“Ethan Hayes”Os sorrisos ao meu redor são tão naturais quanto o botox espalhado pelos rostos da maioria dos homens que me rodeiam. Mais um evento beneficente, mais uma noite fingindo que estou realmente interessado em cada palavra vazia que é pronunciada.A hipocrisia me sufoca, mas é preciso.Afinal, não só nas salas de reunião que os negócios acontecem. Aqui, conexões são feitas, contratos são fechados e alianças são construídas, por mais irritante que seja fingir interesse em conversas que não levam a lugar algum.Ouço um grupo de investidores reclamar sobre o mercado financeiro como se isso fosse novidade. Entre um gole de bebida e outro, mantenho meu mau-humor sob controle, mesmo quando James tenta me puxar para essas conversas que ele insiste em chamar de diplomáticas.— Ethan, você está muito quieto. Não vai nos agraciar com algum comentário ácido? — James provoca ao meu lado, claramente notando minha impaciência.— E arriscar estragar a noite de alguém? Prefiro me conter — re
“Mia Bennett”Para o meu alívio, os olhares sobre a filha desconhecida de James Bennett duraram pouco, e ninguém mais parece prestar atenção em mim. Aos poucos, o nervosismo que sentia dá lugar a algo mais leve, quase confortável.— Não é tão ruim quanto imaginei — digo a Gabriel e Vitória, olhando ao redor.— Viu? Falei que você se acostumaria — Gabriel responde, dando um gole em seu champanhe. O truque é entender que ninguém realmente se importa com você aqui, a menos que você seja mais rico ou importante do que eles.Solto uma risada baixa, relaxando um pouco mais. Mesmo em meio a todo o luxo e formalidade, os dois conseguem me fazer sentir normal. Ou quase isso.Quase. Porque cada vez que olho ao redor e o vejo, meu coração insiste em me lembrar que estou longe de qualquer normalidade.Ethan está a alguns metros de distância, em meio a uma conversa com um grupo de homens, mas ainda assim, seu olhar permanece no meu por um instante longo demais. Meu rosto esquenta imediatamente.Te
Pang!Um estrondo seco ecoa pela casa, seguido pelo som inconfundível de vidro se estilhaçando.Meu corpo se encolhe instintivamente debaixo das cobertas. Não preciso olhar para o relógio ou descer as escadas para saber o que está acontecendo. Eu sei.David, meu padrasto, está bêbado de novo.— Sarah, meu amor! Você não podia ter me abandonado! — ouço-o gritar lá embaixo, seguido pelo som de mais alguma coisa se estilhaçando.Fecho os olhos e respiro fundo, tentando controlar as lágrimas que ameaçam cair. Mas é inútil. Desde que minha mãe faleceu, os dias têm sido assim. A dor já era suficiente, mas a reação de David só torna tudo ainda pior.Exatamente como tem sido nas últimas semanas, os passos cambaleantes no corredor me fazem congelar. Logo, o som de seu punho batendo contra a porta ecoa pelo quarto.— Ela está morta por sua causa! — ele grita, seguido por mais um soco contra a porta. — Você matou sua mãe! — Outro soco. — Se você não fosse tão dependente, ela estaria viva!Pressi
Três semanas se passaram desde aquela noite. Não me lembro de muita coisa após o toque da campainha. Apenas dos vizinhos, do falatório ao meu redor, das sirenes… Quando realmente despertei, após algumas horas ou dias, já estava no hospital. Sobrevivi, mas com cicatrizes que não aparecem apenas no espelho. Tive alta antes de David. Voltei para casa, tentando acreditar que ele pagaria pelo que me fez. Mas não foi o que aconteceu. Ele voltou duas semanas depois, como se nada tivesse acontecido, como se não tivesse quase tirado minha vida. Naquela mesma noite, o som de uma garrafa sendo aberta me trouxe de volta à realidade. David e álcool nunca foram uma boa combinação. Não esperei para ver o que aconteceria novamente. Peguei o pouco que tinha, uma mochila e minha coragem, e saí pela porta sem olhar para trás. A única pessoa que pode me ajudar agora é alguém que eu mal conhecia: James Bennett, meu pai biológico. Um homem que mal conheço, mas que parece ser minha última chance de rec
