GiuliaO cheiro de álcool no ar me atinge antes mesmo de ver Gian Carlo entrar pela porta. Ele cambaleia, como um homem que perdeu a razão e o controle, o seu corpo exalando a mistura de whisky, desespero e derrota. Olho para ele e não posso deixar de me perguntar como chegamos até aqui. Cada passo que ele dá para dentro da sala é como uma martelada no meu peito, um peso que eu já não sei mais como carregar. Quando ele passa por mim, não digo nada. Não preciso. A loucura, a negação e a vergonha já estão escritos nas entrelinhas dessa nossa história.— Vamos para o escritório, agora. — Minha voz sai fria, cortante, sem espaço para discussão. Pego-o pelo braço com força, quase arrastando-o, e ele me olha surpreso, como se tivesse se esquecido de quem eu sou e de quem ele é para mim. Ele vai, sem contestar, mas sua energia ainda está impregnada na agressividade do álcool que ele consumiu de forma descontrolada. Sento-o na cadeira do escritório e fico de pé diante dele, a raiva queimando
RafaelO som das malas sendo arrastadas pelos corredores da casa, o cheiro do café fresco vindo da cozinha e a sensação de que, mesmo com toda a tensão que paira sobre mim, nada pode interromper esse momento de preparação. Estou indo para o Rio de Janeiro, para o casamento de Vivian e Felipe, mas sei que, como tudo na minha vida, esse evento não será apenas uma celebração. Vai ser mais uma peça no tabuleiro, uma estratégia cuidadosamente planejada. O jato particular que nos espera na pista é um lembrete do poder que temos, da vida que escolhemos, ou talvez, da vida que nos foi imposta. Beatriz, Giulia, Rafinha e até a pequena Giulia se acomodam, criando uma atmosfera de conforto no avião, mas minha mente já está distante, calculando os próximos passos enquanto a aeronave começa a se elevar no céu.O voo é tranquilo. Tobias, o nosso piloto, transmite uma serenidade rara, e suas boas-vindas de bordo dão o tom de leveza que, por algum motivo, tento ignorar. Estou cercado por tantas pess
Cesare VassaloNo silêncio da madrugada, enquanto o mundo lá fora repousa em uma falsa sensação de segurança, eu permaneço desperto. Meu mundo não conhece descanso. Aqui, não há espaço para fraqueza. A máfia não perdoa os despreparados, e eu sou a prova viva de que sobreviver é uma arte cruel.Diante do público, sou Cesare Vassalo, magnata de uma das maiores empreiteiras do Brasil, um homem de negócios impecável e dono de um império. Mas nas sombras, sou o estrategista implacável, o arquiteto de cada movimento no tabuleiro da máfia. Minhas mãos são de ferro, e meu coração, uma fortaleza. O destino me moldou para liderar, mas não sem antes me testar de todas as formas possíveis.Parte dessa provação foi Giulia. Ah, Giulia... Quando me forçaram a me casar, encarei o matrimônio como uma negociação, um acordo entre famílias que perpetuava o poder. As mulheres, para mim, eram ferramentas úteis, nada mais. Porém, naquele altar, ao levantar o véu de Giulia, o que vi não foi fragilidade, mas u
RafaelOs números nunca mentem, mas as pessoas, sim. E é nisso que reside minha vantagem. Aqui, no laboratório, eu sou o único com a visão completa do jogo. O silêncio ao meu redor é apenas uma fachada, sob ele, há uma complexa teia de segredos que se entrelaçam com cada experimento, cada fórmula, cada decisão.Enquanto ajusto os parâmetros do espectrômetro, minha mente viaja para além dos dados e dos reagentes. Contratar Beatriz foi um movimento estratégico, como mover um peão no tabuleiro. Jovem, recém-formada, idealista, sem vícios de mercado. Um vaso vazio esperando ser preenchido com aquilo que eu escolher.Ela chega amanhã. Seus olhos provavelmente brilharão diante dos equipamentos de última geração e da estrutura impecável deste lugar. Mal saberá que, por trás de cada detalhe cuidadosamente projetado, há um mundo oculto que ela jamais poderá acessar.Beatriz vai trabalhar aqui comigo, esse laboratório é a personificação de uma pesquisa legítima. Equipamentos de ponta, a document
