“Oww come on!
Under the lights where we stand tallNobody touches us at allShowdown, shootout, spread fear within, withoutWe're gonna take what's ours to have...”(Pantera, Cowboys From Hell)Taco caminhava febrilmente pelo beco, buscando algo que desconhecia. Quase em estado convulsivo, dizia a si mesmo que não poderia continuar daquele jeito. Eram mais de seis da manhã, o sol encoberto por algumas nuvens, sons de carros e ônibus prenunciando um dia como outro qualquer. Essa noite, encontrara Joanita, mas ela estava acompanhada. Embora fossem amigos, não deixou de sentir uma pontada no coração de pedra. Taco se envolveu em confusão em um bar.
Pegou uma faca e partiu pra cima dos seguranças, que o dominaram e o arrastaram porta afora, não sem antes deixá-lo sem um centavo. Os poucos centavos conquistados um dia antes, na venda de artigos ilícitos. Como estava vivo, só Deus poderia responder. Havia noites e dias...
Disposto a se "aprumar" um pouco na vida, morou com uma tia de "adoção" (funcionária do orfanato onde ele viveu até seus 17 anos) por duas semanas, para ter um porto seguro, algo semelhante a um lar, um QG (quartel-general), de onde pudesse partir rumo a um trabalho. Esse trabalho ainda não existia. De bico em bico, geralmente ilegal, ele sobrevivia por mais um dia. Mas sabia que não funcionava mais. Nem tampouco a tia adotiva o aguentou por mais tempo. Duas semanas foram o seu limite. Morava sozinha, nunca casou, não teve filhos, e a solidão era sua companheira. Acostumara-se a ela e Taco a tirou da zona de conforto e a jogou num labirinto caótico que ela não achou que merecesse. Joanita trabalhava na "noite" e tentava arranjar alguma coisa para mantê-lo minimamente ocupado. Nada ainda, mas era questão de tempo. Taco precisava ao menos manter os cabelos penteados e os cadarços dos tênis amarrados. Ser apresentável é o mínimo para quem quer fazer parte da sociedade. Párias não são bons funcionários. Ideologia não enche barriga nem come ninguém. Párias morrem antes dos 25 anos.
Distraído leitor, o que teria levado Taco a essa vida de merda? O fato de não ter pai nem mãe conhecidos ajudou muito. Taco El Pancho não sabe e nem parece fazer questão de descobrir quem são seus pais. Provavelmente, não deviam valer grande coisa, pois pessoas valorosas não tem por hábito abandonar seus filhos - pelo menos assim ele pensava. Por outro lado, é possível que eles não tivessem condições de criar ninguém. Assim, foi-se o Taco para uma instituição de crianças abandonadas e construídas mentalmente para adoção. Uma entidade cristã, preparando rebentos tementes para o futuro tenebroso. Um futuro geralmente infrutífero, desgraçado e mortal para a alma. Em nome de Deus, tema e sobreviva se for capaz.
E Taco ganhou essa gigantesca família cristã, e com muita disciplina e orações ele se fez adulto antes do tempo. Um adulto perdido e defecado pela sociedade castradora. Uma vítima real do totalitarismo social de um capitalismo eminentemente religioso. O mal nas melhores ações. A ação não-pensada, as consequências nunca medidas. O temor antes da ética. E assim, Taco se transformou num monstro-pária sem Deus nem leis. As adoções, duas, foram catastróficas. Acostumou-se a fugir e viver sua liberdade. E é nessa liberdade que ele aprendeu a sobreviver, quase em estado de mendicância, embora sempre houvesse a Instituição a lhe socorrer.
