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SOPHIA
SOPHIA
Por: ABDENAL CARVALHO
Capítulo 1- Infância

Seu nome era Sophia, nasceu numa cidade miserável do Nordeste, filha de uma mãe que ganhava a vida na prostituição e um pai que se matava no boteco da esquina, bebendo cachaça com uma turma de alcoólatras iguais a ele. Seus dois irmãos mais velhos não queriam nada na vida, apenas fumar maconha e fazer assaltos na vizinhança. Já tinham sido ameaçados de morte diversas vezes, porém nenhum dos que os ameaçaram foram machos o suficiente para executar o prometido.

 Desde cedo aprendeu a não pensar no amor e na paixão, sua mãe dizia que isso era sentimento de gente fraca, quem se apaixonava só fazia tolices e servia de otário para os outros. Solta pelas ruas, fazia amizades com todo tipo de gente, mas sabia diferenciar os bons dos maus e dessa forma nunca deixou que o pior lhe acontecesse. Às vezes dormia no velho barraco feito de barro pisado com pedras.  Coberto com palhas de palmeiras, em outras ocasiões pelas casas da vizinhança ou até mesmo pelos bancos das praças.

 Em cima das mesas de bilhar expostas nas frentes dos bares fechados depois da meia noite e, em poucas ocasiões, se valeu de uma calçada para tirar um sono. Numa manhã escaldante de verão, apesar de naquela terra maldita nunca existir inverno, o cachaceiro de seu pai deu de cara com a morte e foi encontrado duro num beco qualquer. As pessoas lamentaram, alguém piedoso pagou o enterro para evitar que o defunto apodrecesse no meio da rua. Muitos outros ébrios vieram ao funeral, passaram a noite tomando café e jogando dama, dominó ou baralho.

 Talvez festejando a ida do colega para o inferno, lugar para onde sem dúvida eles um dia também iriam. Bem, ele nunca foi mesmo assim tão necessário, não passava de um inútil que só lhe causava vergonha.  Era o seu aniversário, olha só que belo presente ganhou. Agora, todo dia cinco de dezembro iria lembrar daquela tragédia. Tragédia? Não, nem tanto, lembraria apenas como o dia em que viu um homem matar a si mesmo aos poucos, através do álcool. Porque foi covarde demais para admitir que fraquejou diante da vida e não foi forte o suficiente para vencer as dificuldades.

 Perdeu a coragem de lutar e de tão frouxo escolheu deixar que o vício o matasse, visto que sequer teve o mínimo de coragem para dar um único tiro de misericórdia na cabeça ou pendurar uma corda no pescoço, permitindo-se morrer com um pouco de dignidade.  Chegou a hora de levar o defunto ao cemitério público da cidade, um cortejo de curiosos e desocupados acompanhavam o caixão. Que foi num carro da prefeitura, havia um ônibus velho que transportou a pequena comitiva, onde a maioria eram cachaceiros iguais ao morto.

O lugar era horrível, cheio de matos, e a cova era tão rasa que mal deu para colocar o caixão.  Depois de enterrado o preguiçoso do coveiro ainda precisou jogar um montão de barro por cima para poder cobrir totalmente o coitado. A sepultura era simples, nada de lápides com o nome, datas ou qualquer outra homenagem ao perdido, coisa de pobre.  Observava qualquer movimento, curiosa e irrequieta andava de um lado para outro entre as pessoas presentes ali, querendo ver e saber de tudo.

 Hora de retornar, o velho ônibus rangia as ferragens enferrujadas enquanto corria pela estrada, quanta pobreza junta num só dia! Aos dez anos de idade já tinha ido à escola várias vezes, mas nada aprendia porque sua mãe a matriculava somente para ter direito na bolsa família. Eram incentivo do governo federal para que as crianças tivessem condições de permanecer na escola.  Mas o dinheiro que ela recebia servia apenas para gastar em cosméticos.