Alguns minutos depois, paramos em frente a um hotel que me deixa boquiaberta. É imenso e elegante, o tipo de lugar que só vi em filmes.— Você não perguntou, mas me chamo Ethan — ele se apresenta, me encarando com uma intensidade que me faz estremecer.— Mia — respondo, mesmo já tendo dito meu nome antes. O bar é sofisticado, com iluminação baixa que cria um ambiente íntimo. Ele escolhe uma mesa no canto, estrategicamente isolada das demais. — O de sempre, Sr. Hayes? — o garçom pergunta, me dando um olhar discreto.— Sim. Um Moscow Mule para a senhorita — Ethan decide, sem hesitar. Seus dedos roçam levemente os meus ao passar o cardápio. O toque é breve, mas suficiente para fazer meu coração acelerar.— Você me conhece há poucos minutos, como acha que sabe o meu gosto? — provoco, erguendo uma sobrancelha.— Te conheci há pouco, mas percebi o suficiente para saber que precisa de algo forte — ele responde, abrindo um sorriso confiante.A bebida chega, e tomo um gole generoso para deix
Após uma semana desde aquela noite, encaro meu reflexo no espelho do banheiro da cafeteria onde passei a última hora tentando criar coragem. As olheiras continuam sob meus olhos, relembrando as últimas noites em claro, pensando em qualquer alternativa que pudesse me ajudar a restabelecer minha vida sem envolver James Bennett.Mas como fazer isso em uma cidade desconhecida, sem ter onde morar, sem experiência profissional e com apenas dezoito anos? — Você pode fazer isso, Mia — murmuro para mim mesma, ajeitando pela décima vez a alça do meu vestido.Quinze minutos depois, estou novamente diante do imponente prédio espelhado. Hoje é tudo ou nada. Ou encontro James e tento recomeçar, ou terei que engolir meu medo e voltar para Portland.— Bom dia. Preciso falar com James Bennett — digo assim que paro na recepção. A recepcionista, diferente da semana passada, me olha de cima a baixo com uma sobrancelha erguida.— O Sr. Bennett não recebe ninguém sem hora marcada.— Eu… não sabia. Estive
O gosto amargo na boca é o menor dos meus problemas. Minhas mãos tremem enquanto tento me recompor, evitando olhar para eles. A palavra “tio” continua ecoando na minha mente, me fazendo ofegar.— Mia, você está bem? — James pergunta, num tom preocupado. — Quer um copo d'água?Assinto levemente, finalmente virando para encará-los. No entanto, Ethan se mexe primeiro. Sem dizer nada, ele caminha até o frigobar no canto da sala.— Aqui. — murmura, me entregando uma garrafa de água.— Obrigada. — murmuro enquanto minhas mãos trêmulas seguram a garrafa. Dou um pequeno gole, tentando engolir o nó na garganta. James observa em silêncio enquanto Ethan se afasta, se sentando em sua cadeira de couro.— Mia… — James finalmente fala, olhando para mim. — Está melhor? Quer se sentar?— Estou bem, obrigada. — minto, mesmo sabendo que minha aparência me entrega. — Só… devo ter comido algo que me fez mal.— Certo. Agora posso saber o que aconteceu, Ethan? — James pergunta, mudando o foco da conversa.
Ethan respira fundo, ainda com o olhar fixo em mim, talvez decidindo se vale a pena continuar a provocação. Então, ele balança a cabeça e se afasta, caminhando até a janela. Com as mãos nos bolsos, ele encara a vista da cidade, ignorando completamente minha presença.Após alguns minutos de silêncio insuportável, decido abrir a boca. O desconforto de sua presença já é suficiente; o silêncio só piora.— Pensei que sua sala fosse em outro andar — murmuro, apertando nervosamente a barra do meu vestido. Ethan solta um riso seco, balançando a cabeça.— Aparentemente, James resolveu que seria uma boa ideia me pedir para esperá-lo aqui — ele responde, ainda de costas para mim. — Espero que você não tenha falado sobre o que aconteceu entre nós, porque não estou com a mínima paciência para aguentar um possível problema.Um possível problema. É isso que ele me vê, claro. Ou não teria deixado aquele dinheiro como se quisesse evitar qualquer dor de cabeça futura.Engulo em seco, sentindo minha gar