Uma criança fragilizada, como se seus pais a houvessem esquecido na escola. Era assim que Liana estava. Com os joelhos dobrados sobre o estofado, deixou a testa descansar neles, enquanto as lágrimas caíam incessantes. Seus pensamentos eram rápidos e confusos. Preocupava-se com a vida de sua avó, com o sacrifício que ela havia feito e, principalmente, com o fato de estar sentada ao lado de um homem desconhecido.
O simples pensamento de que ele pudesse tocá-la lhe causava arrepios, mais ainda do que olhar para sua cicatriz enorme. Ele não era um homem feio; pelo contrário. Talvez a cicatriz causasse espanto à primeira vista, mas Álvaro era um dos homens mais bonitos da cidade. Todas as mulheres o desejavam, até que, em uma batalha, uma marca foi deixada em seu rosto, transformando o homem cobiçado em um monstro enjaulado.
— Não quero mais ouvir seus lamentos. Comprei você do seu pai, não para que chorasse como uma criança rebelde, mas para que estivesse ao meu lado na posição de minha esposa.
Ela o olhou, espantada. A naturalidade em sua fala a assustou. Sentia-se como uma mercadoria usada, que qualquer um poderia arrebatar. Engoliu o choro, pensando no que seria de sua vida dali em diante.
O carro deslizou suavemente pelo caminho de pedras, adentrando uma imensa propriedade. Liana ergueu o olhar, ainda abraçando os próprios joelhos, e ficou boquiaberta com o que viu.
A mansão Belmont era um verdadeiro palácio. Lustres brilhavam através das janelas altas, colunas de mármore adornavam a entrada, e um jardim impecável se estendia ao redor da propriedade. Tudo parecia saído de um conto de fadas – um conto do qual ela não queria fazer parte.
Álvaro desceu do carro primeiro e abriu a porta para ela. O gesto poderia ser considerado cavalheiresco, não fosse a frieza estampada em seu rosto.
— Vamos.
Liana hesitou, mas a lembrança de sua avó a fez mover-se. Seus pés tocaram o chão frio e, ao dar os primeiros passos em direção à entrada, sentiu-se como uma prisioneira marchando para sua cela.
O interior da casa era ainda mais deslumbrante. O chão reluzia em mármore polido, quadros de artistas renomados pendiam das paredes, e o aroma suave de jasmim preenchia o ar. Mas o esplendor não afastava a sensação de aprisionamento que crescia dentro dela.
— Ágata, leve-a para o quarto.
A voz de Álvaro ecoou pelo salão, e uma mulher de expressão severa surgiu à sua frente. Vestida com um uniforme impecável, Ágata a olhou de cima a baixo com um desdém mal disfarçado.
— Por aqui — disse secamente, virando-se sem esperar que Liana a acompanhasse.
Liana seguiu a empregada pelos corredores silenciosos, sentindo-se cada vez menor diante da grandiosidade do lugar. Quando chegaram ao quarto, Ágata abriu a porta sem cerimônia.
— Esse será o seu quarto.
Liana entrou e ficou maravilhada. A cama era gigantesca, os móveis de madeira nobre tinham detalhes dourados, e cortinas de veludo cobriam as janelas.
— Se precisar de algo, peça a outra pessoa — disse Ágata, saindo antes que Liara pudesse responder.
O peso da solidão caiu sobre ela.
Suspirando, começou a explorar o quarto, tentando absorver sua nova realidade.
— Oh, minha querida…
A voz doce e acolhedora a fez se virar.
Na porta, uma senhora de cabelos grisalhos e olhos bondosos a observava com ternura. Ela se parecia com sua avó, e isso lhe trouxe uma sensação de paz.
— Você deve ser Liana.
— Sim… e a senhora?
— Betânia, a cozinheira. — Ela sorriu. — Se precisar de algo para comer, me avise. Você parece exausta.
Liana sentiu o estômago revirar.
— Obrigada, mas acho que vou apenas descansar.
Betânia assentiu, sem insistir.
