Por mais que eu fosse popular, Branville era uma cidade pequena, então eu ainda viveria rodeado pelas mesmas pessoas que me maltrataram durante anos; conviver com elas inicialmente não fora um problema, porque eu geralmente andava com a galera popular de verdade. O pessoal do quarto ano, o mesmo que me acolheu quando resolvi voltar para a escola no meu segundo ano, me mostrou como eu poderia sobreviver ao ensino médio e ainda m****r e desm****r em tudo, por mais que eu não fosse um jogador ou líder de torcida. Evelyn Myers era do clube de teatro e me apresentou a galera e todo ao mundo da atuação. Eu ainda mantinha meus problemas de fala, gaguejava com alguma frequência e ainda me desequilibrava algumas vezes. No teatro, entretanto, eu não gaguejava ou mancava, e quando estava apresentado as peças, ela uma libertação de outro mundo. Foi nos palcos que minha popularidade fincou, então eu não precisava de esportes para ser reconhecido. Eu tinha tudo isso nas artes, além dos campeonatos de matemática e outras matérias.
Depois que os veteranos se formaram, eu passei a decidir quem andava comigo e sentava no mezanino do colegial. Muitos dos que eram populares no ginásio não andavam comigo, como era o caso de Boston Harris e seu primo Erick. Megan Müller havia tido uma conversa comigo assim que acordei do coma, o que a fez ser praticamente minha melhor amiga desde que sai do hospital. Ela me visitava, me levava as matérias anotadas na minha casa e assistíamos filmes em meu quarto juntos. Eu a perdoei, mas ainda não confiava de verdade nela. Sabe, eu não era um cara chato. Não pegava no pé de ninguém e também sempre intervia quando algum otário começasse a fazer idiotice com alguém, mas também não deixava qualquer um andar comigo. Conquistei aquele posto após anos de sofrimento eterno e um suicídio falho, então eu aproveitaria aquela oportunidade que Deus estava me dado para aproveitar a melhor versão de mim o máximo possível. Não era mais abobado, na verdade, era até meio sarcástico com todo mundo, sem excluir nem mesmo Megan da minha dose diária de sarcasmo. Eu não sorria muito, e era até antipático às vezes, mas eu me sentia no direito de ser assim, de agir assim, sem tentar agradar ninguém ao meu redor. Se eles gostassem de mim, seria pelo que eu era.
Boston e Erick tentaram alguma aproximação comigo na época, mas eu os cortei logo no início. A única que realmente não havia tentado nada era Simmons. Max Ridícula Simmons era a mesma garota de antes, agora com mais peito e mais bunda, e provavelmente menos elasticidade lá embaixo devido a todos os garotos com quem ela saia, inclusive universitários. Ela era a única que me tratava do mesmo jeito, não me bajulava e nem tentava uma aproximação amigável. O que eu até gostava, porque mantinha minha mente ocupada com aquela rivalidade. Fora que eu sabia que ela era a única que fez parte do meu passado e não agia com falsidade para cima de mim.
A rivalidade que nasceu entre nós era de uma escala absurda. Competíamos em tudo que conseguíamos, inclusive nas provas das matérias que compartilhávamos, que eram quase todas. Ela até mesmo havia começado a estudar pra me bater em competições escolares; corria toda manhã, exatamente como eu – eu até mesmo formei uma banda quando descobri que ela ia batalhar na Batalha de Bandas no ano anterior. Claro, nenhum de nós venceu, mas valeu a pena.
No mezanino não existia apenas uma galera, como era de costume, mas duas. Eu, Gun Wallace de um lado e ela, Max Simmons, do outro lado. Boston e Erick ainda andavam com ela, mas Megan havia cortado quase todo o assunto com eles; quase mesmo porque ela era a chefe das líderes de torcida e Max era parte do time, então elas ainda se encontravam eventualmente nos treinos e em outros momentos de atividade escolar. Megan ainda era boa o suficiente para tentar fazer os dois grupos serem amigáveis, mas era praticamente em vão justamente porque eu e Simmons simplesmente não nos suportávamos.
