Uivos soavam como alarmes em toda parte, o cheiro de ferrugem e fumaça inundava meu nariz fazendo arder cada célula do meu corpo.
Está muito escuro, não sei onde estou, mas posso ouvir passos pesados atrás de mim.
Lobos, muitos deles saem da escuridão, suas pelagens densas brilhavam sobre o luar.
Um homem se aproxima arrastando pelos cabelos uma jovem de cabelos dourados tão claros que são quase branco, seu rosto é redondo e sua pele brilha como porcelana. O homem puxa mais seus cabelos até que ela esteja de joelho olhando para ele, consigo enxergar através da névoa que começa se formar sua orelha pontuda. Uma elfa.
Já tinha escutado histórias sobre elas, mas nunca cheguei a ver uma de verdade, até pensei que elas tinham sido extintas na última guerra.
Os uivos ficam mais estridentes, levo as mãos nos ouvidos para amenizar o som.
A nevoa fica mais densa, tenho que me esforçar para conseguir enxergar com clareza. O homem j**a a elfa no chão e segura sua cabeça com coturnos pretos, ela olha para mim com um sorriso delicado nos lábios. Acho que ela está falando, sua boca se movimenta mais uma vez antes que o machado desça cortando sua cabeça.
Eu grito. A névoa desaparece e as palavras que ela tentava me dizer me alcançam “Está na hora de reinar, seu povo precisa de você.’’
Acordo assustada, meu corpo inteiro se sacode em tremores intensos.
Esfrego meu rosto para ter certeza que foi só mais um pesadelo, um dos muitos que estou tendo há algum tempo.
O ambiente está iluminado pelo fogo do fogão a lenha, procuro minha avó no pequeno quadrado que chamamos de casa. Não tem muito onde procurar, aqui do meu quarto consigo enxergar a cozinha pequena com prateleiras repletas de poções e elixir, uma mesa velha, alguns anzois na parede de madeira gasta com o restante da carne da raposa que salgamos para não estragar e uma figura pequena encolhida em um cantinho com os cabelos brancos como a neve solto pelas costas.
Levanto indo em sua direção, ela não parece notar a minha presença até que sento no chão e apoio minha cabeça em seu colo.
— Está tudo bem vovó?
— Hoje o sol apareceu, o inverno finalmente acabou.
Esse o jeito dela de dizer que está bem, dou uma risada desajeitada esperando o dia finalmente iluminar.
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Três batidas na porta, não preciso perguntar quem é para saber que Alex esperava autorização para entrar do outro lado.
—Entre.
Ele entra com um sorriso largo no rosto e com uma sacola de tecido creme nas mãos.
— Posso saber o motivo de tanta felicidade?
Alex estica sacola em minha direção batendo ansiosamente o pé sobre o piso. O olho com desconfiança abrindo a sacola e me surpreendendo com o tanto de frutas, carne seca e até mesmo pão dentro dela.
— Onde conseguiu isso?
— O príncipe Kain pediu para entregar hoje antes do sol nascer. Não sei o que ele espera com isso, mas posso dizer que esse é o dia mais feliz da minha vida.
Dou risada com a empolgação dele.
— Achei que seus dias mais felizes são quando estou ao seu lado. — Brinco, um sorriso nos lábios.
— Isso com toda certeza é mais que felicidade. — Alex responde, se aproximando de mim para roubar um beijo.
Mas antes que nossos lábios se toquem, alguém pigarreia em frente à porta, fazendo com que Alex e eu pulemos para nos afastar um do outro.
— Creio que vocês deveriam fechar a porta para uma demonstração de afeto. Tem crianças por aqui, caso não saiba. — Kain diz, parado com os braços cruzados, nos encarando com uma raiva que não passa despercebida.
— Posso ajudá-lo, Kain?
Alex parece surpreso com a minha informalidade, um leve desconforto em sua postura. Eu deveria disfarçar especialmente na frente de outras pessoas.
Minha avó chega no exato momento. Ela me observa por um instante, sorrindo discretamente antes de falar.
— Vossa Majestade.
— Não precisamos de formalidade, Sena. — Responde Kain — A senhora sabe como odeio que meus amigos próximos utilizem meu título para se referir a mim.
— Amigos? — Pergunto sem entender, e sei que Alex parece tão confuso quanto eu.
— Então... — Minha avó começa, mudando de assunto rapidamente, para evitar novas perguntas. — O que traz a sua magnífica presença aqui hoje?
— Vim buscar Mandy para um passeio. — Ele diz com um sorriso, aparentemente relaxando um pouco.
— Gostaria de entrar primeiro? Posso fazer um chá de orquídea branca, que sei que você adora.
— Se não for incomodá-la.
— Claro que não, menino. Entre, entre. — Minha avó responde, gesticulando para que Kain entre.
