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Capítulo dois

Continuamos conversando por um bom tempo no qual me inteirei de quase tudo o que acontecia e tudo que acontecera por ali na minha ausência.

Grecco já conhecia a irmã mais nova de Briana: Lilian. Os dois foram namorados por quase um ano, porém, nada muito sério uma vez que nem mesmo Briana sabia quem ele era na época do relacionamento, acabou o conhecendo mais tarde através de Candy. Após o término do relacionamento com Lilian, o cara ficou muito mal e acabou sendo acolhido pela moça de olhos verdes, que até então era apenas uma colega de trabalho. A aproximação culminou em um namoro que já durava dois anos. 

O casal parecia se dar muito bem, contudo anote que se dar bem com alguém não quer dizer necessariamente que você esteja apaixonado por esse alguém. Pode ser apenas minha primeira impressão, mas dizem que é essa a que fica.

Candyelle e Briana eram amigas desde a infância assim como eu e Bernardo. Elas sempre participaram de movimentos culturais entre teatro, artes plásticas, dança, até conhecer o mundo da música. Participaram de algumas bandas e já fazia um ano que estavam junto a Alpha Beats.

Logo de cara captei que Candy era do tipo extremamente sistemática, pois, mesmo em um momento de descontração como aquele puxava a orelha do namorado e dos amigos dizendo precisarem levar as coisas mais a sério. Enquanto Briana apesar de organizada, se mostrava também extremamente criativa e divertida, tirando sarro dos comentários críticos da melhor amiga ao mesmo tempo em que fazia anotações de suas ideias e dos colegas em seu celular conforme elas iam surgindo.

Bernardo continuava como eu me lembrava, o jeitão tímido demais, acredito que devido a sua aparência, seu rosto era marcado por espinhas da época do colegial, já havia sido muito zoado pelo mesmo motivo e também pelo cabelo ruivo, causa de muitos apelidos. Nem parecia o cara cheio de si atrás da bateria, em cima do palco.

Logo após minha mudança para São Paulo começaram a ficar mais frequentes as discussões dele com meu irmão e sua banda que se afundava cada vez mais em vícios e problemas. Não demorou a que fosse convidado por Grecco e se juntasse a Alpha Beats, o que me deixou feliz pra caralho. Me sentia um bosta em deixar meu melhor amigo e o resto da banda sofrendo com meu irmão, mas era isso ou o fundo do poço.

Quanto a Finn e Rafa eram dois caras muito bacanas, mas não consegui descobrir muita coisa, exceto uma que estava muito nítida: assim como eu, queriam aquela garota. Perguntei-me por um momento se também estava clara a minha intenção assim como a deles, que ficavam babando em cima dela, qualquer coisa que ela dizia era motivo para milhares de elogios e balanços de cabeça.

Depois tentei me convencer de que na realidade ela não tinha nada de especial. Só era bonita. Tá! Beleza… era muito bonita.

Contudo, eu não era desses que ligava para aparências, pelo menos não agora. Com o tempo aprendi que a beleza só importa nos primeiros quinze minutos, depois você tem que ter algo melhor pra oferecer. E não que ela quisesse, ela simplesmente oferecia. Muito mais que aparência.

Tinha um jeito natural, um ar sedutor e isso sem precisar de pouca roupa ou palavras quentes. Era apenas ela mesma sem se preocupar em soltar um palavrão ou uma gíria aqui e ali, mesmo assim era nítido o quanto era inteligente, dizia palavras que normalmente não ouvimos em conversas debaixo de árvores. Quem é que fala "reciprocidade" com um copo de vodca na mão? É difícil pra cacete!

E não sentia vergonha das histórias malucas e sem sentido que já vivera. Sorria sem exagero, mas com sinceridade. Um sorriso doce e uma risada sonora nos lábios. Na verdade, fiquei admirado porque em menos de uma hora de conversa a sensação que eu tinha era a de que já a conhecia há anos.

Eram quase cinco horas da madrugada e estávamos todos alcoolizados, uns mais, outros menos, nos preparando para ir embora quando finalmente tive um momento a sós com ela, logo após Carina e Grecco irem para o carro dele para ter um "momento a sós"  provavelmente para discutir após o desconforto gerado por algumas lembranças envolvendo Lilian, as quais foram comentadas pelo rapaz com palavras carregadas de carinho.

