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Capítulo um

> ANDREW<

A apresentação da Alpha Beats começou em grande estilo, com uma canção pouco conhecida de um grupo norte-americano chamado Public Enemy. As coisas na pequena cidade de Lachesis haviam realmente mudado, quem diria uma banda do interior tocando Hip Hop.

Já estava acostumado com os diferentes estilos musicais, aprendi a apreciar e a trabalhar com muitos devido ao estudo e estágio na Boom. Estava orgulhoso de ver que em minha cidade natal também havia bandas de qualidade e contente por perceber que meus amigos de longa data finalmente saíram da zona de conforto, encontrando sua identidade musical mesmo com a pressão regional em admitir apenas bandas e músicos de raiz sertaneja.

Eles estavam inovando com coragem e muito talento. A maior parte das músicas escolhidas pela Alpha Beats era naquele estilo. A maioria das músicas deste gênero se faz com o auxílio de um DJ, que é aquele que produz as batidas através de equipamentos eletrônicos (CDJ, controladoras, mixers, há uma infinidade deles atualmente).

O público estava curtindo bastante, mais uma vitória rumo à transformação do gosto musical dos habitantes lachesienses. Fiquei particularmente satisfeito, não somente por estarem tocando um dos meus estilos preferidos, mas também por conta do DJ que estava sendo fundamental para o trabalho impecável que estavam apresentando, o que era mais uma grande satisfação, por ser minha área de especialização.

Fiz vários cursos depois de algum tempo admirando o trabalho de alguns DJs da capital, principalmente os que eram voltados para o Hip Hop. Muitos outros colegas ficavam apenas no círculo de músicas eletrônicas para ‘raves’. O que a Alpha estava apresentando diferia da grande maioria e o DJ sabia o que estava fazendo, fiquei surpreso por Bernardo não ter dito nada a respeito. "Já faz um tempo que a gente não troca ideia", lembrei me arrependendo de ter me distanciado do meu melhor amigo. Contudo, apesar da falta de proximidade, nossa relação continuava a mesma. Nunca precisamos nos falar ou nos ver demais, nossa amizade continuava sem pressão.

Eu estava longe do coreto onde um palco havia sido improvisado com algumas luzes e enormes caixas de som. Fui me aproximando para tentar enxergar o tal DJ, que estava bem no fundo do lugar, tive que esticar bastante o pescoço, mas encontrei. E tamanho foi meu espanto quando percebi que quem estava no comando, usando um daqueles enormes fones de ouvidos próprios para DJs era a garota que havia chamado minha atenção mais cedo: Briana.

Foi dessa forma que ela mandou meu machismo e meu preconceito ir para a casa do caralho pela primeira vez.

Era incrivelmente suave e simultaneamente intenso o modo como ela manuseava os equipamentos, com os olhos fixos no que fazia ao mesmo tempo em que balançava o corpo e a cabeça, acompanhando o ritmo da música, expressando cada batida produzida por ela mesma. Ocasionalmente ela esboçava um sorriso conforme o público emitia suas impressões através de um "uou" ou de um passo de dança, nossa cidade tinha muitos dançarinos e equipes de dança.

Enquanto ela tocava, Grecco, Candyelle e Munique (alguém que eu já tinha "pegado") cantavam uma canção intitulada He got game, com o rapaz na primeira voz e as meninas juntando-se a ele no refrão. Bernardo na bateria acompanhava Briana, fazendo ressoar as batidas de forma eletrizante em uma sintonia perfeita.

Minutos mais tarde a música chegou ao fim, assim como a apresentação da banda. Conforme os músicos se despediam do público, eram aplaudidos e recebiam assobios, mas a minha atenção estava voltada somente para aquela garota.

Não conseguia tirar os olhos dela. Então ela finalmente tirou os fones dos ouvidos olhando satisfeita para a plateia. Seu olhar cruzou o meu por alguns segundos e nesse momento eu soube: precisava conquistar essa garota antes de retornar à São Paulo. Mais um troféu para a minha coleção.

***

Assim que o pessoal terminou de guardar todos os instrumentos, cabos e equipamentos, juntaram-se a mim para que juntos pudéssemos ver as apresentações finais daquela noite, menos a pessoa que mais me interessava naquele momento.

— Então vocês têm DJ seu fodido! — Exclamei espalmando uma das mãos em suas costas. — Onde ela tá? — Perguntei a Bernardo no tom mais casual possível.