— Então, tenha uma boa noite.
Quando ficou sozinha, Liana deixou-se cair sobre a cama. Não queria chorar. Não queria sentir a dor da humilhação outra vez. Mas as lágrimas vieram, silenciosas, até que o cansaço a venceu.
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O amanhecer trouxe um choque brutal.
Liana acordou sobressaltada ao som de batidas firmes na porta.
— Levante-se — ordenou Ágata. Como sempre, nem esperou resposta antes de adentrar o quarto. — Hoje é o seu casamento.
— O quê?!
Seu coração disparou.
Sem pensar duas vezes, correu até a varanda. Era alto demais para pular, mas precisava arriscar algo. A sensação de pertencer a um homem para sempre lhe deu uma coragem desconhecida e, sem pensar duas vezes, ela se jogou da sacada.
Correu pelo jardim, sentindo a grama pinicar seus pés. Assim que viu o portão de grades, teve a brilhante ideia de escalá-lo, mas não imaginou que os seguranças de Álvaro a capturariam tão facilmente.
— Soltem-me! Eu exijo!
— Exigir? — A voz grave e fria de Álvaro interrompeu sua súplica. — Você não está em posição de exigir nada, Liana.
Seus olhos encontraram os dele, e um arrepio percorreu sua espinha. Ao encarar sua cicatriz, seu estômago embrulhou ainda mais. Não por achá-lo feio, mas por imaginar o quão cruel ele poderia ter sido para adquiri-la. Álvaro estava ali, imponente, observando-a como um lobo que acabara de capturar sua presa.
Ele fez um gesto sutil, e os seguranças a soltaram.
— Venha comigo.
Sem escolha, ela o seguiu até um escritório luxuoso. Ele fechou a porta atrás de si e encostou-se na mesa, cruzando os braços.
— O que você esperava? Pulando como uma gata borralheira do terceiro andar? Se pretende se livrar de mim, não é assim que vai conseguir.
— Eu não quero me casar com você!
— Isso não importa. Você assinou o contrato.
Ela fechou as mãos em punhos, furiosa.
— Você é um monstro!
— Um monstro que salvará sua avó.
As palavras atingiram-na como uma faca.
— Logo ela receberá os medicamentos, como combinamos. Mas se continuar sendo essa menina rebelde, terei o maior prazer em acabar com a vida de seu pai e com seus sonhos de ver sua avó saudável.
Ele sabia exatamente onde atacá-la.
— O que quer de mim?
Álvaro inclinou-se levemente, sua proximidade sufocante.
— Quero uma esposa que saiba seu lugar. Que entenda que agora pertence a mim.
Seus olhos escuros percorreram o rosto dela, estudando-a de uma maneira que a fez prender a respiração.
— E por que eu? — Sua voz saiu mais baixa do que queria.
— Porque você me intriga.
Ela piscou, surpresa.
— A sua esposa deveria ser minha irmã, não eu.
— Mas foi você. — Ele caminhou lentamente até ela, como um predador cercando sua presa. — Aceite esse fato.
Álvaro deslizou um dedo pelo braço dela, um toque sutil, mas que fez seu corpo inteiro arrepiar. Liana sentiu um calor desconhecido subir por sua pele. Não era medo. Era algo pior. Era atração.
Não!
Afastou-se, tentando dissipar aqueles pensamentos absurdos. Álvaro sorriu de canto, como se tivesse lido sua mente.
— Nos vemos no altar, Liana.
Com um último olhar intimidador, ele saiu, deixando-a sozinha, confusa e aterrorizada com o que começava a sentir.
Vote!