 Que usava para ficar agradável aos olhos de seus amantes, com quem fazia programas pelas madrugadas. Em seguida vinha para casa e dormia o dia inteiro, parecia uma alma penada ou vampiro que só sai à noite atrás de suas vítimas.  A verdade é que não tinha família, ninguém que se importasse com a vida miserável que levava. Era como um cão sarnento que sobrevive catando os restos espalhados pelo chão.

Um pobre diabo que parece invisível ao olhar dos que andam de um lado para o outro nas avenidas, ruas, becos e estradas por onde estiverem. Mas, e daí, estava acostumada a não ter valor, a ser uma sombra que passava despercebida, um ser invisível para o restante do mundo. Estava habituada a encarar isso. Viveu o tempo todo no mesmo bairro, nunca foi além da feira livre. Onde catava frutas jogadas fora pelos feirantes e com elas se alimentava, algumas vezes até andou dormindo por lá, sobre as bancas vazias.

O vestido com estampas de flores vermelhas que ganhou a quase um ano estava velho e manchado, mais tinha outro com listras amarelas. Não trocava a pelo menos um mês, odiava a cor amarela. A calcinha, então, essa sim estava uma sujeira só!  Mas nem pensava nessas coisas de higiene, não queria ser igual a mãe que vivia se pintando toda para conquistar os homens, achava tudo aquilo ridículo. Se alguém tivesse que gostar dela tinha que ser natural, sem tanta frescura, pois não pretendia andar parecendo uma palhaça toda enfeitada para arranjar namorado ou marido. 

Mesmo reconhecendo que isso ajuda, porque sua mãe sempre aparecia com um novo cara, que a levando para a cama. Ah, isso ainda precisava entender, pois não compreendia direito o que diabos eles faziam trancados a noite inteira naquele quarto, era namorando? Mas o resto do pessoal do bairro namoravam lá na praça, ficavam se beijando. Uma vez parou e ficou observando o rapaz comendo a língua da moça, que nojeira! Mas tinha um tal de sexo que lhe falaram, onde o homem e a mulher ficam pelados, e deitam juntos.

 É quando vão fazer bebês.  Será que era isso que sua mãe estava fazendo no quarto com o monte de namorados que tinha? Mas que droga, as outras meninas entendiam de tudo isso porque tinham televisão em casa, na porcaria do barraco em que morava não tinha nem rádio! O pior é que os vizinhos só deixavam a menina assistir desenho animado. Ela adorava o pica pau, perna longa e as confusões de Tom e Jerry, mas com dez anos precisava deixar de lado essas infantilidades e aprender a ser adulta.

Queria saber mais sobre o tal sexo. Juliana era a loirinha, filha da comerciante ao lado, na verdade nem era um comércio grande, só uns quilinhos de arroz, feijão, açúcar e café numas prateleiras, vendia mais farinha e roubava no fiado. Ela era do tipo foguenta, via muita novela e dizia que os homens faziam saliência com as mulheres. Era tão sapeca que um dia, quando seus pais foram a igreja dos crentes, convidou a morta de fome para comer pipoca com refrigerante.

 Vendo um filme de sexo. Ela aceitou na hora, nem tanto pelo filme, mas para matar a fome. Ela tinha treze anos e as más línguas afirmavam já ter feito sacanagem com a garotada, bom, deixasse isso para lá, não era da sua conta. Ficaram as duas no escuro, ela ligou o DVD e começou o tal filme.  De repente a mulher começou a ficar pelada, tirando toda a roupa e mostrando tudo para o homem que assistia sentado num sofá, depois foi ele mesmo quem começou a se descascar todo. Ela parou de comer e fica de olhar congelado naquilo que vê na TV. 

Se assusta e de repente larga o que comia para sair correndo feito louca rua à fora. Nunca tinha visto um homem adulto pelado antes, era a primeira vez e foi horrível! Aquela moleca não prestava mesmo, passou a acreditar no que dizem a respeito dela, estavam certos. Daquele dia em diante não quis mais saber do tal sexo, coisa imunda, preferia voltar a ver desenhos ou algo do tipo inocente. Era fim de ano, o natal chegou e com ele a mesma rotina de sempre.  Ver todos na rua fazerem suas festas, ganharem presentes enfeitarem suas casas com muitas luzes.