Fora Megan, eu havia feito um grande amigo no ano em que voltei para a escola. Seu nome era George Vaught, mas todo mundo simplesmente só o chamava de Vaught: ele era do time de futebol, era o ofensive tackle do time, então ele basicamente era um cara de 1,90 cheio de músculos e com a voz grossa. Devido à força absurda dele, Vaught ocupava praticamente a posição mais importante do time, porque ele defendia o lado cego do quarterback. Ele viera de Nova York terminar seus estudos em Branville porque seu pai era escritor e procurava um local calmo para terminar de escrever sua saga. Eu costumava encontrar ambos todos os dias na cafeteria no centro, onde tomávamos café e seguimos para a escola. Naquele dia, naquele sufocante e quase traiçoeiro dia, Vaught precisou ir mais cedo a escola porque precisava revisar a última matéria de Biologia devido a um teste que aconteceria naquele dia, portanto, cheguei à escola sozinho. Quase desarmado.
O colegial era superior ao ginásio. A escola era muito maior, as quadras eram muito mais numerosas e o auditório era um sonho. Pelo fato de a escola ser maior, deveria ser muito mais difícil de eu dar de cara com Simmons, mas era quase como carma; o motivo do carma eu não sabia, já que eu deveria ser um santo por sobreviver a uma tentativa de suicídio e ainda ser uma pessoa muito melhor que antes. Pensava que o destino queria curtir com a minha cara; porque todos os dias de manhã, a primeira pessoa que eu encontrava era Simmons. Coloquei os óculos escuro e foquei no meu café, tentando ao máximo ignorar ela, mas Simmons era provocadora.
— Seu squad abandonou você, Gun?
— Diferente dos seus amigos burros, os meus têm inteligência; vêm mais cedo pra escola pra estudar — e às vezes eu caía como um pato em sua provocação diária. Só de ouvir a voz dela, já me sentia ofendido. — E sai de perto de mim, você tem que ter no mínimo um B pra estar a menos de cinco metros de mim. Essa sua burrice é contagiosa.
— Se você ainda pensa que me humilha falando essas coisas...
Ela fez questão de se levantar e me acompanhar; ela dava tchauzinho para todo mundo que ela conhecia, como se fosse a primeira dama de alguma coisa parecido. Ah, meu Deus, como ela era chata.
— Não adianta tentar ser amigável com a galera, sabe por quê?
— Diga-me, meu querido, por quê?
— Todo mundo sabe a vaca cretina que você é. Já se passou tanto tempo, mas você continua a mesma merda que sempre foi — eu parei e olhei em direção a ela. Ela era extremamente baixa, embora nós tivéssemos a mesma altura; entretanto, o que ela não tinha de altura, tinha de boca suja. — Ninguém vai votar em você, igual o ano passado.
— Espera só até eu esfregar a sua cara no asfalto quente e depois jogar em você todos os votos que foram pra mim esse ano.
— Ah, que lindo sonho você teve. Agora porque não cala a boca, sua voz tá me dando dor de cabeça...
Estava pronto pra deixá-la falando sozinha, mas eu fui deixado primeiro. De início, ela abriu a boca pra revidar, mas a fechou de imediato, parecendo que tinha visto um fantasma; e eu estava prestes a ver um também, porque a segui assim que ela saiu correndo rumo a entrada da escola.
— Ah, meu Deus, Mason!
Eu pude sentir os pelos das pernas arrepiarem por debaixo da calça, meus dedinhos dos pés tremeram e eu quase deixei o melhor café do mundo cair da mão. Acabei virando-o de uma vez e senti a garganta queimar, no mesmo instante em que dei me virei e bati o olho em um Mason três anos mais velho. Max havia acabado de se jogar em cima dele, que se assustou. Parecia desconfortável. Afastou Max com uma leve careta e seguiu seu rumo acompanhado de um garoto que eu não soube identificar em era. Mason não me viu, mas pareceu que eu fui jogado no passado e tudo que eu vivi foi recuperado da cicatriz que eu tinha na cabeça. Tudo estava voltando, inclusive a dor da cicatriz. Aquilo tudo me trouxe de volta ao passado e toda a humilhação que senti anos atrás pareceu queimar na minha orelha e revirar em meu estomago. Não era possível que ele estivesse de volta.
