Fechei a porta de casa e me deitei no sofá, tentando me aquecer mais do que aquelas bebidas aqueceram. Não tem como, sou um típico britânico que ama os Pubs da cidade e adoro viver assim, literalmente como um boêmio. Ainda não tinha encontrado uma vida melhor do que essa, onde se pode curtir ao lado dos amigos e se ter o que quer.
Tinha acabado de fazer um pequeno show e minha conta bancária acolhia mais uma mísera quantia para a futura carreira como músico que eu tanto idealizava. Programava viajar em alguns meses para promover minha música e tentar arranjar alguma gravadora. Isso é! Se eu realmente conseguisse ter o dinheiro o suficiente para bancar algumas passagens. Isso era algo muito complicado, na minha opinão.
Ainda eram seis e meia da manhã. Estava completamente ligado por causa da noite e resolvi ficar navegando pela internet, para buscar um pouco do sono que tinha desaparecido. Obrigado, insônia, por nunca me abandonar. Enquanto as páginas iam carregando, abri meu armário para trocar de roupa, mas como tudo que eu toco simplesmente cai no chão, com uma pilha de fotos antigas não foi diferente. Ótimo. Peguei tudo de qualquer jeito para jogar em seu lugar de origem, mas parei ao ver a imagem. Eu e Kristine, brincando na pracinha em frente as nossas casas. Uma certa nostalgia bateu quando olhei direto nos olhos daquela minha amiga que tive por alguns anos. A família dela e a minha eram completamente unidas por nossos pais terem feito o colegial juntos. Acabou que viraram vizinhos, meus pais me tiveram e, três anos depois, Kristine nasceu. Ela sempre fora a irmã que eu não tive. Tantos anos sem notícias, sem um mínimo contato, que acabou me dando ume estalo na mente. Ela deveria estar com uns vinte anos e com certeza teria algum perfil na rede social. Não demorei em digitar o nome dela e esperar os resultados, até que o familiar rosto apareceu. Por que eu não pensei nisso antes? Enviei a solicitação de amizade, torcendo para que ela estivesse online e lhe mandei uma mensagem.
“Kristie? Não sei se você lembra de mim, mas sou o Thomas, filho da Claire e Douglas. Éramos vizinhos aqui em Londres. Achei uma foto nossa de quando éramos crianças e resolvi te procurar por aqui! Espero que se lembre.
Thomas”
Pelas fotos, Kristine estava bem diferente. Seu cabelo louro e longo quando éramos crianças agora era castanho, picotado e ela fazia faculdade. Ainda estava completamente surpreso por ter encontrado uma pessoa que realmente achei que nunca mais fosse ver na minha vida. Definitivamente, o mundo era um lugar estranho de se habitar.
***
Acordar com uma bela ressaca não é o que se espera quando é necessário levantar e ir para a faculdade em poucas horas. Eu não podia reclamar, já que algumas de minhas amigas estavam me levando para sair, tentando não me deixar em depressão em casa por causa do idiota do Michael. Sem ter para onde correr, liguei meu notebook e fui tomar um banho, na tentativa de aliviar minha dor de cabeça. Apenas uma tentativa mesmo, porque eu tinha certeza que nada disso ia melhorar aquela coisa infernal.
Assim que estava quase pronta para a aula, entrei em minha rede social e pasmei com o que vi. Thomas. Thomas Carter. E ele tinha me deixado uma mensagem. Um filme passou em minha cabeça. Thommy sempre esteve na minha vida até eu deixar Londres e era muito estranho ter algum “contato” após dez anos. Ele era um tonto por achar que eu não recordava dele. E tinham exatos vinte e três minutos que ele tinha deixado essa mensagem.
“Thommy? Meu Deus, quanto tempo! Achei que nunca mais fosse ter notícias de vocês! E como vão as coisas por ai? Sinceramente espero que você ainda esteja online para a gente se falar! Tem muito tempo que ninguém me chamava de Kristie, sabia?
Grande beijo!”
Torci com todas as minhas forças para ele me responder. Era coincidência demais! Eu e ele éramos inseparáveis, mas no meu último ano em Londres, as coisas começaram a mudar. Lembro que Thommy estava deixando de ser criança para se tornar um adolescente, enquanto eu continuava infantil, brincando de bonecas e pedindo para ele fazer o mesmo. Atualizei a pagina e vi que ele tinha respondido.
“Eu também achei que nunca mais fosse ter uma notícia de vocês. Mas por que não nos falamos na sessão privada? É melhor do que ficar mandando mensagens por aqui.
Beijos.”
Ri e brinquei com ele.
“Tô vendo que você ficou inteligente. Nos encontramos em alguns segundos.”