 E belíssimas árvores de natal, enquanto no casebre onde morava nenhum enfeite existia. Aquela data significava amor, paz e muita alegria, afirmavam os moradores da vila sorriso, que ficava numa rua sem saída, tão apertada que mais parecia um beco. Mas para a infeliz não passava de um dia comum, como qualquer outro. Afinal, qual diferença faria para uma pobre coitada como aquela que vivia revirando lixo, alimentando-se dos sobejos que restavam da mesa dos mais abastados?  O que tinha de bom era que sobrava muita comida, bolos, refrigerantes...

 E lhe permitiam comer, levar para a mãe e os irmãos, que mesmo dando-lhe pouca importância ela lembrava deles de vez em quando. Amanhece e tudo permanece seco como antes, a terra onde nasceu parecia esquecida ou amaldiçoada por Deus, nunca chovia, é um sol escaldante de matar. A rotina se repete, vai para as ruas à procura de comida e ver se consegue brincar um pouco com os moleques. Só assim para esquecer o quanto é uma condenada a viver sempre de forma miserável.

 Pelo menos enquanto se divertia nas brincadeiras não pensava nessas coisas e continuaria sorrindo, como toda criança faz. Fingindo não perceber que é infeliz. O tempo passou e com ele a infância que se foi, vindo depois a adolescência, trazendo mais problemas, novas dificuldades. Um horizonte bem diferente do que antes conheceu, nas peraltices de menina pobre e na ilusão que somente a visão de uma criança consegue perceber.

Aos doze anos olha para sua realidade vazia e sem esperanças, a mãe vendendo o corpo para angariar trocados que só dava para comprar perfumes, os dois irmãos atrás das grades por participarem de um assalto fracassado.

 Se vê completamente perdida, no escuro, sem saber como mudar toda aquela situação. O prefeito da cidade reconstruiu o mercado e toda a feira em redor, o espaço mudou, ficou uma maravilha, o problema é que depois disso acabaram-se o desperdício de frutas.  E agora, como se alimentar sem as frutas que sobejava das bancas, bem, sempre haverá um jeito para tudo. Um dia Seu Getúlio espancou um engraçadinho que passou a mão na fedelha, cresceu, engrossou as pernas.

Alargou os quadris, aí vem um tarado safado e quer fazer saliência? Bem feito, apanhou feio! Com as melhorias novos tipos de visitantes começaram a surgir por lá, eram pessoas vindas de todos os lugares próximos. E Dona Diná a se esgoelar anunciando seus pratos de buchada e todo tipo de comidas da região. Gostava de estar ali, as pessoas não a ajudavam sair daquela vidinha miserável, mas matavam sua fome.

Passou a tomar o café da manhã na barraca da tia Ana, almoçava com Dona Diná e o jantar ficava a Deus dará. Mas nem pensem que isso era de graça, tinha que ajudar nas barracas, varrer, lavar louças sujas e ainda tinha que ser gentil com os clientes, por isso o safado lhe passou a mão. Confundiu gentileza com safadeza, aí já viu, meteram o pau nele! Porém, trabalhar na feira foi algo bem positivo, porque ganhou roupas novas. Dona Ana levou a menina em casa e fez ela tomar um banho, trocou-lhe as roupas debaixo que estavam apodrecidas.

Tinha mal cheiro, devido quase nunca às trocar. Depois de se lavar bem com sabonete e shampoo vestiu calça e blusa novinha, porque já estava uma moça e tinha que se cobrir. Parar de usar vestidos que mostravam o fundo da calcinha para os machos que circulavam pelas ruas atrás de meninas sozinhas como ela. Nos pés rachados, em lugar daquela velha sandália do calcanhar ruído, colocou um sapato fechado para ver se juntava os dedos que eram abertos como os das galinhas.

 As unhas enormes davam até medo de ver. A menina de rua passou por uma verdadeira transformação e voltou para a feira bem tratada. Andava limpa, penteada, mas ainda lhe faltava um belo sorriso na boca. Os dentes dela eram estragados, cheios de tártaros e precisavam ser tratados com urgência ou iriam se perder roídos pelas cáries.

