O médico nos encara por um momento que parece uma eternidade. Seu rosto está cansado após horas na sala de cirurgia, mas seus olhos permanecem alerta. — Ela sobreviveu à cirurgia — ele finalmente diz, e sinto meus joelhos fraquejarem com o alívio. — O projétil perfurou o pulmão esquerdo e causou danos significativos, mas conseguimos estabilizá-la. Houve uma perda substancial de sangue, o que nos preocupou bastante durante o procedimento. — Mas ela vai ficar bem? — James pergunta, claramente preocupado. O médico suspira, ajustando os óculos. — As próximas 24 horas serão críticas. Ela ficará na UTI, sedada e em ventilação mecânica para permitir que o pulmão comece a se recuperar. — Ele faz uma pausa, alternando o olhar entre mim e James. — Preciso ser honesto: a paciente ainda não está fora de perigo. Existe risco de complicações, mas ela é jovem e aparentemente saudável, e isso favorece a situação dela. — Podemos vê-la? — pergunto, mal reconhecendo minha própria voz. — Somente p
“Mia Bennett” Tudo aqui é tão claro. Tão vívido, limpo. Perfeito. A luz não incomoda meus olhos, mas parece reacender cada detalhe ao meu redor. As flores silvestres balançam suavemente, o céu é absurdamente azul, e a grama acaricia meus pés descalços. Não sinto dor. Meu peito não arde enquanto respiro… Meu corpo parece leve, como se pudesse flutuar a qualquer momento. Olho ao redor enquanto caminho pelo campo de flores, deslizando as mãos pelas pétalas. As cores são mais vivas, as fragrâncias mais intensas. Não sei há quanto tempo ando por esse paraíso que parece não ter fim, mas quando vejo um banco de madeira sob uma árvore enorme, decido me sentar. Observo as borboletas dançando ao meu redor e sinto uma paz indescritível. — É lindo, não é? A voz que vem por trás de mim faz meu coração parar. Conheço essa voz. Conheço tão bem que, mesmo após meses sem a ouvir, reconheceria em qualquer lugar. Me viro lentamente, quase com medo de que ela desapareça se eu me mo
A voz de Ethan chega até mim, distante e, ao mesmo tempo, clara. Tento focar no rosto dele tão perto do meu, seus olhos brilham com lágrimas contidas. Quero responder, dizer que sim, voltei por ele, por nós, como minha mãe me instruiu. Mas meu corpo não coopera. Sinto apenas meus lábios formando um sorriso fraco antes que a escuridão me envolva novamente. Tento abrir os olhos outra vez, mas eles se recusam a responder. Entre a consciência e a inconsciência, ouço vozes familiares, o toque de mãos, o bip constante… Não sei quanto tempo se passa assim, nesse ciclo interminável. Minutos, horas, talvez dias. Até que, finalmente, consigo retomar o controle dos meus olhos, encontrando um teto branco sobre mim. Tentar respirar profundamente é um erro que percebo imediatamente. Uma dor aguda atravessa meu peito, me fazendo engasgar e forçando minha respiração a se tornar superficial. Movo meus dedos, testando cada parte do meu corpo. Tudo parece conectado e funcionando, embora cada
Não faço ideia de quanto tempo permaneci dormindo, mas, quando abro os olhos novamente, o sol já não brilha lá fora. A lua, no entanto, ilumina o quarto com a mesma imponência. Viro o rosto para o lado, esperando encontrar Ethan, mas, para minha surpresa, é meu pai quem está sentado na poltrona. Assim como Ethan, ele também parece péssimo. — Pai — chamo, num tom baixo. Ele se vira rapidamente para mim, e vejo a surpresa e o alívio em seus olhos. — Filha — ele diz, aproximando-se. — Como está se sentindo, querida? — Como se um trem tivesse passado sobre mim — respondo, tentando sorrir. Meu pai solta um riso curto, mas logo o sorriso desaparece, dando lugar à seriedade. — Você nos deu um susto, filha — murmura, segurando minha mão. — Me desculpe. Sei que não foi minha culpa, mas isso não muda o fato de que ele passou os últimos dias no inferno por minha causa. Ele suspira, passando a mão pelo rosto. — Eu deveria ter te protegido melhor — diz, num tom baixo, carregado de culp