— Briana? — Ele perguntou já sabendo da resposta, sorrindo com os olhos quase fechados — Cara nem tenta. Você não faz o tipo dela nem de longe e ela conhece a Munique como já deve ter notado, lembra dela né?  — Ele dramatizou balançando a cabeça como quem vai desmaiar: — Ela já entregou seu currículo de… Como fala mesmo… embuste, pra todas as minas da cidade. Não sabe fazer outra coisa desde que comentei que você ia vir pra cá. — Ele ria da minha desgraça dando tapas nas minhas costas para consolar.

— Olha, bom saber, mas não viaja. Só queria trocar uma ideia sobre os sons que ela ajudou a fazer hoje, cê sabe que é minha área. — Respondi firme colocando as mãos nos bolsos das calças jeans preta que eram minha marca registrada.

Geralmente Bernardo me apoiava nas aventuras com garotas ou só observava porque ele mesmo não fazia o tipo "pegador", mas com Briana percebi de cara que seria diferente. Ela era como uma irmã que cuidava de todo mundo e que todo mundo fazia questão de cuidar. As pessoas a admiravam e respeitavam. Seria mais difícil do que eu imaginava.

— É! Todos sabemos muito bem qual é a sua área! — Gritou Munique que estava bem atrás de nós sem ser notada, e em um tom tão alto que chamou a atenção de Grecco e Candy que estavam abraçados mais a frente e olharam para trás para ver o que acontecia.

— Boa noite pra você também Munique, fico feliz em saber que está tão bem… — Disse olhando-a dos pés à cabeça. Ela estava ainda mais exuberante, corpo bem delineado nas roupas justas, parecia ter saído diretamente de uma revista de Educação Física. Cabelos lisos e loiros brilhantes, olhos ameaçadores.

Um bom tempo atrás havia passado algumas semanas com ela que fazia juras de amor até me pegar aos beijos com uma de suas melhores amigas, que de melhor e de amiga não tinha nada, vivia me cercando até que cedi.

Não tinha compromisso com nada e ninguém e, no fundo, ela sabia disso.

Mas aquilo a fez entrar em uma onda de estresse tão profundo, que no dia seguinte estava toda a escola sabendo do ocorrido, por conta de seu desabafo na rede social da época. Eram textos e mais textos de pura indignação, revelando em cada um deles todo o amor que sentia por mim. Milhares de depoimentos apareciam na minha página inicial, pedindo uma reparação pública para que pudéssemos nos reconciliar, coisa que eu não tinha a menor intenção de fazer.

E quanto mais eu tentava me afastar, mais ela parecia disposta a buscar meios de me fazer retroceder, eram recados no mural, bilhetes em sala de aula, escritos na lousa… o que lhe rendeu uma série de constrangimentos.

Não era meu intuito causar tudo aquilo, porém na época, eu também não pensava muito nas consequências dos meus atos.

— Estava! — Ela disse chegando mais perto de mim, olhos ardendo, corpo pronto para atacar como o de um animal antes de devorar sua presa: — Você devia ter ficado no conforto do seu apartamento, bem longe daqui, ninguém sente sua falta! — Dei um passo para trás com os olhos semicerrados e sem tirar as mãos do bolso, sendo seguido por ela.

Giramos em um ângulo de uns noventa graus para enfim nos afastar. Ela já estava alguns passos adiante com todos observando conforme se distanciava, mas então de súbito deu meia volta ficando bem próxima a mim.

— Você continua sendo um idiota Andrew e todo mundo sabe disso! — Disparou raivosa e saiu batendo os pés em direção a saída.

— Nada como chegar e ser tão bem recepcionado! — Falei tentando soar sarcástico ao perceber os olhares das pessoas em volta, provocando então algumas gargalhadas.

***

— Tem coisas que nós não conseguimos esquecer e não porque não queremos, mas porque nos marcou profundamente. Ela devia gostar muito de você ou você deve tê-la machucado muito, o que é muito provável… — Dizia Candyelle dirigindo-se a mim. 

A cena de mais cedo tinha se tornado agora a pauta da conversa entre nós, uma vez que Munique decidiu não nos acompanhar.

Estávamos sentados debaixo de uma das árvores mais lindas do Jardim Botânico da cidade, uma paineira toda florida onde antes, junto a Bernardo, Grecco e mais alguns amigos, costumávamos levar o violão para tocar e compor. Outras vezes para nos embebedar sem ter problemas com a polícia, uma vez que na época éramos menores de idade e não haviam rondas por ali, julgavam serem suficientes os dois vigilantes que tomavam conta do local: dois para 278.000 metros quadrados de área verde.

