Capítulo 3
Daphne Gonçalves era filha de uma família tradicional, mas em decadência.

Três anos atrás, Lucian surpreendeu a todos ao anunciar publicamente seu relacionamento com ela. Mesmo sob forte oposição de Theo, ele organizou um luxuoso jantar de noivado.

Daphne, de um dia para o outro, tornou-se a mulher mais invejada de Cidade do Sol. Todos a admiravam: uma mulher linda, bondosa e elegante.

Mas Florence sabia a verdade. Daphne não era nada disso. Se não fosse designer, certamente seria uma atriz de primeira linha. Ela era a melhor quando o assunto era fingir.

E Daphne, com toda a sua esperteza, sabia exatamente o que Florence queria dizer ao apontar o dedo para ela. O casamento com Lucian já havia sido adiado por três anos, e Daphne não podia mais esperar para oficializar a união.

Como esperado, Daphne deu um passo à frente. Sem hesitar, ajoelhou-se na mesma posição em que Florence estava antes e curvou a cabeça em uma demonstração teatral de humildade.

— Vovô, fui eu! — Disse Daphne, com a voz embargada. — Eu e Florence temos quase o mesmo porte físico, e nossos traços são parecidos. Alguém se confundiu e achou que era ela.

Antes que pudesse continuar, uma voz no canto interrompeu.

— Mas e os diários da Florence que vazaram na internet? Estão ali há cinco ou seis anos. Você e Lucian não se conheceram há apenas três?

Daphne respirou fundo, preparando-se para seu momento de glória. Suas lágrimas começaram a cair com perfeição, enquanto sua voz se enchia de emoção.

— Eu... Eu sempre amei Lucian em segredo. Aqueles diários são meus. São os meus sentimentos mais íntimos, que alguém invadiu e expôs.

O olhar dela para Lucian parecia tão sincero, tão carregado de afeto, que até as bochechas coradas pareciam parte de uma cena cuidadosamente ensaiada. Quem poderia duvidar dela?

Na vida passada, Florence havia perdido para Daphne em cada batalha. Essa também parecia ser mais uma derrota inevitável.

— Meu tio Lucian e Daphne estão noivos há anos. — Florence disse, com uma voz calma e sem emoção. — É natural que ela ajude o noivo em momentos difíceis. É claro que os tabloides inventariam histórias sensacionalistas para atrair atenção.

Com essas palavras, os olhares curiosos ao redor começaram a perder o interesse. O escândalo, que antes parecia tão excitante, agora parecia algo banal e sem graça.

Florence percebeu, com amargura, o quanto havia se esforçado em vão em sua vida anterior. Tudo o que fizera para se comportar, para viver de forma irrepreensível, não passava de diversão para os outros.

Cada segundo ali era uma tortura.

Ela deu um passo para trás, sentindo o gosto amargo da derrota, e disse:

— Já que tudo foi esclarecido, não vou mais incomodar. Com licença, vovô Theo, senhores.

Sem esperar resposta, ela virou-se para sair. Mas sentiu um olhar pesado, como um abismo, fixo em suas costas.

Não importava. Nada mais tinha a ver com ela.

O que aconteceu depois no salão, Florence não fazia ideia.

Tudo o que sabia era que, quando Lyra voltou ao quarto que dividiam no anexo, seu rosto estava sombrio. Devia ter sido alvo de mais humilhações por parte da família Avery.

Bryan Avery, marido de Lyra, não tinha talento para os negócios. Theo havia desistido dele há anos, e isso tornava o casal um alvo fácil. Embora, quando presentes, todos os tratassem com respeito, pelas costas eram alvo constante de desprezo e fofocas.

Lyra agarrou o braço de Florence com força, seus dedos beliscando a pele com raiva.

— Você enlouqueceu? — Gritou Lyra. — Essa era a sua chance!

— Que chance? — Florence rebateu, com frieza.

— Não me trate como idiota! Você voltou ontem à noite toda desarrumada, com as roupas amassadas. Acha que eu não sei o que aconteceu? Bastava pedir desculpas! A opinião pública está contra você, mas Lucian precisa limpar o próprio nome se quiser consolidar sua posição como herdeiro. Ele teria que cuidar de você. E você está disposta a abrir mão disso para entregar tudo de bandeja à Daphne? Essa garota tem cara de sonsa, mas eu vejo exatamente o que ela é!

Florence soltou o braço, afastando-se. Sua voz era fria, mas carregada de resignação.

— Roubar o noivo de outra pessoa, drogá-lo e seduzir o próprio tio por afinidade... Você acha mesmo que eu teria uma boa vida depois disso?

Como mãe, Lyra não tinha culpa alguma.

Depois que o marido desapareceu, Lyra não abandonou Florence; mesmo ao se casar novamente, só tinha um pedido: levá-la junto.

Mas Lyra era muito dependente dos homens. Na família Avery, que devora pessoas, sua dependência de Bryan a fazia ser mal vista.

