Deve haver maneira melhor de viajar do que pegar um voo de mais de oito horas de Chicago até Londres, e ainda vou ter que passar mais duas horas em um carro até chegar em Harlley, uma cidadezinha monótona no interior. Mas, sinceramente, acho que passaria o tempo que fosse preciso dentro de um avião, se isso significasse um recomeço.
Esse emprego como cuidadora de um veterano de guerra – ex-fuzileiro naval – apareceu na hora certa. Paga bem e vou receber moradia e alimentação de graça, além de que o trabalho é basicamente ajudar um velho a fazer alguns exercícios e garantir que ele se alimente bem, pelo menos foi isso dois dias atrás. Mas se bem me lembro, o senhor Allen comentou que o que aconteceu com seu filho foi bem tenso e que ele está passando por muita coisa agora, mas não entrou em muitos detalhes sobre o assunto, o que me enche de perguntas.
Mas agora parando para pensar, o pai dele deve ser muito velho também, afinal um veterano de guerra deve ter o que, uns cinquenta anos? Esse tal de Dimitri Allen deve ter uns setenta, talvez oitenta, além de ser incrivelmente rico para conseguir pagar um salário de cinco dígitos para uma cuidadora. Pesquisei o nome dele na internet e tem até bastante coisa, aparentemente ele é CEO das redes de hotéis Allen, então não é para menos que ele possa me pagar tanto, mas eu com certeza deveria ter aberto mais que apenas um site para pelo menos saber onde estou me metendo.
Solto um longo suspiro e observo o mar de nuvens pela janela, pensando se eu realmente fazendo a coisa certa, afinal é muito suspeito: salário alto; um trabalho relativamente fácil; moradia e alimentação garantida e ainda tenho dois dias e uma noite de folga por semana.
— Se isso não é uma oportunidade de ouro, não sei o que é.
Resmungo para mim mesma e olho para o lado para ter certeza que o cara ao meu lado não me ouviu, mas ele está concentrado demais em seja lá o que ele esteja assistindo em seu celular para me ouvir sendo sarcástica. Só espero que eu não esteja indo direto para algum tipo de golpe ou algo assim, mesmo sabendo me virar, seria um terrível inconveniente dar de cara com um bando de vigarista em uma cidade que fica no meio do nada, ao invés do sr. Allen.
[ … ]
Meia hora depois, o avião pousa, eu pego minhas coisas e desembarco o mais rápido que posso, não aguento mais nem olhar para o cara que viajou ao meu lado, quanto mais o resto do avião. Um pouco mais a frente tem várias pessoas com plaquinhas, procuro a com o meu nome e a acho segurada por um senhor de cabelos grisalhos e com um terno arrumado. Caminho até ele e me apresento com um sorriso gentil, preciso de uma boa primeira impressão.
— Boa tarde, eu sou a Hayden. —O senhor sorri igualmente gentil e segura minha mão para um cumprimento firme.
— Boa tarde, srta. Delyon, sou o David, sou o motorista dos Allen e vou te levar para Harlley. Teve uma boa viagem? — Okay, eu definitivamente amo o sotaque londrino!
— Cansativa, mas tranquila. Obrigada por perguntar. — Ele acena com a cabeça.
— Fico feliz, senhorita, mas é melhor nós irmos agora se quisermos chegar a tempo do chá da tarde. — Concordo com a cabeça e o sigo. Ele joga a plaquinha com meu nome em uma lata de lixo quando a gente sai do aeroporto e confere seu relógio de pulso.
Ele é, com toda certeza, sem dúvida alguma, MUITO inglês. E acho que vou ter que me acostumar com os chás, tomara que não seja tão ruim quanto os que eu já tomei em Chicago.
A viagem de carro é silenciosa, calma, mas eu estou morrendo de curiosidade e acho que não vou aguentar muito tempo mais sem fazer uma pergunta. As lindas paisagens que vemos pelo caminho me conseguiu me distrair no começo, mas agora que se passaram meia hora, parece que estou vendo a mesma imagem repetida várias e várias vezes.