No início quando eles apareciam a gente saia correndo, mas depois de algum tempo eles se acostumaram ou cansaram mesmo de correr atrás de nós e aí deixavam a gente ficar por ali desde que a gente não chamasse a atenção dos "civis".

A verdade é que as autoridades locais não davam à mínima. A cidade não possuía espaços de cultura e lazer para a população, menos ainda direcionados para os jovens. E a adolescência parece ser tempo da vida reservado para a bagunça, é através dela que melhoramos (ou não) e descobrimos quem realmente somos ou o que deveríamos ser.

Então os caras deixavam que os jovens se concentrassem naquele local afastado do centro da cidade, longe de olhares mais críticos de pessoas sem nada pra fazer e que ficariam cobrando deles serviços de mais qualidade.

— Suponho que, na verdade, ela ainda gosta dele, esse ódio todo é amor reprimido. — Disse Grecco dando uma leve gargalhada e recebendo um olhar intimidador da namorada.

— Não entendi amor, me explica? — Ironizou Candy deixando Grecco sem jeito.

— Então, vamos parar de falar de mim e das minhas aventuras amorosas que são muitas e todas uma bosta. — Respondi tomando um gole da vodca com sabor de morango que havíamos levado para lá. — Além disso, não posso fazer nada por Munique, me arrependo das mancadas que dei e já pedi desculpas várias vezes…

Eu realmente me arrependia de tudo que fiz Munique passar. Na época era um adolescente inconsequente, fazia tudo que me dava na telha sem pensar em quem estaria envolvido e o que iria pensar ou sentir. E de uma forma meio estranha depois de todo o ocorrido, eu amadureci, passei a ter mais cuidado com os sentimentos das garotas, porém, sem me apegar. Apenas deixava claras as minhas intenções, dando a elas a opção de se envolver.

— Vocês homens pensam que tudo se resolve com um pedido de desculpas. — Disse a loura virando a cabeça para ver quem se aproximava: — Enfim uma mulher para poder concordar comigo! Senta aqui amiga. — Disse ela dando tapinhas no espaço vazio da grama ao seu lado: — Vamos ensinar pra esses caras como se trata uma mulher! — Finalizou orgulhosa.

Vi ser Briana quem se aproximava, e que estava acompanhada de dois garotos: Finn e Rafa, que também se sentaram e foram apresentados por Bernardo como integrantes de uma das bandas mais conhecidas da cidade: "Irmãos do Soul". Tocavam bluesfunk soul e MPB.

Fiquei sabendo depois, também por Bernardo, que os três estavam sempre juntos e que Briana antes de tocar com a Alpha Beats era parte do conjunto deles, mas que assim que soube por intermédio de Candyelle que Grecco precisava de um DJ em sua banda, tratou logo de se convidar. Ela gostava muito da área, porém o pessoal da banda Irmãos do Soul preferia manter o estilo tradicional e contar apenas com instrumentos musicais "de verdade". 

Aí veio a oportunidade de ela mostrar seu talento em outra área além do canto, e da qual ela gostava muito.

— Chamou a pessoa certa! — Exclamou Briana enquanto se ajeitava em meio à grama e algumas folhas secas, esfregando as mãos uma na outra: — Quem é o babaca? — Ela perguntou olhando diretamente para mim.

— Adivinha, tá difícil! — Disse Grecco quebrando o silêncio e me dando um leve empurrão enquanto ria, fazendo com que os todos os outros rissem também. Todos menos Briana e Candy, elas realmente levavam esse lance de colocar os homens em seu devido lugar a sério.

Suspirei no mesmo instante deixando escapar um sorriso sem jeito e transparecendo ser mesmo de mim que falavam.

— Muy amigo no? Essa é a primeira impressão que querem que elas tenham de mim? — Brinquei: — Mas o que eu poderia fazer além do que já fiz? Não dá pra obrigar a mina a aceitar minhas desculpas… — Me defendi rapidamente.

— Se arrepender de verdade talvez? — Disparou Briana assim que captou o assunto.

As palavras dela foram como uma pancada e me deixaram um pouco constrangido. Normalmente isso não aconteceria, pois, sempre fui seguro mesmo que arrependido de algumas escolhas como era o caso com Munique. Todavia o modo como ela falou me fez sentir não arrependimento, mas vergonha de ser quem havia sido, de atitudes que ainda tinha, na verdade, vez ou outra.

— O babaca fica pra trás então! — Pedi honestamente.

— Tá então, que assim seja! — Respondeu Briana juntando as mãos como quem reza e fazendo uma careta. Caímos todos no riso, já levemente alcoolizados. E eu esperando uma oportunidade de conhecer a garota mais de perto.

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