Lyra ficou sem resposta por um momento, mas não desistiu.

— Pelo menos seria melhor do que viver sendo pisada por todos! O filho mais velho de Theo está morto, seu padrasto não tem a menor chance contra Lucian nos negócios. Quando ele assumir o controle da família, você acha que vai sobrar alguma coisa para nós? Se você puder ficar com ele...

— Mãe, chega. — Florence interrompeu, com frieza.

Lyra tentou conter as lágrimas, pressionando os olhos com os dedos.

— Você poderia ao menos tentar fazer algo por mim, Florence. Seu padrasto é um homem honesto, mas eu não posso ter filhos com ele. Ninguém nesta casa me respeita. No futuro, tudo o que eu tiver vai depender de você.

Florence riu, mas seu tom era amargo.

— Então vá até Lucian e diga que quer me casar com ele. Vá agora.

Lyra parou, engolindo em seco. Não ousava dizer mais nada.

O silêncio tomou conta do quarto até que Florence, de repente, pareceu lembrar de algo. Ela agarrou o braço de Lyra com um olhar apreensivo.

— Mãe... Você tem algum remédio?

— Remédio? Que tipo de remédio?

— Pílula do dia seguinte.

Lyra arregalou os olhos.

— Eu? Nessa idade? Você acha que eu precisaria de algo assim?

Florence suspirou, frustrada.

— Mãe, todos nesta casa ainda estão observando cada passo meu. Você pode comprar a pílula para mim? Eu estava no período fértil ontem.

Ela olhou para o calendário no celular e sentiu um frio percorrer sua espinha.

Florence amava Estela. Mas não podia permitir que ela nascesse novamente. Não assim.

Estela merecia nascer em um lar amoroso, com pais que a protegessem. Não podia condená-la a outra vida de sofrimento.

Lyra suspirou, relutante.

— Eu vou buscar.

— Obrigada.

Lyra saiu, mas, ao invés de ir pessoalmente, chamou uma das empregadas em quem confiava e pediu que comprasse o remédio.

O que Lyra não sabia era que suas palavras foram ouvidas por ouvidos atentos.

Meia hora depois, Lyra voltou com um pequeno pacote opaco.

— Toma logo isso. Quanto mais você demora, menos chance tem de funcionar.

Florence pegou o pacote e olhou para a embalagem. Pílula de emergência, 48 horas.

Ela retirou o comprimido, mas suas mãos tremiam. Instintivamente, levou a mão ao ventre. Foi ali que, em outra vida, sua filha havia crescido. Estela era tão doce, tão adorável.

Mas Florence sabia que não podia deixá-la nascer de novo. Não para morrer sozinha em uma cama de hospital.

“Me perdoe, Estela. Você merece pais melhores do que eu.” pensou Florence, com lágrimas nos olhos.

Com os dedos trêmulos, colocou o comprimido na boca. Mas sua garganta parecia travada, recusando-se a engolir.

Ela inclinou a cabeça para trás e forçou-se a beber água, obrigando-se a não hesitar mais.

Apesar da água estar morna, ela sentiu o corpo inteiro gelar.

As lágrimas caíram enquanto engolia.

“Lucian... Você finalmente está livre de mim e de Estela.”

Florence respirou fundo, tentando se recompor. Levantou-se para destruir o pacote.

Mas, antes que pudesse fazer qualquer coisa, a porta do quarto foi aberta com tanta força que bateu na parede.

O impacto fez o cômodo inteiro estremecer.

Antes que Florence ou Lyra pudessem reagir, duas empregadas da casa de Theo entraram e agarraram Florence pelos braços.

Em poucos minutos, ela foi arrastada de volta ao salão principal.

Empurraram-na com brutalidade, e ela caiu no chão.

Seu corpo, ainda dolorido da noite anterior, mal conseguia suportar o peso.

Quando levantou o rosto, encontrou olhares ainda mais cheios de desprezo do que antes.

Os olhos de Lucian, frios como gelo, perfuraram-na com intensidade.

O salão estava silencioso, exceto pelo som abafado dos soluços de Daphne.

Florence virou-se e viu os olhos marejados de Daphne, que brilhavam com uma malícia escondida por trás de sua expressão de vítima.

De repente, um pequeno pacote foi jogado aos pés de Florence. A embalagem estava aberta, e os comprimidos espalhados pelo chão.

Theo bateu com força na mesa, fazendo o som ecoar pelo salão.

— O que é isso? Explique-se!

Florence olhou para o pacote e respondeu com firmeza:

— Pílula do dia seguinte.

Lucian arqueou uma sobrancelha, o tom de sua voz carregado de escárnio.

— Pílula do dia seguinte?

Florence abaixou os olhos para o pacote. Seu coração parou por um momento.

A embalagem dizia "pílula de emergência", mas os comprimidos eram, na verdade, de um medicamento para fertilidade.
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