Era ele, o meu melhor amigo de Londres, o irmão que eu tinha perdido contato há dez anos. Não tive
nem tempo de olhar suas fotos. Não imagino nem como ele pode estar fisicamente, na verdade nem
lembrava muito. Será que aquele seu jeito tinha mudado? Era a hora de saber.
Thomas: Oi Kristie!
Kristine: Nossa! É você mesmo na foto? Que surreal!
Thomas: Sou eu mesmo. Surreal é abrir seu armário pra tocar de roupa, deixar fotos caírem no chão, lembrar da antiga amiga e estar falando com ela alguns minutos depois. Isso que é o mais doido e estranho, pode ter toda a certeza do mundo.
Kristine: Eu concordo contigo... Isso é meio louco!
Thomas: Mas me conta... O que tem feito? Vi que você está na faculdade.
Kristine: Sim, de cinema. Faltam só dois anos, graças a Deus. Quero ser roteirista.
Thomas: Isso é bem legal, mas acho que não tenho o tino para a coisa... – ele demorou dez minutos para falar alguma coisa. Que conversa doida e sem nexo! E eu parada observando o tempo se passar
Kristine: Então acho que é isso, Thomas! Tenho que ir para a faculdade. A gente se fala mais tarde?
Thomas: - Se o fuso horário colaborar... Podemos tentar.
Kristine: - Ah sim, esqueci! Então a gente se esbarra virtualmente. Beijos, cuide-se por ai.
Thomas: Pra você também.
Ele era bipolar? Não lembrava desse fato. Ele deveria ter adquirido alguns probleminhas nesses dez anos. Tentei esquecer essa conversa estranha, peguei as chaves do carro e fui para a faculdade. Mesmo tentando, nosso diálogo não saia da minha mente. Para quem estava animado em me reencontrar, suas ações foram completamente opostas. Até um amigo de mil anos atrás me rejeitava. Eu deveria ser um bom pedaço de lixo mesmo. Estacionei ao lado do carro de Hayley e segui para minha aula de roteiro.
carro.
O tempo demorou a passar, mas passou. Não sabia o porquê de eu estar mais melancólica que o comum, mas nada melhor do que dirigir até a praia do farol e observar as ondas batendo enquanto eu ficava jogada na areia. Com certeza não me sentia curada, mas também não queria ter que ficar nessa situação e foi ali, naquele momento em que eu me obriguei a esquecer do Michael. Ele não era cara dos meus sonhos. Ele nunca seria nada disso. Eu deveria desconfiar de todas as vezes que o celular dele vibrava e ele olhava, com receio de eu estar observando o que ele fazia. Michael nunca seria de uma só. Pena que eu um dia acreditei que ele pudesse ser único comigo.
No meio da conversa com Kristie, meu celular não parava de tocar. Era Maggie, para minha maior desgraça. Tive que falar o porquê de ter demorado tanto, se alguma das garotas me deu mole... enfim. Estresse na certa. Eram seis da noite quando acordei com os berros da minha mãe. Antes que ela me batesse, abri minha porta e a abracei – ela sempre desmontava quando eu fazia isso e acabamos rindo da situação. Ela sempre dizia que eu tinha que arranjar um emprego de verdade, mas minha única qualidade era com a música e mesmo Dona Claire desejando um futuro mais concreto para mim, ela sabia o que eu amava.Tomei meu banho, comi qualquer coisa e fui dar uma checada nos meus e-mails, querendo saber se tinha sido chamado para fazer mais shows. Ainda só tinha dinheiro para algumas passagens de avião e talvez diárias em hotéis baratos. Eu era um músico falido – e me orgulhav
Você tá tão estranho... Por que você não larga esse computador e vem ficar comigo? – Maggie reclamava.Porque eu tenho que trabalhar em coisas novas, Maggie. Você sabe disso.Eu acabei de sair do meu trabalho pra ficar com você e nada, Thomas. Que tipo de namorado vocêé?Não sou... Somos amigos.Amigos não transam.Então não existe uma categoria para nós.Eu tô cansada disso, Thomas.Eu também.Thommy, você tá ai? – a voz de Kristie surgiu nas minhas caixinhas de som.Tô, linda.