A notícia não me surpreende tanto quanto deveria. No fundo, tinha certeza de que isso aconteceria. Finalmente, duas pessoas importantes na minha vida encontraram uma à outra. O jantar dos “morangos assassinos” serviu muito bem para isso. — Sinceramente? — faço uma pausa dramática, vendo a apreensão no rosto dela. — Acho que vocês combinam mais do que imaginam. O alívio em sua expressão é quase cômico. — Sei que é… complicado. Com tudo que aconteceu, e… bem, ele sendo seu pai e eu sendo irmã de Ethan. Cada vez mais, tudo isso parece uma novela mexicana — Lauren tenta brincar, mas a insegurança continua em seus olhos. — Vocês são perfeitos um para o outro, e é isso que importa — digo com sinceridade. — Você precisa de piadas sem graça e ele precisa ser lembrado de que a vida não é feita só de trabalho. Lauren me encara, surpresa. Então, finalmente solta um suspiro e abre um sorriso aliviado. — Estava nervosa para te contar — admite. — Sei que sua relação com seu pai ainda é rec
“Mia Bennett” Dez dias. Nove noites. Duzentas e dezesseis horas presa entre paredes brancas, o som constante dos monitores e o cheiro persistente de desinfetante que parece ter se impregnado na minha pele. Mas agora, sentada na beira da cama do hospital, com os pés tocando o chão frio e vestindo roupas de verdade pela primeira vez desde o sequestro, sei que finalmente está acabando. — Isso não deveria levar tanto tempo — reclamo, olhando para o relógio pela terceira vez em cinco minutos. — Quanto tempo demora para assinar alguns papéis? Ethan para de colocar meus pertences na mala e me encara com aquela expressão paciente que já conheço bem demais. — A burocracia hospitalar é quase tão ruim quanto a tributária, meu amor. — Alguém está ansiosa para ver o mundo exterior — Lauren brinca do outro lado do quarto, enquanto guarda os livros e revistas que me ajudaram a suportar o tédio dos últimos dias. — Nem imagina quanto. Passei dias contando os quadrados do teto — resmungo, ajusta
A volta para casa foi estranha. Após tantos dias confinada entre as paredes brancas do hospital, meu apartamento parece surpreendentemente desconhecido. As cores estão mais vivas, os sons são diferentes, os cheiros são intensos… Sem mencionar a versão reorganizada dele, adaptada para minha recuperação. A mesa de centro desapareceu, abrindo espaço para que eu possa andar com mais segurança. Há almofadas extras no sofá. Uma pequena campainha ao lado da minha cama. Minha nova realidade. — Espero que esteja com fome — Ethan diz assim que entra no quarto, trazendo meu café da manhã. Tento me ajeitar na cama, mas uma pontada de dor nas costas me faz parar. Respiro fundo, contando até três mentalmente antes de tentar novamente, com mais cuidado. — Deixa que eu te ajudo, meu amor. — Ele coloca a bandeja sobre a mesinha de cabeceira e se aproxima para ajeitar os travesseiros atrás de mim. — Acho que já podemos acrescentar “enfermeiro de primeira classe” no seu currículo — brinco, acei
Ethan deixa o notebook de lado para atender a porta, e logo a enfermeira chega. Clara, uma mulher de meia-idade, já esteve aqui ontem quando cheguei do hospital. — Bom dia, Srta. Bennett. Como está se sentindo hoje? — Sobrevivendo — respondo honestamente. — Um dia de cada vez. Clara sorri enquanto prepara seus equipamentos. Por alguns minutos, os cuidados seguem como de costume: ela verifica meus sinais vitais, me ajuda a tomar os remédios, avalia a cicatrização… — A recuperação está progredindo muito bem — comenta, aplicando um novo curativo. — A fisioterapeuta virá amanhã para começar exercícios respiratórios mais intensivos. — Mal posso esperar — digo, tentando soar animada. Clara fecha a maleta e me encara com um olhar decidido. — Vou ajudá-la a tomar banho hoje. — Consigo fazer isso sozinha — respondo rapidamente, odiando a ideia de precisar de ajuda até para isso, aqui na minha própria casa. — Srta. Bennett, seus pontos ainda não podem ser molhados em excesso, e movim