 Os feirantes gostavam mesmo da moleca e se uniram para levar a rabugenta ao dentista. Ela nem sabia de longe o que acontecia dentro de um consultório. Só ouvia a meninada do bairro falar que aquele tipo de profissional matava as crianças de tanta dor. Mas não entendia como nem o porquê, até o momento em que foi preciso ir lá cuidar dos dentes apodrecidos. A limpeza e obturação pareceu mais uma sessão de tortura, ela amarelou e passou mal logo que viu o tamanho da agulha que veio na direção de sua boca. Mas antes passaram um creme na gengiva e ficou tudo anestesiado.

  Bem, apesar do susto saiu viva do consultório e ainda por cima constatou que o enxame da meninada era somente para meter medo. Na prática tudo bem simples.  Agora sim, limpa da cabeça aos pés, pronta para servir os clientes na banca e não dar vexame. Levou as roupas e os calçados para o barraco e ali guardava tudo numa mala velha sem zíper, em cima de um velho guarda roupa, onde sua mãe pendurava os vestidos que usava na noite.

Por falar nisso, ali estava ela jogada em cima daquela cama com colchão de espuma, fino e rasgado, parecendo um traste, cansada de passar a noite inteira na gafieira.  Eram três horas da tarde, dormia desde cedo. No velho fogão de duas bocas, colocado em cima de uma caixa, nenhuma panela com algo para comer. Ainda bem que trouxe bastante comida da feira e guardou para quando ela acordasse. Pegou nos seus bolsos para ver se neles encontrava algum dinheiro, tinha que guardar num lugar bem seguro antes que a roubassem.

Seus irmãos estavam na cadeia, eram bandidos. Mas, existiam uns moleques ladrões na vizinhança.  Após varrer o lugar que mais parecia um chiqueiro, com o teto cheio de aranhas com suas teias, vê a mãe acordar amarela, fraca e esgotada. Lhe serve a refeição e enquanto a contempla alimentando-se, passa a refletir na maldita vida que possuem e se pergunta o que fizeram para merecer tamanha desgraça. Ali mesmo tomou a decisão de lutar com todas as suas forças para sair daquela pobreza e tirá-la da prostituição, lhe proporcionar algo melhor.

 Evitar vê-la envelhecer vendendo seu corpo como se fosse um objeto descartável que os homens usam e depois jogam fora. Na verdade, sentia muita pena de vê-la naquele estado deplorável, claro, nunca expressava a ela o que pensava a respeito, pois não passava de uma criança e lhe respeitava, no entanto tinha certeza de que inda iria mudar muito as coisas por ali.

— Seus irmãos estão na televisão!

Foi o que disse a vizinha se esgoelando toda, ela corre para comprovar a notícia, pensou que finalmente eles faziam algo do qual se encheria de orgulho. Porque na sua tola imaginação quem aparecia na a TV era porque ficou famoso. Mas que nada, os pilantras estavam era participando de uma rebelião no presídio, juntos com outros criminosos em cima de um muro alto pra caramba. Estavam ameaçando degolar outro detento se a polícia não atendesse suas reivindicações.

 A confusão durou o dia inteiro e entrou pela noite. Assustada informou a mãe que seus filhos estavam na televisão, ameaçando cortar a cabeça de um homem. Ela só maneou a cabeça positivamente e saiu para se vender, nem deu importância alguma. A menina ficou confusa com tanta indiferença, encostada na porta de madeira branca, vendo-a sair. Sozinha, abandonada e sem saber o que fazer para ajudar os dois loucos que poderiam acabar bem pior do que já estavam.

 Fecha a casa e deita na rede listrada que ganhou da avó, antes de ela morrer. Medo de ficar sozinha não tinha mais, acostumou, desde bebê ficava no abandono, aprendeu a conviver com a solidão. Mas, aquela noite seria diferente das inúmeras outras que tinha vivenciado. O tempo havia passado e deixou de ser uma fedelha rabugenta, se tornou uma linda moça. Chegando aos treze anos, o corpo começou a criar curvas e a cintura de violão com o bumbum arrebitado chamava as atenções dos marmanjos.

