego uma adaga maior para limpar a pele do animal, cortando com cuidado para que possamos utilizá-lo para fazer uma capa para Ana, nossa vizinha de apenas de cinco anos que enfrenta febre alta há pouco mais de uma semana. A carne da raposa não vai durar o tanto que eu gostaria, mas será suficiente para dividir para algumas pessoas próximas de nós. Infelizmente não consigo ajudar a todos, já faço o bastante arriscando minha miserável vida.— Lágrimas são um ótimo tempero para os alimentos, sabia? — minha avó quebra o silêncio.Só então percebo que estou chorando sobre a carne que corto. Passo a mão, suja de sangue, pelo rosto.— Eu sou um desastre — suspiro, caminhando até a bacia próxima para me limpar.— Vai tomar um banho, eu termino aqui — ela diz com