Capítulo 8 - Issei

Ao lado de uma fenda, uma pequena fenda situada ao leste de Washington, DC. Afastada da estrada e de olhos curiosos eu me repouso em sua beirada esperando por ele. Todo dia era a mesma coisa para mim, vir e sentar de cara ao sol esperando que ele desse uma escapadinha do tártaro e confesso não saber como ele faz isso, sabia que não era o único a conseguir mas nunca dividiu comigo essa informação tão importante. Baguncei o cabelo impaciente e joguei minha cabeça para trás, hoje ele estava demorando mais do que costumava, fico imaginando como ele passa todo esse tempo lá em baixo e permanece são, na verdade duvido que aquele velho ainda esteja são. 

Enquanto eu conversava com meu eu interior que não era nem um pouco mais gentil que eu, pelo contrário parecia ser mais pervertido e atormentado uma sombra levantou da fenda como um líquido negro subindo pelas paredes, uma pequena serpente negra se aproximava do meu pé e eu suspirei. 

- Demorou. - Falei impaciente, estalando a língua Ofion voltou a sua forma "humana" e sorrio sem graça. 

- Cale-se. - O mesmo tom frio de sempre o rodeava e serpenteava em sua voz rouca. Sorri de lado para ele. 

- Tá, papai. - Me levantei de onde antes estava sentado e me aproximei dele, não o suficiente para que ele pudesse me tocar estendendo o braço. 

- O mesmo treinamento de ontem. - Ele falou. Revirando os olhos comecei a me preparar para os monstros que sairiam daquela fenda. 

- Pra que estou treinando mesmo? - Gostava de irrita-lo com perguntas idiotas, na verdade era a melhor parte do meu dia, o que eu usava para me distrair. Eu sabia bem o por quê de tanto treinamento. 

- Já mandei se calar. - Falou impaciente e obseevou com orgulho uma harpia sair da fenda. - Me mostre... 

Revirei os olhos esperando que ela se aproximasse de mim o suficiente, digamos que praticamente nada pode me machucar a não ser que seja forte o suficiente como um filho de Ares, Heracles ou um Semititã. Ao ver os olhos daquela coisa já próximo aos meus liberei um líquido venenoso em minha pele e deixei que ela me mordesse, em seguida me levantei enquanto ela morria devagar. Cada vez que eu produzia o veneno ele se tornava mais forte e eficaz, olhei para o meu pai por reflexo sabia bem o meu lugar aqui e não era ao lado dele. Eu sou um mero peão, uma máquina que ele vai utilizar para realizar suas vontades sem que suje a sua mão. Às vezes era como se eu pudesse ouvir algumas engrenagens dentro de mim, como se não fosse de carne e osso, o meu propósito não é meu na verdade é o motivo pelo qual estou vivo e fui criado. Ser uma arma, matar e destruir o que estiver ao meu caminho e eu não vou medir esforços para isso. 

- Ainda é muito novo Issei, vai entender melhor o porquê de tudo isso. - Ele apareceu de repente em minha frente, e como eu odiava quando fazia isso. - Quinze anos. Está apenas descobrindo o que é...

Talvez eu estivesse, mas será que eu quero descobrir o que eu sou? O mundo sempre foi o mundo e eu sempre serei eu, independente de ser ou não alguém que tenha se descoberto. Viver trancafiado não é algo que eu deva me orgulhar mas tenho que agradecer a meu pai, se não fosse por ele eu não estaria vivo hoje e provavelmente não conseguiria essa chance única de estar ao lado dele sendo treinado para lhe servir. Joguei os cabelos negros para trás e sorri de lado para ele, talvez se ele achar que eu concordo com suas palavras possa finalmente parar de falar sobre isso. Meus olhos cinza varreram o local por onde a harpia havia saído, fácil demais. Estava certo. Um minotauro logo pulou em minha frente e me acertou em cheio, a força de um minotauro é terrível e eu acabei sendo arremessado para trás como um pequeno boneco de testes. Minha pele era resistente mas a um minotauro era brincadeira, é isso me custou algumas costelas reviradas dentro de mim. 

- Não está esperando que eu ajude esta? - Perguntou ele rindo da minha situação. Odiava quando ele ria de mim. 

Me levantei e toda a minha velocidade pulei contra o monstro que me segurou com os braços e me jogou longe outra vez tendo a certeza que abalara minhas estruturas ósseas, o monstro veio mais uma vez em minha direção e eu lutei para ficar em pé novamente porém seu chifre perfurou meu abdômen e me lançou no chão, passei a cuspir sangue e vi que todo o chão a minha volta estava sujo também, ele estava rindo. O minotauro voltou por onde havia saído e Ofion se aproximou de mim zombando da minha dor. 

- Isso acontece quando você acha que está pronto. Dói não é? - Fiz que sim com a cabeça, cuspi um pouco mais de sangue e consegui me virar de costas para o chão. - Quando aceitar a dor como algo normal voltamos a treinar, não me faça perder meu tempo.

Essas foram as suas últimas palavras antes de sumir de volta para a fenda. Era estranho ver aquele enorme homem de cabelos negros e olhos de serpente se materializando em uma minúscula cobra e passando por uma pequena fenda no chão, e logo em seguida imaginar a sua verdadeira forma. Cuspi sangue mais uma vez e me levantei, estava escurecendo e eu precisava voltar ao meu esconderijo ou não estaria pronto para o próximo treinamento. Cambaleante sai deixando um rastro de sangue por onde passava, misturado com terra e suor. Não muito distante estava uma enorme jaula onde eu ficava trancado todas as noites, o ferro fundido cinzento escuro das barras me causavam arrepios. Era enfeitiçada por Nyx para que eu não pudesse sair durante a noite, minha eterna prisão. Tudo vem com um sacrifício, requer algo em troca. O que sou eu? Não sei, na verdade não preciso saber. Meus olhos iam do chão da cela até a lua subindo, o suor escorria das minhas têmporas como uma súplica, para que essa noite fosse diferente. Algumas partes de mim começavam a doer como minha pele rasgando devagar, o ar sumia de meus pulmões enquanto a consciência se esvaía, uma fina estrada entre o eu dia e o eu noite se fechava, eu nunca conseguia voltar quando finalmente acontecia. Meus olhos se fechavam e meus gritos de dor eram ouvidos a distância, ao menos eu supus que eram. Talvez se fosse eu não estivesse mais aqui e eles já tivessem me matado ou coisa pior. Minhas pernas quebraram no processo e as costelas pareciam voltar ao lugar e se espandir com força. Minha visão agora avermelhada com uma mistura de azul e branco me fazia ver as coisas de um outro jeito, eu precisava ir atrás do calor mas não era qualquer calor. Eu precisava do calor de semideuses, eu sou o amaldiçoado destinado a acabar com todos de uma forma dolorosa e arrepiante. Eu sabia, corria em minhas veias, era frio e asqueroso podia dizer que sufocava minha respiração quando o sangue quente trocava por seu lado tão frio e passava rasgando cada parte da minha pele, quebrando cada osso fazendo com que ele se expanda cada vez mais. Me sentia grande e imponente quando terminava, porém pequeno e desprezível quando amanhecia. Eu tinha uma tarefa e o preço dela deveria ser pago. Pensando bem, nenhum de nós é são, afinal. 


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