Ela dormia. Enquanto isso o perigo andava pela escuridão da madrugada. Um indivíduo que a algumas semanas rondava, observando as meninas e mulheres do bairro, seguiu seus passos. E naquela noite foi a sua procura. Ele força a entrada do velho barraco e entra sem que seja percebido. A adolescente é surpreendida pelo tarado que lhe tirava a roupa e quis gritar por socorro, mas foi impedida. Pois o cretino lhe tapou a boca enquanto lhe violentava.

 Ao se aproximar o mês em que completaria treze anos o presente que recebeu do cruel destino foi perder a virgindade de forma brutal. O criminoso satisfez seus desejos mais impuros e depois evadiu-se sem deixar rastros, deixando para trás apenas a indefesa menina que mal entrava na puberdade com sua inocência completamente invadida da pior forma. Possível. Mesmo ferida teve forças para levantar e ir ao lado pedir ajuda a vizinha, foi socorrida totalmente nua, ensanguentada e em prantos.

O bandido escapou ileso, pois foi esperto e usou preservativo e nem o exame realizado por peritos no hospital para onde foi levada ajudou. Não pôde identificá-lo. Bem, se fosse nos Estados Unidos, como via nos filmes policiais, usariam as digitais do maníaco e o localizariam, mas num país atrasado como o seu, principalmente ao tratar-se de um “pé de chinelo” como ela. Nada seria feito. Pessoas solidárias decidiram denunciar Lúcia por deixar a criança sozinha em casa e passar a noite inteira na rua. Porém, ao saber que ela vivia da prostituição a juíza entendeu que ela sequer teria condições de cuidar da menor.

 Nem o direito a guarda da filha. E o Conselho Tutelar assumiu a garota, colocando-a para adoção, apesar da idade. Ciente da triste situação da menina, Dona Diná se prontificou em adotá-la. E desde então passou a tê-la como a filha caçula da família. Parecia que a sorte havia começado a surgir meio a tantas lutas. O destino proporcionava a Sofia as primeiras mudanças que tantas vezes esperou alcançar, mesmo que tenha começado de forma drástica.

Morando com a mãe adotiva ainda assim visitava Lúcia e cuidava dela.  Fazia faxina no velho barraco e levava comida colhida do que sobrava na barraca da feira. Foi matriculada numa escola, dessa vez começou a estudar de verdade e ainda frequentava as aulas de reforço. Era inteligente, aprendeu rapidamente a ler e escrever. E ao completar quinze anos recebeu dois presentes: A festa chique de aniversário, onde todos os seus amigos puderam participar. E saber que seus dois irmãos terminaram de pagar a pena e saíram da prisão.

Bem, nesse último, não seria o caso de qualificá-lo como um verdadeiro presente, visto que eles certamente voltariam ao mundo do crime e causariam terror na vizinhança com seus roubos e assaltos constantes. O que poderia resultar em mortes. E seus receios quanto a isso não deu em outra, bastou para que Geovane e Genilson voltassem a viver em liberdade para novamente praticarem delitos graves.

 Mas, dessa vez eles foram longe demais, porque a audácia dos dois os levou a se unir com uma quadrilha para planejar e executar um assalto ao banco.  Eram em número de doze os assaltantes que invadiram a agência bancária naquela segunda-feira, com armas em punho. Renderam os seguranças e realizaram um assalto audacioso. Mas alguém acionou o alarme de forma silenciosa e foram cercados de surpresa ainda dentro da agência. Encurralados e sem saída, decidem enfrentar os policias.  

Não pretendiam voltar para a prisão, outro meio de sair dali sem serem presos não existia. Então o jeito era encarar a dura realidade de que estavam condenados a morrer lutando por uma liberdade imerecida. Que seria paga com sangue, o preço cobrado por seus erros seria a vida de cada um deles.  A notícia chegou numa hora imprópria, quando pela primeira vez pensou viver plenamente a felicidade. Mas valeu à pena, mesmo com a má notícia. Agora só restavam ela e a mãe, o restante da maldita família da qual por azar fazia parte, a morte levou. Agora, era seguir em frente e pensar alto, pois não pretendia terminar seus dias como o pai alcoólatra.