Aquilo me deixou tão abalado que eu acabei mancando até a entrada da escola, caindo uma vez que passei pela entrada, com alguém aleatório me ajudando. Não era novidade que por vezes eu perdia completamente a noção de espaço e acabava me desequilibrando, mas a fisioterapia me ajudava. Mesmo assim, as quedas eram normais, ninguém mais se surpreendia com isso, muito menos eu.
— Gun, você está bem?
Vaught acabou me vendo cair de longe; após um aluno aleatório me ajudar a levantar, meu amigo me segurou e me levou até um banco qualquer. Devido às quedas e tonturas constantes, os alunos do quarto ano conseguiram colocar bancos espalhados nos corredores, entre os armários. Era a única escola do condado que adotara a ideia, tudo por minha causa.
— O que aconteceu?
— Eu preciso me esconder nas suas costas o resto do ano.
Eu estava prestes a ter um ataque de pânico. A escola não poderia ter feito isso comigo, depois de tudo que aconteceu; me sentia mais humilhado ainda naquele momento.
Mason Harris não poderia voltar e se instalar como a minha fraqueza de novo.
Fazia algumas horas que Mason retornara à escola, mas eu ainda não dera de cara com ele. Megan se ofereceu para conversar com Mason, mas eu não poderia simplesmente me esconder atrás dos meus amigos o resto do ensino médio, só porque um cara do passado tinha retornado. Meu melhor amigo também perguntou se eu mesmo não queria resolver isso conversando de vez com Mason, já que nunca tivemos oportunidade de conversar apropriadamente. Entretanto, eu era Jude Wallace. Eu jamais iria me rebaixar indo até ele colocar as cartas na mesa, não era meu estilo.Para a minha sorte e conforto da mente, Mason não fora visto em nenhum lugar da cantina no horário do almoço, mas ouvi boatos de que ele havia assistido algumas aulas de manhã; graças ao bom Deus nenhuma delas era comigo, mas ainda existia o resto do dia e mais outros quatro dias da semana.A aula de química
Quando meu avô foi atrás de mim, pedindo para eu voltar, entrei em pânico. Não estava nos meus planos sentir compaixão de um velho escroto como ele, mas meu coração amoleceu em algum momento na minha estadia em Water Falls. Eu passei praticamente três anos indo a reuniões em grupo, horários semanais com o psicólogo – às vezes psiquiatra –, aulas e treinos de basquete. Aulas extras de sociologia e filosofia, com foco em ética e moral.Não que eu nunca tivesse me interessado por isso, no fim das contas, eu também fui um nerd antes de Simmons me rejeitar publicamente. Mas pior do que praticamente ser obrigado a estudar tudo o que eu já havia aprendido, era que tudo, absolutamente tudo me fazia pensar em Jude Wallace.Por que eu só pensava nele?Houve certa noite em que eu chorei. Chorei igual um bebê recém-nascido, ig
Heath estacionou na área dos veteranos e seguimos para a entrada da escola; poderíamos ter entrado pela área dos veteranos, mas eu estava interessado em achar uma certa pessoa, então ele acabou acatando meu pedido, apesar de ele querer entrar logo para falar com a diretora.Meu desejo era que nenhum deles me reconhecesse, mas era um pedido ingênuo demais; assim que demos a volta no estacionamento e formos para a entrada principal, eu reconheci todos os rostos possíveis da época do ginásio. Vi a galera com quem eu costumava andar antes de ser popular – sabendo que meus bons companheiros de RGP, Evan e Garret estavam bem longe dali; reconheci Boston Harris enchendo o saco de um garotinho, provavelmente do segundo ou primeiro ano. Ele não mudava nunca, mesmo já sendo um aluno do quarto ano.— Tá nervoso, gatinho manhoso? — Provocou Heath— Por que eu estaria nervoso?