Os demais saíram para tirar a "água do joelho", uma gíria usada por eles pra dizer sem a palavra mijar estarem indo urinar, e para ser sincero eu também estava doido para ir junto, mas era muito longe, do outro lado do Parque… eu não estava nem um pouco a fim de andar e ela ficaria ali sozinha: xeque-mate.

Eu estava convencido de que durante aquele tempo de conversa ela também ficara atraída por mim. Conversamos bastante e, em muitos momentos, um diálogo paralelo a todos os outros que estavam rolando a nossa volta. Nossos papos se encaixaram de uma maneira assustadora e em poucos minutos já estávamos um fazendo piada com o outro.

Estávamos sozinhos havia uns cinco minutos e ainda não havíamos dito nenhuma palavra. Ela estava deitada na grama com os olhos fechados e eu sentado ao lado com as pernas dobradas em frente ao corpo, braços jogados por cima dos joelhos, pensando se seria correto simplesmente me aproximar e beijá-la, porém depois de algum tempo observando, cheguei à conclusão de que talvez ela nem notasse, parecia não estar ali.

— Sei que já falei, mas foi massa o que você fez na apresentação hoje, curti pra caramba, quem sabe a gente… — Disse, tentando quebrar o silêncio e chamar sua atenção, mas fui interrompido.

— Obrigada. — Ela respondeu com a fala levemente arrastada sem nem abrir os olhos.

— Disponha. — Falei chegando um pouco mais perto. Ficando sentado bem próximo a ela de maneira que nossos corpos se tocavam levemente.

— Olha, não vai rolar nada… — Ela replicou de uma vez só, deixando escapar um profundo suspiro ao terminar a frase.

Senti o gosto da frustração salivar amargo em minha boca. Eu não tinha nem mesmo tentado ficar com ela e ela, nem mesmo me conhecia, e já estava me dando um fora. 

Pensei em dizer que ela estava louca por pensar que eu queria algo. "Que garota metida a besta". Contudo, silenciei. Refletindo sobre o fato de geralmente me sair melhor em situações como aquela.

Continuamos ali por alguns longos minutos, acabei também me deitando na grama macia, o que só piorou a minha embriaguez. Algum tempo depois, ouvi a buzina do carro de Grecco e logo em seguida Candy nos chamando para ir embora. 

A segunda buzina soou mais longa momentos depois, e me fez abrir os olhos imediatamente, no susto. Levantei o mais rápido que consegui, não queria e nem podia perder a carona, já que havia sido abandonado por Bernardo e teria que percorrer um caminho longo sozinho e bêbado.

O jardim levitava, descia e subia e ia de um lado para o outro sem parar. Ri levemente com o descontrole da situação. Por isso não bebia com frequência, gostava de estar no comando da minha mente.

— Uma ajudinha, por favor. — Ela disse estendendo um dos braços, me forçando a tentar enxergar direito. Continuava deitada, com as pernas dobradas e os olhos ainda fechados. O semblante sereno e feliz, "tão bonita".

Então segurei sua mão com uma das minhas e senti um choque percorrer todo o meu corpo. Meu coração acelerar. Tive vontade de tomar a garota em meus braços. Não era simples tesão ou vontade de beijar. Era diferente de uma forma que no momento não consegui explicar nem para mim mesmo. 

Se meus amigos estivessem por perto confirmariam: "bateu a nave". E era essa a sensação. De torpor. "Puta merda, preciso curar essa brisa."

Forcei os músculos do braço direito para ajudá-la a se levantar puxando-a pra cima com um pouco de desequilíbrio, o que a fez ficar bem perto de mim. Ficamos a poucos milímetros de distância, pude até sentir sua respiração, seu hálito de halls bem perto de mim. Estava pronto para lhe dar um beijo mesmo sem o seu consentimento, na esperança de fazê-la engolir toda aquela segurança e toda a ideia que fazia de mim. Fosse ela qual fosse, também na expectativa de m****r aquelas sensações estranhas para um único órgão do meu corpo. Foi aí que a buzina soou pela terceira vez, agora com ainda mais intensidade, fazendo-a dar um salto e abrir os olhos.

— Que saco! — Disparou ela assustada, levando as mãos ao peito e então me encarando com aquele par de olhos fascinantemente expressivos.

"Eu que o diga", pensei. 