Cowboys From Hell é a faixa-título do clássico álbum homônimo da banda americana de Thsrash Metal, Pantera. Quinto disco do grupo, foi lançado em 1990, e a tradução livre da letra é mais ou menos assim: “Oww, vamos lá! / Sob as luzes onde permanecemos de pé / Ninguém nos toca / Duelo, tiroteio, espalhar o medo dentro, fora / Nós vamos pegar o que é nosso…”
“E o fascismo é fascinante deixa a gente ignorante e fascinada.É tão fácil ir adiante e se esquecer que a coisa toda tá errada.Eu presto atenção no que eles dizem mas eles não dizem nada.”(Engenheiros do Hawaii, Toda Forma de Poder)Ele estava deitado em sua cama, madrugada adentro. A porta estava aberta, e o pequeno Dingo podia ver o corredor dali. As luzes estavam apagadas, mas a claridade de fora permitia enxergar bem, mesmo naquele horário. Dingo tinha medo do corredor. O corredor, que ficava à esquerda de su
Taco, livre, libertino, sem as amarras teóricas, vivia cada segundo como se fosse o último, pois qualquer segundo poderia ser mesmo o último, dado seu modo de vida pouco afeito às regras estabelecidas. Um outsider em tempo integral, dormindo pouco, bebendo muito, apaixonando-se aqui e ali, por esta e aquela. E com muito blues e rock na cabeça, na mente, nas veias, na vida e na alma. Fazia visitas periódicas à Delegacia, onde era castigado pela imprensa canina mais que pelas surras da lei.Taco viveu muita coisa em sua adolescência. Foi à escola, foi ao colégio, mais para se enturmar que para estudar, mas não que fosse burro, não que fosse alienado, não que fosse uma besta completa. Bem ao contrário, tinha carisma e sabia mani
As conversas giravam em torno de filosofias esotéricas e fins de mundo, sociedades distópicas e efeitos de drogas. Essas Taco conhecia bem. Para Dingo, novidades que causavam medo, mais que curiosidade.Dingo passava parte dos fins de semana com a turma de Taco, bando de desordeiros que vira-e-mexia mofavam em porões de autoridades, sem apelação. Sem grana, não há apelação. Sem grana, não há direito. Direitos humanos para quem de direito. A marginália sequer sonhava com isso. O clássico de Malcolm X: “não confunda a violência do opressor com a resistência do oprimido”.Num desses fins de semana de noite ensolarada, Taco e amigos foram a um cemitério próximo ao bairro deles. Padre,
Joanita. Gótica. Magra. Branca como cera. Amoral, como Taco. Forte, muito mais que Taco. Mais velha também. Tinha 24 anos no tempo de nossa história. Dingo gostava dela, nutria paixão secreta, mas ela era de Taco. Fodiam selvagemente. Dingo não seria capaz disso. Taco e Joanita se conheceram num puteiro-bar, desses onde toda a malandragem se encontra. Foi ali que tudo começou. Não uma história de amor convencional, claro. Jamais seria. Uma história de atração e respeito. Eram praticamente do mesmo tamanho. Tinha vasta experiência nas ruas e nas camas, e a aplicava com Taco, com maestria, com raro talento.Joanita cantava muito bem, fazia parte de um Coral, e seu vocal lírico era requisitado em várias bandas góticas underground Anos se passaram. Taco e Dingo sobreviveram às intempéries intestinais da louca vida, e chegaram aos 21 anos. Taco abandonara o colégio naquele período mesmo, sem completar o ensino médio, enquanto Dingo chegou a fazer faculdade. Cursou Computação, sem concluir, e nesse tempo aprendeu a beber, a falar palavrão e a se divertir, sem deixar de ser um nerd. Mas os conflitos familiares o afastavam cada vez mais de suas características. Ainda naquele ano, o Peita foi preso, e tempos depois, acabou dizimado pela Aids, dentro da cadeia, onde adquiriu a doença, através de uma seringa. O Padre sumiu, desapareceu, levando seus discos do Sepultura debaixo do braço. Não se ouviu mais falar nele, pelo menos por um longo tempo. Taco conhecia os bares da vida mais que os próprios donos, e vivia de bicos e furtos. Sua Joanita atuava lá e cá como cantora e faVI Tempos
Dingo cursou dois anos e meio da faculdade e largou, em meio à enorme crise familiar, que o deslocou da residência sagrada. Mesmo sem o pai, o clima já não lhe dizia respeito. Seus irmãos eram completos desconhecidos para ele, e sua mãe, extremamente limitada, além de jamais ter se recuperado da morte do marido. Dingo estava longe de ser um solidário, um humanista, e preferiu encarar a vida louca antes que a vida normal o enlouquecesse de vez. Visitava a mãe esporadicamente, percebia a decrepitude chegando mansamente, e não falava com seus irmãos de forma alguma. Isso jamais mudaria. Outros mundos, universos distantes, posturas díspares.Habituara-se aos sons distorcidos das guitarras que acompanhavam sua turma, seus amigos. Dividia com Taco uma pequena casa alugada, decrépita, quase desabando. Taco saiu da casa de su
SaudadesSaudades da terraSaudades da ilusãoSaudade que fica, saudade que vai, e volta, e vai, e retorna com força, tropeçando nos delírios.Saudades de tudo, saudades de casa, saudades de tempos que não existiram. Saudades traiçoeiras, memórias mambembes, d´um quando onde o Sol parecia brilhar mais forte, a Lua era maior, as montanhas tinham recortes perfeitos. Como em fotos antigas, a beleza na capacidade de ver o bom.“Não, cara, não peguei ninguém ontem, acho que pegar não é pra mim, meu lance é amor, paixão, sei lá, eu não sirvo pra comer ninguém, ninguém tá nem aí
Galopeeeeeeeeeeeeeeeeeeeira, nunca mais te esquecereiGalopeira, pra matar minha saudadePra minha felicidade, Paraguai, eu voltareiPra minha felicidade, Paraguai, eu voltarei(Mauricio Cardoso Ocampo)Eram os anos 80. Um tempo de cores e de pobreza. Um Brasil recém-saído de uma ditadura militar, ainda sem saber lidar com o novo tempo. Aprenderia errando e apanhando. Mas naqueles tempos, tudo parecia particularmente difícil. Ao mesmo tempo, tudo era permitido, ou as