Não foi nada difícil derrubar o bloqueio de uma das janelas da casa. Estava abandonada há tanto tempo que a madeira fora corrompida pela umidade. Não era um esconderijo — ali, tão perto do The GoldFather —, apenas o local onde ela redefiniria seus planos. Ainda assim, procurou entre os entulhos no quintal coberto de lixo e folhas mortas algo com o que pudesse se defender caso fosse necessário. Achou um vergalhão enferrujado e longos cacos de vidro encroados. Era melhor que servissem.
O interior se encontrava em melhor estado. Havia dejetos de rato pelo chão e teias de aranha enormes nas quinas das paredes; além disso, o cheiro era de amônia e lugar abafado; no entanto, ainda conservava as características próprias de um imóvel barato, com tacos como piso e portas mais ou menos funcionais.
Escolheu o cômodo menos sujo, onde estendeu duas camadas de lençol. D
Usando o espelho retrovisor, Rebecca removia uma a uma as mechas de alongamento dos cabelos. Não havia mais por que se disfarçar de madame. Ademais, era uma boa ideia recuperar sua aparência convencional, uma vez que, agora, ser reconhecida como a mulher que estivera ao lado de Dominic na televisão lhe traria problemas incomensuráveis.Ela puxou uma mecha com mais força. Precisava manter Dominic fora da sua mente. Não conseguia suportar a ideia de que, a essa altura, ele já havia lido sua carta, já sabia de tudo — possivelmente a detestava como nunca detestara ninguém. Estagnava perante as inconvenientes lembranças que, por si sós, vinham à tona. Eram como um encontro inesperado numa rua deserta à noite; ativavam seu mecanismo de luta ou fuga, entrecortava sua respiração. Imaginava um cenário em que houvesse conhecido Dominic dentro de um contexto difere
A casa recendia a fósforo e acetona. A noite silenciosa era perturbada apenas pelas solas dos homens no segundo andar, movendo-se sobre a madeira gasta do assoalho, bem como o tilintar da munição sendo contada, posta em pilhas, antes de serem encaixadas no compartimento dos rifles. Permaneceu assim até um grito de aviso mobilizar todos os membros da gangue, fazendo-os agarrar a arma mais próxima à mão e partir em tropel para o primeiro andar. Cinco desceram pelas escadas, dois subiram da garagem…Apontaram os canos para a invasora na cozinha integrada a sala de estar. Ela mantinha as mãos para o alto desde que havia sido flagrada por um deles, e agora esperava que se reunissem em torno dela.— Paradinha aí! — berrou outro. — Quem é você?Ninguém ousou pronunciar palavra até que ela respondesse.Rebecca reparou nas roupas deles. Não ves
Sem fôlego, Rebecca olhou as horas e constatou que ainda lhe restavam trinta minutos. Precisava fazê-los valer.Diante do portão de ferro negro trancado, após ter percorrido uma boa parte do Summer Heights, não precisou se dirigir aos guardas à entrada. Um deles, por conta própria, exigiu que ela parasse onde estava, enquanto outro perguntava em voz alta “não é ela quem deveríamos anunciar caso víssemos?”.— Preciso falar com Dominic Heiler! — urgiu, com as mãos na cintura e suor cobrindo a face. — Rápido!— Fique bem onde está! — repetiu o guarda, autoritário. Depois, voltando-se ao colega, pediu que ficasse de olho nela enquanto ele chamava seu patrão pessoalmente.Meteu a pasta que carregava embaixo do braço, tomou o máximo de ar que pôde e, então, esvaziou os pulmões.