BeatrizATENÇÃO SENHORES PASSAGEIROS ÚLTIMA CHAMADA PARA O VOO 1429 COM DESTINO A BRASÍLIA EMBARQUE NO PORTÃO SETE. É agora, um dos momentos mais importantes da minha vida, respiro fundo e caminho puxando a minha mala, repleta com os meus pertences, alguns sonhos não vividos, a frustração de um de amor frustrado, a maior ilusão de toda a minha vida. De cabeça erguida, sigo em direção ao portão de embarque rumo ao meu novo destino, foi por mérito ter conseguido esse emprego de auxiliar de biomédico em outra cidade logo após a minha formatura, essa colocação veio na hora exata! Mesmo diante de um dia lindo e ensolarado, sentindo a brisa fresca da manhã acariciando o meu rosto, sabia que a vida estava me presenteando com essa nova oportunidade, e mesmo assim, o meu pensamento vagava longe, muito próximo a minha dor.Não sou aquele tipo de pessoa que fica se martirizando, ou que se faz de coitada para ter a piedade alheia, mas a dor que sinto é tão profunda que as vezes me apego a ilus
BeatrizA turbulência no meu peito era muito maior do que qualquer sacolejo que o avião pudesse causar. O mundo lá fora parecia calmo, o céu sem nuvens refletindo uma tranquilidade que eu não sentia por dentro. Estava prestes a começar uma nova fase da minha vida, mas os fantasmas do passado insistiam em me acompanhar. Não era apenas o peso de um novo desafio profissional. Era algo mais profundo, algo que eu não conseguia nomear, mas que apertava meu peito com força a cada respiração.Enquanto o avião sobrevoava, tentei desviar meus pensamentos para o futuro. A pesquisa sobre a contaminação da água era essencial, não só para a preservação dos lençois freáticos, mas também para proteger o direito básico de populações vulneráveis, como os povos originários e quilombolas. Essa missão me motivava profundamente, e eu sabia que o Dr. Rafael Antonelli, o renomado cientista com quem trabalharia, era conhecido por sua seriedade e humanidade. A ansiedade para começar meu trabalho era tão grande
BeatrizO silêncio parecia uma tela em branco, convidativa e misteriosa. Aqui pretendo passar os meus próximos anos, almejo me dedicar a pesquisa científica, bem como evoluir nos diversos aspectos de minha vida. Quando fechei a porta atrás de mim, senti o peso do mundo lá fora ficar para trás. Diante de mim estava o início de uma nova história, uma casa que seria o meu refúgio, meu laboratório de descobertas e, talvez, meu santuário para curar feridas que ainda ardiam.Eu estou consciente que terei um caminho longo a traçar, mas me vejo munida de determinação para seguir com os meus projetos e alcançar todos os meus objetivos.Com a saída de Rafael, me sinto mais à vontade para observar a minha volta, já que esse lugar será a minha nova residência.Respiro fundo e deixo os meus olhos percorrerem cada detalhe do lugar. As paredes em tons pastéis exalavam tranquilidade. O pequeno hall de entrada, com um espelho e alguns objetos de decoração, davam boas-vindas de uma forma inesperadamente
Felipe VassaloJá faz uma semana que minhas noites se arrastam sem fim, meu sono roubado pela ausência dela. Beatriz desapareceu como um sonho interrompido, sem deixar pistas, sem me dar a chance de entender. Parece que o chão se abriu e a engoliu, levando com ela minha paz e minhas respostas.Eu sabia que tinha errado. Perder a formatura dela foi imperdoável, ainda mais porque era o momento que ela mais esperava. Beatriz, órfã de pais, sonhou com aquele dia como a culminância de uma promessa feita à família que já não estava presente, nem eu sei como que eu fui perder aquela cerimônia, sabia a importância que aquela formatura tinha para ela.Não sei porque, eu me lembro que estava muito cansado, muito cansado mesmo! Tinha corrigido provas e muitos trabalhos de término do semestre, estava exausto mas não entendo como dormir por mais de trinta e seis horas seguidas, perdendo assim a formatura e também não consegui mais encontrá- la.Ninguém sabe me dizer o que aconteceu, procurei por in