E seguimos juntos em direção ao carro, lado a lado num completo silêncio.

***

Durante o trajeto de volta para a casa ficamos todos calados. Eu e Briana no banco de trás, um em cada canto da janela deixando o banco do meio vazio. Grecco e a namorada também quietos, tudo indicava haverem mesmo discutido, ela olhava por entre o vidro da janela enquanto ele dirigia com as mãos fixas ao volante, segurando-o com mais força que o necessário, por vezes dando leves batidas impacientes com os dedos.

No meio do percurso Briana acabou deitando a cabeça em meu colo, inconscientemente é claro. É isso que a vodca faz, lembrei. Quando chegamos perto de sua casa, notei estar com fios do cabelo dela entre os dedos. 

Sim, desde que ela havia se deitado em meu colo os meus dedos automaticamente começaram a alisar seus cabelos sem que nem eu mesmo percebesse, até então.

— Acorda garota! — Gritou Candy assim que abriu a porta do carro, logo que Grecco estacionou: — Vamos Briana, chegamos!

— Nossa que mau-humor… —  Ela abriu os olhos se levantando, me olhou sem jeito, se dando conta de que estivera deitada em meu colo.  

Então saiu do automóvel com a ajuda da amiga que parecia estar furiosa.

— Tchau Gre, até amanhã! É amanhã nosso ensaio né? — Perguntou Briana com a voz prolixa, meio tonta ainda olhando para Candy, esperando uma confirmação.

— Sim, é amanhã!  — A garota respondeu impacientemente sem nem mesmo olhar em direção a amiga ou ao carro em que se encontrava seu namorado e… eu.

— Você não vem? — Perguntou Grecco a loura, que continuava estática na calçada em frente à casa de Briana.

— Não mesmo! —  Disparou a garota puxando Briana pelo braço para mais perto do portão de sua própria casa.

— Vamos lá Can, te deixo na sua casa e a gente conversa com calma. — Insistiu ele paciente.

— Já disse que não vou Lucas, não enche.

— Então é isso… — Disse Briana, enfim percebendo o climão entre os dois, jogando a cabeça para trás levemente e batendo às duas mãos na parte superior do carro à sua frente. Em seguida fazendo um gesto indicando a Grecco que deixasse a conversa para depois: — Até amanhã pra você também, Andy. — Continuou ela, se dirigindo a mim: — E desculpa por qualquer coisa…  — Finalizou mostrando os dentes perfeitos. 

De início pensei que estivesse se desculpando pelo fora que me deu, fiquei encarando-a um pouco confuso à espera de mais explicações, então ela apontou para minha roupa. Só então notei estar meio suja, ela devia ter babado em mim enquanto dormia no meu colo. Era o que faltava pra eu saber que aquilo realmente não daria certo.

— Acontece. — Falei rindo dando leves batidas na camiseta enquanto me sentava no banco da frente do carro: — E é Andrew! — Gritei, depois de colocar a cabeça pra fora da janela assim que o carro começou a andar e as meninas se distanciaram.

— Andrew… Beleza! — Ela gritou de volta acenando desajeitada enquanto procurava as chaves nos bolsos de sua jaqueta de um preto fosco.

  — Não é melhor a gente esperar pra ver se elas vão entrar de boa, mano?  — Perguntei, preocupado com o que poderia acontecer por um descuido tão pequeno.

—  Relaxa… estamos em Lachesis, esqueceu?  — Respondeu ele tranquilo. 

***

Antes de cair no sono repassei meus movimentos daquela noite. O que teria feito de errado para levar um fora sem nem mesmo ter flertado de verdade com a garota? Seria possível que ela tivesse sacado? Eu fora bastante discreto. 

Percebi então que com ela a jogada teria que ser outra, pois não era do tipo que curtia esses xavecos baratos, era inteligente. Primeiro eu precisava conquistar sua confiança.

As palavras que Munique havia dito mais cedo também ficaram ecoando em minha mente, eu era um otário mesmo, talvez as garotas consigam perceber isso só de olhar. 

Tentei me convencer de que, de qualquer forma, não importava o que ela pensava. Eu também nem a conhecia direito, portanto ela não tinha direito de exercer efeito nenhum sobre mim, eu só não estava curtindo aquele toco. Fixei nesse pensamento e adormeci, porém, com as conversas e o sorriso dela se repetindo continuamente na minha cabeça.

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