— O que está acontecendo aqui, Mandy? — Alex sussurra para mim
— Não faço a mínima ideia. Mas não estou gostando de nada disso. — Respondo, tentando esconder o desconforto que sinto.
— Nem eu. — Ele diz, sua mão quase involuntariamente apertando a minha por um momento, como se procurasse algum tipo de segurança. Alguém está com ciúmes e com certeza não sou eu.
Alex mantém a distância, sem querer se aproximar de Kain, que parece tão à vontade, como se a presença dele aqui fosse a coisa mais natural do mundo.
E me pergunto novamente, o que está acontecendo aqui?
A noite estava envolta em um silêncio estranho, quase inquietante. Nem mesmo o canto dos grilos se atrevia a romper a atmosfera densa que pairava sobre a floresta. A lua cheia, escondida por entre as nuvens escuras, mal iluminava a pequena cabana no coração do território da alcateia. Dentro, Selene gargalhava enquanto brincava com seu pai, saltando entre suas pernas enquanto ele a levantava no ar. Aqueles eram momentos preciosos, uma rotina que a fazia sentir-se segura e amada.Um som cortante ecoou pelo ar, um ruivo longo e penetrante, o sinal de alerta de perigo, algo terrível estava prestes a acontecer. As brincadeiras cessaram no mesmo instante. Selene parou e olhou para o pai com uma expressão assustada. — Papai, você ouviu isso? — perguntou, com a voz trêmula Antes que ele pudesse responder, a porta da frente foi escancarada. A mãe de Selene entrou correndo, os olhos arregalados e o rosto pálido. Sua respiração estava ofegante, e seus lábios tremiam ao tentar falar.— Precis
O dia está congelante, com camadas espessas de neve cobrindo todo o solo de Castile, um dos principais complexos de Cerne, o reino dos humanos. Sinto fome, e nem me lembro da última vez que consegui comer. O inverno é especialmente severo para aqueles deste lado da muralha. É difícil sair para caçar, não apenas porque a maioria não tem roupas adequadas para o frio, mas também porque estamos cercados por idosos e crianças, que não conseguem ser rápidos o suficiente para voltar antes do toque de recolher. Os poucos que ainda têm forças para sair em busca de comida voltam com as mãos vazias.Eu deveria estar a caminho dos portões, no entanto, aqui estou tentando acompanhar um casal de raposas brancas. Elas deslizam entre os arbustos, desaparecendo na bruma. Eu me arrasto atrás delas, com cuidado, sem fazer barulho. Ajeito o arco e flecha nas costas, sentindo o peso familiar. Miro no pescoço de uma delas e atiro, manchando a neve com sangue quente. A outra raposa foge assustada. Vou até
Sena me esperava na cabana com água fervendo em seu caldeirão de barro. De alguma forma ela sempre sabia quando eu voltaria com comida. Jogo a raposa branca na mesa de madeira tão velha que rangeu com o impacto.Não digo nada, apenas pego uma adaga maior para limpar a pele do animal, cortando com cuidado para que possamos utilizá-lo para fazer uma capa para Ana, nossa vizinha de apenas de cinco anos que enfrenta febre alta há pouco mais de uma semana. A carne da raposa não vai durar o tanto que eu gostaria, mas será suficiente para dividir para algumas pessoas próximas de nós. Infelizmente não consigo ajudar a todos, já faço o bastante arriscando minha miserável vida.— Lágrimas são um ótimo tempero para os alimentos, sabia? — minha avó quebra o silêncio.Só então percebo que estou chorando sobre a carne que corto. Passo a mão, suja de sangue, pelo rosto.— Eu sou um desastre — suspiro, caminhando até a bacia próxima para me limpar.— Vai tomar um banho, eu termino aqui — ela diz com
Estamos deitados no chão do celeiro abandonado. O cheiro de feno e poeira no ar não me incomoda, de alguma forma, até me sinto grata por momentos como este. Alex está ao meu lado, e sua proximidade faz o tempo parar, me fazendo esquecer de tudo lá fora.— Queria ficar assim com você para sempre — ele diz, a voz suave, mas cheia de um desejo que eu já conheço bem. Eu sei o que vem a seguir, e sinto o peso daquilo que não posso corresponder. Gosto dele, de maneiras que não saberia explicar, mas não o suficiente para transformar o que temos em algo mais sério.— Ei, não precisa ficar toda tensa. Eu não disse nada demais. — Ele tenta suavizar, mas meu corpo fica mais rigido.— Acho melhor irmos. Já está ficando muito tarde, e algum guarda pode aparecer por aqui. — Digo, tentando esconder o nervosismo, levantando e pegando minhas roupas, jogadas em algum canto do celeiro.Alex suspira ao meu lado, passando a mão em seus cabelos dourados, agora mais longos que o normal. Ele é uma pessoa mui