 Nem como os irmãos bandidos. tão pouco como a mãe prostituta. Deus, ou seja, lá quem for, lhe deu uma chance e iria aproveitar ao máximo.  Entraria por cada porta que se abrisse, seguiria confiante pelos caminhos colocados diante de seus pés e neles iria pisar firmemente rumo ao futuro que porventura se mostrasse no horizonte. Nessa determinação dedicou-se aos estudos e era motivo de orgulho. Causava admiração a todos quanto a conheciam aos dezessete anos.

Pois depois de tentar correr contra o tempo, esforçando-se como podia para concluir os estudos e arranjar um emprego para ver se dava para cuidar melhor de Lúcia, infelizmente viu seu sonho desmoronar.  Mais uma vez a peste da morte veio fazer outra vítima e tirou-lhe quem menos deveria naquele momento, mas, como insistia em dizer Dona Ana, se pegou a tal da AIDS, já era! Lúcia era mulher da noite, vendia o corpo para sobreviver, típico de quem se deixa vencer pela preguiça e prefere usar estes meios do que trabalhar honestamente.

Uma mulher madura que passava dos quarenta anos, mas bonita mesmo pobre, gastava quase tudo o que ganhava com produtos caros para manter a aparência, era vaidosa.  Isso lhe ajudou a conservar por muito tempo a jovialidade, os clientes agradecem o esforço. Porém, se cuidando ou não pisou na bola em alguma de suas relações e pegou a doença incurável, começou a sentir fraqueza pelo corpo inteiro. Dores de cabeça, febre e perdia peso de uma hora para outra.

Os longos cabelos começaram a cair e a aparência jovial sumia num piscar de olhos, até que foi forte, aguentou três meses na batalha contra o vírus que a comia por dentro, entretanto, sucumbiu depois disso. Agora era só ela mesma e toda a vida que lhe restava pela frente, participou tristonha do velório. O rosto de Lúcia podia ser visto através da tampa de vidro do caixão de segunda classe que a madrinha mandou fazer para que ela não fosse enterrada num caixote qualquer e até mesmo com o propósito de diminuir a dor da filha por perder a mãe.

 Dando-lhe um funeral mais digno. Sophia desta vez chorou, mas de forma bem discreta, sem aqueles escândalos típicos dos velórios de gente pobre. Onde a mulherada fazia um alarde assombroso quando partia um ente querido. Aprendeu, a duras penas, que deveria estar pronta para o inesperado, saber ganhar ou perder e começou a ver tudo que possuía acabar bem cedo.

 Já havia perdido toda a família, restou-lhe apenas seus sonhos e iria lutar bravamente por eles. Aos vinte anos entrou na faculdade, adiantou os estudos passando com excelentes notas no supletivo. Concluiu o ensino médio e na prova de seleção da universidade federal, começou a estudar o curso de administração, almejava ser uma grande empresária e tinha mesmo jeito para os negócios.

Dona Ana envelheceu além da conta e ficou sem forças para trabalhar, as filhas se casaram todas, Seu Genésio também fraquejou por causa da idade e era ela quem administrava o pequeno restaurante que eles abriram anos atrás, depois que a coisas lá na feira não andavam mais dando certo. Estudava a noite e dedicava maior parte do dia à frente da venda, gostava de gerenciar, era boa no que fazia e carismática com a clientela. Tanto que certo dia conheceu Marcelo com quem mais tarde começou um namoro sério contra as expectativas que seus pais adotivos esperavam para ela.

O rapaz era um playboy de terceira categoria, pela pinta podia se perceber as intenções ruins estampadas em seu rosto, não passava de um aproveitador. Apesar de pertencer a classe média e andar por aí num carro do ano ou numa moto de última geração. Mesmo esnobando uma moral artificial, no final não passava de um mal caráter. Mas a paixão lhe cegou os olhos ao ponto de não conseguir enxergar um palmo adiante do nariz, nada que lhe diziam adiantava.

