Sair de casa pra entender
Sair de casa pra esquecer as chaves da sua casaTentar se distrair em dias que não tem comoSe viver, como compreender. O que acontece de errado eu não consigo…(A Trupe do Disco Voador)Samia não sabia do paradeiro de seu pai, Sandoval, a quem não via desde os seis anos de idade. Morou com a mãe, Fátima e o padra
O tempo passava. Dingo voltou ao trabalho, o que o mantinha afastado dos amigos por longos períodos. Taco, por aqueles tempos, conseguiu um emprego como carregador de carga em uma indústria na periferia da cidade, o que também o mantinha ocupado. As garotas continuavam com suas atividades do ano anterior. Samia trabalhava muito na panificadora, e Joana alargava seus horizontes como garota de programa, atendendo muitos clientes particulares. Sempre que podia, lia e estudava sobre natureza, religião, fé, motivação... temas que a interessavam.A empresa de Astolfo era uma fábrica de Parafusos, chamada MetalGear, fundada em meados dos anos 70. Na época, era uma fabriqueta de fundo de quintal, inteiramente construída pelo jovem Astolfo, que tinha alguma experiência com metalurgia. Trabalhando em torno de 14 a 16 horas diárias, ap
Ele era chamado de Sombra porque tinha o péssimo costume de andar muito próximo às pessoas. Era uma de suas manias, junto com o discurso messiânico, os olhares diretos e as histórias de suas cicatrizes. Seu passado era pouco conhecido. Mas passou boa parte da vida preso. Diziam que já tinha matado gente. Falava-se até em estupro. Mas eram especulações. Taco gostava muito dele. O lado sombrio do Sombra o fascinava e divertia. Samia não era tão fã, pois os olhos do Sombra estavam sempre direcionados aos seus peitos. Joana o considerava bastante divertido. Achava que era um bom ator, pois não acreditava na loucura dele. Zoava o homem sem dó. Ele não sorria por fora, mas ria por dentro. Era tudo um teatro. Vista o seu nariz de palhaço e entretenha o respeitável público. Usuário recuperado de drogas, vez em quando era visto co
O ano de 1989 passava rápido, especialmente para Dingo, em novo momento, trabalhando muito, e aprendendo sobre a vida e o mundo, sob a tutela segura do irmão e conselheiro. Devia a ele o relacionamento neutro que tinha com seu pai. Nunca imaginara viver momentos de tranquilidade dentro de sua casa. Era talvez o seu melhor ano. Mal sentia falta de seus amigos e hobbies. O kart ainda era seu brinquedo favorito, e não largava seus gibis, além do computador. Mas Taco, Joana e Samia tornavam-se, dia após dia, reminiscências de um passado que nunca existira. Os encontros rareavam, e eram crivados de conflitos. O que ainda o atraía era a bela Samia, cada dia mais sensual, e que parecia provocá-lo deliberadamente. Joana perdera a paciência com ele, por conta das discussões em torno da religião, e já não o procurava. Taco passava ocasionalmente pelo prédio onde Ding
Não foi um bom ano para o Brasil. A crise econômica chegava a níveis cataclísmicos, com inflação galopante, congelamento de preços e achatamento salarial. Havia filas para comprar leite e carne, em quantidades limitadas por pessoa. O povo se escondia no esporte, único reduto de orgulho de um país maltratado e faminto. Seleção Brasileira de futebol campeã da Copa América, com a azeitada dupla Bebeto e Romário trazendo esperanças para o ano seguinte, ano de Copa do Mundo. Ayrton Senna lutou bravamente pelo seu segundo título mundial, mas foi vítima de uma conspiração que tirou sua primazia. O piloto francês Alain Prost foi o campeão, e o povo saturado de derrotas jogava em Jean Marie Balestre, Presidente da FIA, a culpa por suas agruras.Havia um fio de esperan&cced
— E pra onde você tá me levando?— Pra um lugar mais tranquilo, Dalva, pra gente poder namorar um pouco em paz, sem teu pai em cima da gente.— Mas daqui a pouco escurece, eu preciso voltar, Valdo!— Não se preocupe, gatinha, é jogo rápido, logo voltamos.— Nunca vi esse lugar… só tem mato, que que você tá inventando? Não pense que sou uma garotinha ingênua!— Não, você não tem nada de boba, disso eu sei bem. Mas precisamos de um pouco de privacidade de vez em quando, você não concorda? Ou acha que tem alguma chance do teu pai deixar a gente se casar algum dia? Ou a gente faz a nossa p
Sim, o apelido Taco era uma boa ideia, e Samuel, ou melhor, Taco, identificava-se plenamente com esse nome, muito mais verdadeiro que o de nascença. Foi batizado meses depois do nascimento, a pedido de sua avó, com a perfeita anuência da tia paterna. Ao menos, não seria um pagão. Não que Taco soubesse o que era isso. Mas, de qualquer forma, ele sequer sabia que era batizado. Sua formação religiosa era cristã, por influência de suas cuidadoras no orfanato. Dingo não apenas era batizado, como frequentava a missa todos os domingos, além de ter feito a Catequese. Mesmo perto da maioridade, ele eventualmente acompanhava a mãe à missa, e não considerava as palavras do padre como confetes jogados ao vento. Elas calavam fundo em sua alma, embora não conhecesse a Bíblia muito bem. Gostava do Gênesis e do Apocalipse, passagens fortes e rech
O ano corria veloz. Para todos os quatro amigos, cada vez mais, porque os tempos de inocência estavam acabando. E, quando a inocência morre, a vida passa mais rápida. As lembranças dos bons tempos ficavam difusas, e as amizades eternas talvez não durassem tanto.Dingo, sua vida cada vez mais atribulada, acusava Joana de não ter tentado impedir a decaída de Taco às drogas e criminalidade. Joana se defendia dizendo que não tinha nada com isso e que cada um escolhe seu caminho. Samia não aguentava mais sua vida de trabalho, o dia todo, quase todas as noites. Não fazia mais sentido tanto esforço pra nada. Sentia falta de amar alguém, e via Joana mais distante. Taco acumulava problemas. Na primeira vez que foi detido em uma delegacia, desde que a senhora Robbyne assumira a direção do orfanato, recebeu um recad
Na manhã seguinte, Joana acordou, com o sol relativamente alto, e estranhou o silêncio. Saiu do quarto, e viu a casa do jeito que estava na noite anterior. Sua avó sempre acordava muito cedo. Correu ao quarto dela, e não demorou a perceber. A avó estava desacordada. Com o coração acelerado e ainda atordoada pelo sono (pensou se não estava sonhando, afinal), tentou verificar se ela respirava. O nervosismo era tanto que balançou o corpo inerte. Tentou chamar por Samia. Sua voz não saía. As lágrimas escorriam sem que ela percebesse. Samia apareceu à porta e de imediato pegou o telefone, pedindo pelo número de algum parente. Joana apontou para a agenda, balbuciou alguns nomes e Samia, sem demora, ligou para o mesmo irmão que levara dona Irene para casa na noite anterior. Em menos de dez minutos, ele estava lá. Logo, uma ambulância estava no