BeatrizNo dia seguinte...O médico olha para mim com firmeza, mas com uma gentileza que só alguém acostumado com o sofrimento alheio poderia ter.— Senhora Beatriz, precisamos que aguarde lá fora por algum tempo. — ele diz, e minha garganta já fecha. — Vamos reavaliar o paciente e realizar alguns procedimentos importantes.— Mas… — começo a falar, a voz trêmula, o coração batendo tão forte que parece querer rasgar meu peito. — Eu prometi que não sairia daqui…— Por favor — ele insiste, lançando um olhar sereno. — Ele está bem assistido. É por pouco tempo.Eu abro a boca para retrucar, mas então Mirna aparece, sempre com aquela postura calma, como se nada pudesse desestabilizá-la. Ela se aproxima e segura minhas mãos com firmeza.— Beatriz, eu entendo o que você está sentindo — ela diz, olhando nos meus olhos. — Mas você precisa ir para casa, ao menos tomar um banho e descansar. Já fazem muitas horas que você está aqui, e Rafael precisa que você esteja bem.— Não, eu não posso… —
RafaelEstou deitado na maca, o teto branco do hospital sobre mim. As luzes parecem mais fortes do que o normal, ou talvez eu só esteja enxergando demais agora, absorvendo tudo, com medo de esquecer. Meus olhos correm pela sala até se encontrarem com os de Beatriz. Ela está ao meu lado, segurando minha mão, o rosto dela tentando parecer calmo, mas eu conheço cada traço daquele semblante. Ela está apavorada.Meu peito aperta. Será que ela sabe o quanto estou com medo? Não da cirurgia em si, não dos médicos ou dos riscos. Meu medo é deixar Beatriz e os nossos filhos. O Rafa, com aquele jeitinho curioso e cheio de energia. A Giulia, crescendo, entendendo o mundo ao redor. Não posso ir. Não agora.— Vai dar tudo certo, Rafael — Beatriz sussurra, como se pudesse ouvir meus pensamentos.Eu sorrio fraco, querendo que ela acredite nisso mais do que eu. Meu olhar está preso no dela, como se tentar decorá-la fosse me dar força. Seguro sua mão com mais firmeza.— Cuida deles, Bia — digo, minha v
GiuliaO aroma do café fresco se espalha pela sala, mas minha mente está distante, presa em um emaranhado de pensamentos. Sento-me à mesa com a xícara nas mãos, olhando pela janela enquanto o sol desponta no horizonte. Há momentos em que a vida parece quase perfeita, como uma pintura cuidadosamente elaborada, mas eu sei melhor do que ninguém que mesmo as obras mais bonitas escondem camadas de tinta corrigidas e borrões ocultos.A pequena Giulia corre pela sala com um sorriso que ilumina qualquer ambiente, e meu coração se aquece. A minha neta, a minha pequena guerreira. É surreal pensar que, há poucos meses, eu nem sabia de sua existência, e agora ela é uma parte tão essencial da minha vida. Ela é saudável, esperta, cheia de energia, uma bênção em todos os sentidos. Só não consigo entender porque o Cesare foi tão longe, jogou tão sujo, como posso ter amado tanto aquele homem? Nosso casamento foi real, havia amor e companheirismo, éramos felizes, nossa intimidade era maravilhosa, ele m
RafaelO tempo parece não existir aqui. Não há dia ou noite. Só o silêncio e o escuro. De vez em quando, sons distantes me alcançam, como ecos de uma vida da qual ainda faço parte. Mas são as vozes que me trazem de volta, as vozes que me mantêm ancorado.E então, é ela. Sempre ela.A voz de Beatriz atravessa o vazio e me alcança. Sua voz está tremida, carregada de emoção, mas ainda assim, é firme, como ela sempre é. Eu sinto sua presença ao meu lado. Consigo quase sentir o calor da sua mão segurando a minha.— Rafael… — ela começa, e só ouvir meu nome saindo da boca dela já acalma alguma coisa dentro de mim. — Eu estou aqui. E vou ficar aqui. Você não está sozinho, meu amor.Meu coração parece reagir, batendo mais forte no peito. Quero responder, quero apertar sua mão e mostrar que estou aqui, que estou ouvindo. Mas o meu corpo permanece imóvel, prisioneiro desse sono pesado.— Eu te amo tanto… — ela continua, e sua voz embarga. — Você não tem ideia do quanto. Volta para mim, Rafael