Liana foi conduzida até o seu quarto e preparada como as mulheres se preparam para o casamento. Com um banho prolongado, foi massageada e coberta por pétalas de flores. Ela revirou os olhos inúmeras vezes. Não entendia o motivo daquela palhaçada, já que o casamento não passava de um arranjo. Tudo era uma farsa. — Betânia. — Sim? — Por que ele está se casando comigo? Eu não consigo entender. Entre tantas mulheres no mundo, arranjar compromisso com a minha meia-irmã não seria uma ideia mais inteligente? Com um sorriso gentil, Betânia sentou-se ao seu lado na cama. — Álvaro sempre foi o filho rejeitado, deixado de lado. O bilionário Eduardo Belmont nunca o reconheceu como filho de verdade. Tudo piorou quando a cicatriz se formou em sua face. Álvaro foi tratado como um monstro, e até hoje isso distorce os sentimentos dele. — Você ainda não me respondeu. Por que se casar? Por acaso ele tem medo de ficar só? Hm. Com certeza é isso. Ninguém se casaria com um monstro... com uma ci
Álvaro era um menino tímido que cresceu em um orfanato em Washington. Sua mãe o havia deixado para trás, pois, para ela, essa era a única alternativa para fugir com seu grande amor, o milionário César Strong. Estar em um ambiente onde todos o observavam o deixava constrangido. As inúmeras visitas de famílias que poderiam adotá-lo apenas aumentavam sua dor. O êxtase de acreditar que seria escolhido e, posteriormente, ser deixado de lado fez com que o pequeno Álvaro criasse uma armadura que o impedia de sentir amor e empatia. Afinal, ele sequer sabia o que era isso. Somente aos 16 anos foi adotado pela família Belmont. Ester, sua mãe adotiva, precisava de um herdeiro. Não conseguia engravidar, e esse fardo estava acabando com ela. Então, junto de seu marido, decidiu adotar Álvaro. O bilionário Eduardo Belmont aceitou, pois não via outra alternativa. Até que, inesperadamente, Ester engravidou, e finalmente o filho legítimo nasceu. ---Ele a encarava como se quisesse feri-la. Liana
Liana sabia que havia sido descoberta. Com os olhos fechados, implorando a Deus e à Luna para que o castigo não fosse tão grande, ela sentiu seus braços serem puxados para fora da mesa. A força que Álvaro aplicava era maior do que da outra vez. Ele estava com uma feição diferente, constrangido e, ao mesmo tempo, furioso. Talvez ele não quisesse ter descoberto dessa maneira tão estúpida. — Você é um mentiroso. — O que estava fazendo aqui? — Não interessa! Você vem enganando pessoas. Como pode? A minha avó é uma das mulheres que estão sendo lesadas por pilantras como você! Álvaro apertou os lábios. Ele não suportava o fato de uma mulher gritar com ele. Quanto mais ela falava, mais a raiva subia dentro do seu corpo. A vontade era pegar o corpo franzino da jovem, arrebitar o seu bumbum e estapeá-lo. Seria pouco para ela. — Eu tenho nojo de você. Nojo de estar casada com um homem que, além de ser um farsante, usou a doença da minha avó para se casar comigo. É tão feio assim que n
— Levante agora. Ágata jogou uma muda de roupas em cima de Liana. A mulher acordou no susto, olhou o relógio e viu que não era nem ao menos cinco da manhã. O que estava acontecendo? Se perguntou. —O que você está fazendo? Ágata puxou o seu punho para se levantar, o corpo de Liana voou nas mãos da empregada. Com o olhar fixo ela dissertou tudo o que o seu patrão havia lhe ordenado a falar. — De hoje em diante, você não faz parte dos benefícios de quem é esposa do patrão. Agora você é uma empregada como eu. Ela sorriu de lado. — Quer dizer, Você jamais será como eu, não tem os mesmos atributos. Liana sorriu sem vontade. Ainda tentando entender o que estava acontecendo. Então quer dizer que o seu marido a transformou em sua empregada? Aquilo só podia ser uma brincadeira. Ter que aturar um homem deplorável e ainda trabalhar para ele, era o cúmulo da história. — O que está me olhando garota? Coloque imediatamente o seu uniforme vai limpar os banheiros dessa casa. Eu não esto