— O que tá olhando agora? — Heath perguntou ao me ver encarando outro cartaz na parede do corredor. As aulas do período da tarde haviam acabado de terminar, o que iniciava os horários dos treinos, testes e clubes. — É outra imagem do seu crush?— Eu vou... — Eu levantei a mão, fingindo que iria bater nele, mas ele apenas sorriu de mim. Ele estava adorando toda aquela situação em que meu desespero pra me desculpar era maior que minha concentração no futuro. — Eu falo sério, pára com isso. É um cartaz sobre os testes de basquete. Não quer fazer? Você joga bem.— Eu passo. Vou fazer inscrição no clube de culinária. Podemos levar as sobremesas pra casa. Boa sorte no teste — Heath deu dois tapinhas em meu ombro antes de continuar seu caminho.Heath fazia os treinos de basquete comigo em Wa
Quando Vaught estacionou na porta da minha casa, era possível escutar a voz da minha irmã gritando com Josh, meu cunhado. Eu até poderia imaginar alguma coisa, e já sentia pena do meu pobre cunhado que havia se casado com uma pessoa tão amarga quanto a minha irmã. Sinceramente, eu pensava e os olhava às vezes, indagando em que momento de sua vida eles decidiram que casamento era a melhor opção, mas eu me perguntava mesmo o que exatamente encantara Joshua Timberg por aquilo ali, que supostamente deveria ser uma irmã carinhosa, – no mínimo, educada – mas era um poço de ignorância, um poço cheio de suco de limão azedo.— Quer ir pra minha casa? Estamos a duas quadras de distância mesmo — convidou Vaught, mas eu precisava ir pra casa, precisava conversar com Josh um certo assunto, e de preferência longe da minha irmã amorosa, porque, c
Eu nunca parei para ver qualquer folheto do time de basquete da escola, nunca em todos esses anos, mesmo antes de tudo acontecer, mas ali eu me encontrava, sem tirar os olhos da lista de atuais jogadores do time, desde os titulares e reservas; eu não queria confirmar ou aceitar, mas apenas estava ali parado para observar se um nome em questão estaria ali ou não. Bem, o nome estava estampado bem abaixo do nome de Benjamin, o cara que não havia errado nenhuma bola durante o teste. E pra melhorar mais ainda a situação de Mason, ere era titular; isso era a prova de que Elliot e Mason estariam se encontrando em todos os lugares a partir daquele dia.— Porque o aceitou no time? Você não tem pena de mim? — Lancei a Elliot, indignado e me sentindo um tanto traído pelo meu amigo.— O que eu poderia fazer? Ele é bom, ele foi o segundo melhor, s&
— Eu nem acredito que você entrou no time — Heath disse de repente, enquanto trocava de camisa, a educação física começaria em alguns minutos. — Ele foi bom, fazer o quê — respondeu Gabriel, um dos garotos do time de beisebol, também um veterano. — Quando você treinou? Até onde eu lembro, você não jogava tão bem. — Onde mais ele poderia ter treinado? — Retrucou Heath. — No reformatório! Os caras que estavam conosco pareceram completamente surpresos com a resposta dada pelo meu melhor amigo, o que me deixou quase sem graça. — O que vocês acham que a gente faz em um reformatório? — Perguntei envergonhado, mas sem deixar de esbanjar um sorriso surpreso. — Acham que ficamos pres
O sino do café – e também livraria – tocou assim que eu abri a porta, levando em mãos o aviso sobre a vaga disponível para estudantes; segui até o balcão e depositei objeto em cima do balcão, dizendo: — Vim me candidatar pra essa vaga. Eu sou muito competente e trabalhador — disse, com tamanha convicção. — Por favor, me contrate. A mulher me olhou com alguma desconfiança, claro, eu não tinha currículo, porque havia simplesmente acabado de passar na porta do café e percebido a placa. A mulher continuava a me olhar desconfiada, mesmo assim, chamou o dono do local, que apareceu logo em seguida. Era um homem baixinho, com uma barba longa e um bigode enrol