Me ajeito em minha poltrona mais confortavelmente e viro meu rosto para David com um sorriso curioso.
— David? — Ele olha para mim e em seguida olha para
pista.
— Sim?
— Olha, não vou mentir para você, o sr. Allen não me falou muita coisa do Elijah, me pergunto se você não poderia me dizer o que esperar. Quer dizer, supondo que você conheça bem o Elijah. — Elijah, o meu "paciente".
— Bem, senhorita, acho que… — Ele comprime os lábios parecendo um pouco nervoso, mas ele mal deixa transparecer. — o jovem Allen é um bom garoto, mas acredito que paciência é algo que você irá precisar, senhorita. — Eu arqueio uma sobrancelha questionadora para ele, que por sua vez não desvia os olhos da pista.
— Como assim "jovem Allen" e "bom garoto"? — David me da apenas um aceno sutil com a cabeça, não muito disposto a uma conversa mais longa, mas eu preciso tentar mais uma vez. — Não quero ser indelicada, mas Elijah Allen não tem mais ou menos a sua idade? Pessoas velhas não deveriam ser sempre gentis e alegres? — Falo em tom de piada e ele ri, parecendo brevemente mais relaxado.
— Você é realmente uma figura, senhorita Hayden. — Eu sorrio, mas paro assim que percebo a expressão sombria que tomou conta do rosto dele. — Mas não, Eli e eu não temos a mesma idade, ele é realmente jovem, deve ter seus vinte e sete anos. — Eu arregalo meus olhos em choque. — E sobre aquilo que eu falei antes…
— A paciência? — Ele sorri apenas com um canto dos lábios e nega com a cabeça.
— Não, aquilo sobre ele ser um bom menino. Ele realmente é, então não esqueça disso, tudo bem? — Seu olhar é tão sincero, parece realmente preocupado, imagino que ele se importe de verdade com Elijah.
— Tudo bem. — Suspiro insatisfeita, não estou nem perto de descobrir mais sobre tudo isso, eu realmente deveria ter pesquisado mais! — Você trabalha lá há muito tempo?
— Sim, fazem vinte anos que trabalho para os Allen.
— Então você os conhece bem, acredito. — Ele concorda. — Tenho que admitir que estou um pouco nervosa com isso tudo.
— Entendo, é uma mudança muito grande. Nós recebemos e-mails do pai do Eli falando um pouco sobre você.
— Nós? — Ele sorri gentilmente.
— Sim, a minha esposa, Briana, trabalha como cozinheira lá, você vai ver, ninguém cozinha melhor que ela. — O tom de adoração em sua voz é claro como o sol, posso ver o quanto ele a ama.
— Então estou ainda mais ansiosa para conhecê-la. — Ele ri, mas então eu fico séria, uma pergunta pinicando em minha língua. — O que aconteceu com Elijah? Que tipo de acidente ele sofreu durante a guerra?
David agarra o volante com mais força, dor e remorso tomam conta do seu rosto, seus olhos azuis escurecem e ele parece lutar uma guerra interna.
— Não cabe a mim falar, senhorita. — Sua voz sai tremida e eu recuo, melhor deixar isso como está.
O resto da viagem corre em um silêncio confortável, eu até consigo dormir um pouco com o balanço do carro, mas acordo quando ele para e me deparo com grandes portões de ferro, que se abrem automaticamente para passarmos.
— Chegamos? — Pergunto sonolenta.
— Sim, senhorita. Seja bem vinda a mansão Allen.
— Qual é, David, acho que já temos intimidade o suficiente para você me de Hayden, não acha? — Ele ri e concorda com a cabeça.
— Se você se sentir confortável com isso, por mim tudo bem. — Sorrio e aceno que sim. Ele aponta e eu olho na direção, para fora da janela. — Essa é a casa principal, tem dezoito cômodos no total. — Meu queixo cai, é um eufemismo chamar isso de casa, tá mais para um castelo! — Mas a Briana vai fazer um tour com você mais tarde, para mostrar melhor o lugar. Temos piscina lá trás, quadra de tênis e um jardim lindo, existe também um jardim privado, mas está fora dos limites.