 Rejeitou inúmeros conselhos e permaneceu iludida, logo ela que, quando criança, aprendeu com Lúcia que este é um sentimento típico dos fracos. E que os apaixonados servem de idiotas para os outros. E olha só o que fez, acreditou num falso amor e iludida mergulhou de cabeça naquele abismo sem fim.

 Por um lado, como uma verdadeira guerreira conquistou seus objetivos e realizava os ideais que desejou alcançar desde a infância. Mas por outro, seguia a passos largos em direção oposta ao futuro promissor que tanto almejava abraçar. O primeiro, no entanto, que conquistou seu inocente coração durante seis meses de namoro não teve a menor chance de levá-la para a cama.

Pois ela se tornou uma mulher traumatizada, visto que a primeira vez que viveu uma experiência sexual foi de maneira drástica, violenta e dolorosa. Era assim que imaginava esse ato e repugnava o sexo, isso que causava irritação em Marcelo, que por diversas vezes ameaçou deixá-la. Ela queria agradá-lo e em certas ocasiões aceitou ser tocada, estiveram juntos na cama, mas na hora do acerto fugia dele e evitava a penetração.  

Aos poucos o rapaz foi cansando da insistência e terminou o relacionamento, afinal, era rico e de boa aparência, vivia sendo cobiçado por uma multidão de outras garotas, para que perder tempo numa relação sem resultados como aquela?  Ao ficar sozinha caiu em profunda depressão e colheu amargos prejuízos. Pois não conseguia mais concentrar-se nos estudos e na administração do restaurante, foi necessário que os pais adotivos voltassem a assumir os negócios enquanto ela se recuperava.

Aconselhada por Marta, uma amiga e confidente, procurou um psicólogo e duas vezes na semana fazia terapia. Isso foi primordial para que desse a volta por cima e reconquistar a autoestima, porém, perdeu a confiança nos homens. Tornando-se uma mulher amarga e sem interesse por eles.   Dedicou-se apenas ao trabalho, aos estudos e a zelar pelos "padrinhos", que era como chamavam aqueles que a adotaram. Na faculdade fez várias amizades, mas a convivência com eles era apenas por lá, nada de farras, passeios ou viagens nos finais de semana.

Dentre eles apenas Luzia, uma pessoa formidável e externamente comunicativa, permanecia o tempo todo conectada a ela pelas redes sociais e andavam sempre coladas quando juntas.  Aliás, as duas passaram a ter laços tão fortes que se tornaram como irmãs e a amizade delas era vista de bom grado por suas famílias, que aprovaram a estranha união. Cursaram a graduação juntas e tinham os mesmos objetivos, sonhavam iguais e eram semelhantemente inteligentes. As vezes Sophia brincava com o pai da amiga, e ele sorria com as insinuações:

— O senhor sabe, minha mãe foi mulher da vida, será que de repente vocês não andaram namorando por aí?

— Que nada, minha jovem, eu sempre fui homem de uma só mulher. Quem me dera ter namorado sua mãe, ela era uma mulher muito bonita!

— Hum, sei não, e como explica haver tanta semelhança entre mim e Luzia? Nossos gostos, sonhos, escolhas, até nos parecemos um pouco!

Ela insistia nessa tecla e o idoso apenas sorria, enquanto a esposa ficava desconfiando se por trás dessa brincadeira não existia algo de verdadeiro. A decepção sofrida recentemente no terreno afetivo criou uma imensa separação entre ela e os rapazes. Se afeiçoando a amiga de uma maneira estranha e forte, que fez nascer dentro dela um sentimento confuso, mas semelhante àquele que sentiu pelo antigo namorado. 

Passou a ter ciúmes e agir de forma possessiva, irritava-se facilmente ao perceber a aproximação de outra mulher, as duas dormiam na mesma cama. Quando uma visitava a casa da outra e tinham o hábito de ficarem abraçadas durante o sono. Os pais adotivos de Sophia não ignoravam o fato delas passarem a noite juntas no mesmo quarto porque isso acontecia desde que se conheceram, há muito tempo atrás e além disso Luzia tinha namorado.

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