— O que você está fazendo aqui? Era estranho reviver uma cena do passado. Olhar para aquele rosto que por muito tempo foi o seu confidente, trazia lembranças desagradáveis. Alice estava linda como sempre. Os seus cabelos loiros medianos caindo em cascata em seu colo, demonstrava a modernidade que refletia em sua roupa. Com um terninho azul com a sala lápis combinando, ela estava pronta para relembrar os velhos tempos. — Surpreso ao me ver? Decidi fazer uma visita inesperada. Pela sua cara, percebo que está realmente chocado com a minha presença. — Como eu te expulsei há muito tempo da minha vida, realmente estou surpreso pela sua falta de vergonha na cara. Ela sorriu sem vontade. Analisou por completo a mulher que estava ao lado do seu ex-noivo. Olhando de cima para baixo, percebeu a semelhança idêntica a ela. Balançando a cabeça ela confirmou as suas suspeitas. Na realidade ele nunca a esqueceu, pensou. — Sério que teve que se casar com uma mulher quase idêntica a mim? Porque? P
Liana ainda estava parada no mesmo local sem entender absolutamente nada. Assim que a porta bateu, evidenciando que Alice havia ido embora, Álvaro pode respirar aliviado. Ele apertou os olhos e passou as mãos ao cabelo. Não estava entendendo nada do que aconteceu, somente que ela o beijou e ele o correspondeu. Assim que olhou para Liana percebeu que tinha acontecido e automaticamente a sensação de desapontamento lhe incomodou. Mesmo que ele soubesse que o casamento dos dois era somente fachada não se sentia bem beijando outra mulher na frente de sua dela. Ele era um homem íntegro com os princípios bem alinhados. E o que havia acontecido naquele local não fazia parte do seu modo de agir. —Eu não queria ter feito isso. Ele começou a falar. A jovem até então que estava muda, balançou a cabeça e apertou os olhos. —Não, você não tem que se desculpar por algo. Ela já foi a sua noiva, vocês já tiveram um relacionamento. Eu e você somos apenas casados no papel, nossa relação não significa
Ainda assustada com tudo que estava acontecendo, Liana bateu a porta do seu quarto, mas não foi rápida o suficiente ao ponto de fechar na cara do seu marido. Ele estava furioso. Era perceptível a raiva estampada no seu rosto, era derivada pelo que aconteceu no andar de baixo. Ele não suportava a ideia do seu irmão, ter visto Liana naqueles trajes os quais estavam parados em sua frente. — Não tem vergonha? Uma mulher casada não devia desfilar seminua pela casa, com tantas pessoas à espreita. Como você acha que eu me senti? — Você deveria se sentir como? Ela não entendia o porquê de tamanho raiva. Os dois não tinham relacionamento nenhum, então não precisavam essa cena toda. Ela fechou os braços evidenciando os seus seios, fazendo subir levemente. Nesse mesmo segundo, Álvaro olhou, desviou o olhar no instante seguinte. Ela era linda e isso não podia negar. Era impressionante o fato de como ela mexia com ele.— Não deveria andar com essas roupas, na próxima vez que eu ver isso acontec
Levar Liana para escolher uma roupa para o baile de máscaras, não era difícil, o mais difícil era fazê-la querer alguma coisa. Com a cara emburrada, todas as roupas que Betânia mostrava, não a agradava. Ela estava doida para ir embora daquele local, um amontoado de pessoas, falatórios, crianças chorando, não era o seu passeio favorito. Ela olhava para as crianças e se perguntava se um dia conseguiria ter filhos. Até então não era um dos seus planos, mas se conhecesse uma pessoa realmente boa, que fizesse sentir segura, essa poderia ser uma boa opção. Até um mês atrás, acreditou que construiria uma família com o seu ex-noivo. A traição rasgou o seu peito de uma maneira que ainda não conseguia superar.—esse vestido! Esse vestido é muito bonito, é a sua cara. Vermelho, com um leve decote, com pedrarias em toda extensão. Enquanto Betânia estava a falar, ela revirou os olhos e andou até a entrada da loja. O único que queria era que o passeio acabasse e voltassem para o castelo do monsto