Meus pais adoraram saber que Thomas estava vindo passar uns dias em nossa casa. Apesar do tempo em que ficamos todos separados, nós sabíamos que, se nos reencontrássemos, tudo voltaria a ser do jeito que era. Assim que acordei, vi que Thommy confirmou que chegava em dois dias e sinceramente estava muito animada para vê-lo.Assim que o fuso permitiu nosso encontro, ele me ligou para falar que chegaria às 13:00 horas de sexta feira, pelo horário daqui. Já me animei completamente e mal consegui esperar, mas assim que acordei cedo e me deparei nessa data, dei um sorriso e fui me arrumar para a faculdade.Sim, assumo que não prestei atenção em nenhuma aula e em nada que me falaram ao longo daqueles incontáveis minutos. O iPod estava no ouvido, tentando controlar o que era incontrolável – ansiedade. Claro que Hayley percebeu e já veio dizendo que eu gos
Assim que chegamos, minha mãe já foi logo correndo para abraçar Thomas e perguntar como seus pais estavam. Os dois ficaram conversando por tanto tempo que eu decidi ir para meu banho.Ainda era muito nova a ideia de que meu “irmão” ficaria um tempo por aqui. Nós dois tínhamos combinado de ir até as gravadoras e, se ele não conseguisse nada, ia tentar em outras cidades. Thommy me fazia rir e isso estava sendo maravilhoso. Queria poder apresentá-lo a Hayley logo e tenho certeza que vamos arrancar muitas risadas um do outro – principalmente da minha cara. Assim que saí de roupão do banheiro, encontrei Thommy olhando minhas fotos.Sua mãe mandou você me mostrar o quarto que vou ficar e me fazer companhia até o jantar. Vou tomar um banho.Bom, me desculpa, mas não vou fazer companhia no
Os dias passaram voando e lá estava eu indo buscar Thomas em minha casa para irmos ao shopping comprar nossas coisas. Ele já estava completamente adaptado com a nossa rotina e já tínhamos combinado que assim que essas coisas do meu pai finalmente acabassem, iríamos ver as gravadoras.Chegamos ao nosso destino e fomos logo tratando de almoçar, para bater perna depois. Decidimos começar pela roupa dele, por ser mais “fácil”, mas foi o oposto disso. Toda vez que ele experimentava um terno, dava algum defeito. Ou era grande demais, ou a gravata não combinava, ou o botão era estranho...Enfim, só para encontrar sua roupa levaram quase duas horas. Quando fomos procurar algo para mim, Thomas já veio pra cima, dizendo que queria ir para casa e eu sempre o lembrava do tempo que tinha perdido com ele, então ele teve fazer bico e aceitar.Era c
Kristie apagou no meu colo quando chegamos em casa. As luzes externas estavam acesas, mas as internas não. Abri a porta e fui tentando encontrar o caminho da escada, sem acordá-la, e consegui chegar até seu quarto. A coloquei na cama e fui procurar alguma coisa para ela vestir. Kristie não poderia ficar com um vestido de festas. Abri inúmeras portas e gavetas e encontrava tudo: creme, perfume, bolsa... Menos uma maldita roupa de dormir. Maravilha. Fui até meu quarto e vasculhei minha mala, procurando uma blusa cumpridas que ficasse pelo menos “descente” até Kristie acordar. Quando retornei ao quarto, voltei a repetir o mantra “sua irmã, sua irmã” na cabeça, enquanto tirava seu vestido para por a blusa. Tirei seus brincos grandes e a cobri, sendo privilegiado com um suspiro longo dela. Já estava saindo quando resolvi dar uma última olhada antes de me trancar em meu qua
Até agora não conseguia explicar minha reação com Kristine. Estava com raiva de mim mesmo por não ser capaz de controlar um mero sentimento de atração – e era isso que eu mais queria acreditar, que era uma simples atração passageira e momentânea. Eu queria recomeçar, agir como se nada estivesse acontecendo entre nós, mas era um pouco complicado, sabendo que ela sempre estaria a uma porta de distância. De tanta raiva, acabei por pegar meu violão e me acabar no meio daquelas cordas. Cada um tem uma forma de aliviar seu estresse, e parte do meu era feito através da minha música. Eu estava perdendo meu foco em relação à música e eu não posso apenas vivenciar os problemas da Kristie como minha principal meta. Continuava me perdendo em meus acordes quando escutei a porta se abrindo lentamente. Kristie foi surgindo aos poucos e indiquei que
Eu queria explodir de raiva com aquela cena que Thomas estava criando com a ruiva bem na minha frente e dos meus amigos. Quando ele entrou no meu carro, pude reparar em sua boca avermelhada e o perfume adocicado e intragável. Cheiro de perfume barato.Não quis falar com ele pelo caminho. Minha noite estava completamente acabada por causa de suas atitudes. Assim que consegui chegar em casa e estacionar meu carro na garagem, apoiei minha cabeça no volante, tentando acalmar a imensa raiva que estava sentindo de mim mesma por ter observado tais atitudes dele. Thomas tentou mexer no meu cabelo, mas me afastei.Amanhã vamos a uma gravadora depois da minha aula.Sério? – ele disse, surpreso.Muito obrigado! – Thomas ameaçou me abraçar, mas abri a porta do carro e saí.<