RafaelO alívio é palpável, como se todos ao meu redor tivessem prendido a respiração esse tempo todo. Beatriz segura minha mão novamente, sua voz embargada, mas cheia de esperança.— Você está voltando para mim, Rafael. Eu sabia. Eu sabia…Eu não consigo abrir os olhos, mas dentro de mim, sei que estou mais perto. O amor dela me trouxe de volta. E agora, eu não vou desistir.O mundo ainda é um borrão escuro, mas alguma coisa mudou. Posso sentir. Há uma leveza onde antes só existia peso, um fio de luz atravessando a escuridão. Não é físico, não é algo que eu possa tocar, mas é uma certeza. Estou voltando.A mão de Beatriz continua na minha, como uma âncora. Ela me segura firme, e só o toque dela parece acalmar qualquer tempestade que ainda exista dentro de mim.— Ele vai ficar bem, vai ficar bem… — ouço Beatriz sussurrar, quase como um mantra para si mesma.Os médicos continuam falando, algumas palavras chegam até mim, mas se misturam como vozes em um sonho. O único som que realmente
RafaelO mundo ainda é um borrão escuro, mas alguma coisa mudou. Posso sentir. Há uma leveza onde antes só existia peso, um fio de luz atravessando a escuridão. Não é físico, não é algo que eu possa tocar, mas é uma certeza. Estou voltando.A mão de Beatriz continua na minha, como uma âncora. Ela me segura firme, e só o toque dela parece acalmar qualquer tempestade que ainda exista dentro de mim.— Ele vai ficar bem, vai ficar bem… — ouço Beatriz sussurrar, quase como um mantra para si mesma.Os médicos continuam falando, algumas palavras chegam até mim, mas se misturam como vozes em um sonho. O único som que realmente importa é a voz dela.— Precisamos observar, ele está reagindo bem — diz alguém, provavelmente o neurocirurgião. — Agora é aguardar.Pouco a pouco, o cansaço vai me arrastando de volta. Não consigo mais segurar minha consciência desperta, mas algo em mim não está mais com medo. Ela está ali. Ela prometeu que ficaria.Quando volto a perceber algo, é diferente. Ainda esto
Don FalconeO telefone vibra na minha mão, e a tela ilumina com o nome de Giulia. O som suave da ligação me avisa que, enquanto o tempo não pára, as decisões que moldam meu destino continuam a ser tomadas, sem concessões. Há algo na voz dela que me faz responder rapidamente, sem hesitar. A viagem está pronta. Tudo foi preparado. Marco ao meu lado, observando com a mesma intensidade silenciosa que sempre o caracterizou, sabe que a missão no Brasil vai além de simples negócios. Sei que não será fácil, mas as coisas nunca são.— Giulia, estamos no avião. — A voz dela, calma e segura, me tranquiliza por um momento, mas eu sei que estamos indo para um território onde nada é simples. — Prepare tudo. Estaremos com você em breve.Ela responde com a mesma segurança que sempre demonstrou, e eu desligo, deixando o peso do que vem a seguir se instalar. Marco me observa, sem dizer uma palavra. Os olhos dele, sempre atentos e calculistas, agora têm uma chama diferente, é como se ele soubesse que a
RafaelEu não sei por quanto tempo mergulho nessa escuridão, mas, agora, há um som diferente ao meu redor. Mais próximo. Mais real. Beatriz está ali. Sempre.— Bom dia, meu amor. — A voz dela vem carregada de doçura e uma leve esperança.Ela fala comigo todos os dias, eu sei disso. Posso sentir sua presença, suas mãos segurando as minhas, seu perfume que suavemente atravessa essa barreira de inconsciência. Cada palavra dela é uma âncora que me puxa de volta à vida.— Você está reagindo, Rafa — ela diz com um entusiasmo controlado, como se tivesse medo de se iludir. — Hoje o médico disse que tudo está evoluindo como esperado.Seus dedos acariciam a minha mão e, sem perceber, uma onda de calma me atravessa. Meu corpo ainda parece uma prisão, mas o simples toque dela é como uma fagulha.— Sabe o que o Rafinha me perguntou ontem? — ela continua, com a voz levemente embargada. — Se você vai trazer aquele carrinho de bombeiro quando voltar do hospital. Ele… ele acha que você está em uma v