— Um ano atrás, uma outra mulher assumiu cargo temporário nesta casa. Não uma babá, mas uma cuidadora. Enviada pela empresa de serviços domésticos quando o sr. Aleksander Heiler veio passar o verão — continuou Wilford. Dominic baixou olhar para o carpete, concentrando-se em se lembrar. — Na ocasião, tive a sorte de ouvir uma das conversas dela ao telefone. Notei que escondia alguma coisa, mas, temendo alarmá-lo sem necessidade, senhor, contatei o investigador da família e o paguei por sua discrição. — Finalmente tornou a Rebecca. — Você conhece o nome dela. Conhece porque também buscou descobrir a respeito dela, estou errado?Foi a vez de Dominic apontar o dedo.— Isso é verdade? Você sabia?— Não! — adiantou-se ela. — Tudo o que sei é que ela veio para Winferfelt. Foi você quem de
Dominic foi escoltado para fora do recinto pelos seguranças, e os demais, visivelmente aterrorizados, seguiram-no em meio ao burburinho que se instalava. Wilford finalmente deixou a pompa de lado. Prose — que, de súbito, perdera o interesse em se atracar com Rebecca — tapava o rosto com as mãos, e Wright mantinha sua costumeira pasta de couro firme diante do peito.Um dos guardas tomou a dianteira.— Há uma movimentação no jardim — informou, como se todos já não houvessem ouvido. Focado em Dominic, completou: — Nossos homens cuidarão disso. Uma equipe o levará em segurança até o subsolo. Espere aqui.Mas Dominic já se enveredava pelo corredor.— Preciso buscar meu filho!— Deixe que nos encarreguemos disso — repetiu, mas para ouvidos surdos. Notando que não conseguiria manter o homem que devia proteger pa
Após passarem num caixa eletrônico, partiram para um hotel de beira de estrada. Rebecca pensara na possibilidade de, em vez disso, abrigarem-se na casa abandonada onde se escondera horas atrás, mas ambos precisavam de um banho. Enquanto cruzavam o estacionamento na companhia do dono do estabelecimento — que Dominic pagara a mais, em espécie, para que não fizesse perguntas —, ela perscrutou o lugar com atenção, memorizando a disposição dos quartos e engendrando uma maneira de fugirem às pressas caso fosse necessário.Foi a primeira a entrar no chuveiro. Não se preocupou com a péssima pressão da água nem com o fato de que o único sabonete à disposição era de glicerina. Diante do espelho, estudou o nariz e concluiu que o osso não chegara a se partir; estava um pouco inchado, um hematoma se formando, mas já não sangra
Não esperaram estiar.Rebecca vestia o paletó de Dominic a fim de se manter aquecida.A ideia de contatar o investigador da família foi dela, mas a maior parte da estratégia que adotariam foi traçada por Dominic.Cansados por caminharem a pé, aproximaram-se da casa de três andares na área suburbana da cidade. Após tocarem a campainha, uma das luzes no segundo andar se acendeu. Minutos depois, alguém pôs o rosto no olho mágico. Santiago, então, abriu a porta, amarrando as alças do roupão na cintura e assumindo um semblante atordoado.Dominic foi rápido em explicar a situação, ao que o investigador respondeu:— Tenho feito o melhor que posso para encontrá-la, mas ainda não tenho nenhuma novidade.— Não é verdade — contra-argumentou Dominic. Ofereceu pagar o triplo por um servi
As lembranças mais antigas que Rebecca ainda guardava de sua mãe tinham teor agridoce. Quando ela ficava gripada, Ângela massageava seu peito com pomada mentolada enquanto segurava a máscara de um aparelho de nebulização contra o rosto da filha. Era uma das memórias mais felizes de sua infância. Ao mesmo tempo, porém, lembrava-se de perguntar ao pai o porquê de sua mãe não comparecer às comemorações do Dia das Mães na escola e a razão por que passava tanto tempo fora de casa, a ponto de Rebecca vê-la apenas pela manhã e nos fins de semana. Era uma mulher muito ocupada, como ela viera a compreender mais tarde.Claro que vivera a maior parte da infância desejando ter com ela o mesmo tempo de qualidade que costumava ter com o pai. Todavia, já na adolescência, viera a descobrir que, num mundo de órfãos e de negligê