Okay, uma propriedade como essa, provavelmente nem vou sentir falta desse tal jardim privado, é só eu garantir que eu não quebre essa regra e acredito que vai ficar tudo bem.
— Esse lugar é incrível!
Todas as dúvidas que eu tinha sobre isso tudo ser uma armação vão por água abaixo, esse lugar é digno da realeza! David para o carro no estacionamento e se vira para me olhar nos olhos, eu chego a até ficar um pouco surpresa, já que ele passou a viagem toda evitando olhar para mim.
— Você vai ficar na casa principal para ficar mais fácil de
cuidar das necessidades de Eli, mas mais para frente tem a casa dos funcionários, onde moro com Briana. Tem muito espaço lá, caso você prefira. — Franzo o cenho, não entendendo direito o que ele sugeriu.
— Sinto muito, David, mas acho que eu perdi alguma coisa. — Ele aperta uma mão em volta do volante e da de ombros parecendo sem jeito.
— Não se preocupe, só quis dizer que é uma opção também. — Diz e sai do carro sem mais indícios de que ele vai explicar algo além disso. Ele tira minha mala do carro e a carrega até a porta da frente contra a minha vontade.
E quando entramos, damos de cara com um hall espaçoso e antiquado, com escadas largas cujo os corrimãos de madeira são perfeitamente esculpidos, decorações em mármore, esculturas em pedra e quadros por todas as paredes, mesmo de longe posso dizer que são legítimos. Esse lugar cheira a riqueza, não consigo acreditar que irei morar aqui pelos próximos meses, sinceramente, isso aqui é demais para mim!
— Ah, vocês finalmente chegaram! — Uma mulher madura vem até nós com um sorriso largo e alegre nos lábios, ela da um selinho em David e depois se vira para mim e me abraça. — Como vai, querida? Meu nome é Briana, é um prazer te conhecer, Hayden. — Pelo menos não preciso me apresentar.
— O prazer é meu, David me falou sobre você durante a viagem. — Ela lança um olhar brincalhão ao marido.
— Coisas boas, espero. — Diz sarcasticamente.
— Com certeza! — Falo e ela ri, David apenas nega com a cabeça alguns paços atrás de nós. — Eu não acredito que esse lugar é real, sinto como se fosse acordar de um sonho a qualquer momento. — Seu sorriso permanece gentil e empático, seus olhos brilham.
Nós também amamos o lugar, acredito que mais tarde você irá querer explorar, certo? — Concordo com a cabeça. — Ótimo, mas por agora vamos tomar o chá enquanto ainda está quente e você pode me contar tudo sobre Chicago, o que acha?
— Só se você me contar tudo sobre Harlley. — Ela solta uma risada gostosa e olha para David.
— Eu gosto dela.
— Imaginei que sim, querida. Na verdade, ela me lembra um pouco você quando nos conhecemos.
Briana é extrovertida e descontraída, enquanto David parece bem tímido e introvertido, fico pensando em como eles se conheceram e acabo chegando a conclusão de que Briana deve ter colocado o pobre David em alguns problemas no início do relacionamento, eu sorrio o pensamento enquanto observo os dois sorrindo um para o outro.Eu sigo os dois ainda com um sorriso, contagiada pela vibração amigável e familiar que eles transmitem, embora o resto da casa me pareça um pouco fria demais, mesmo sendo elegante ao extremo. Briana aponta para o balcão e, tanto eu quanto o David, nos sentamos. Ela nos serve xícaras de chá fumegantes e coloca um prato branco com biscoitos com gotas enormes de chocolate na nossa frente, minha barriga ronca.— Podem se servir, vou pegar o bolo também, e tem frutas. — Ela tem essa energia todos os dias, ou é só porquê sou novidade
Seu tom desdenhoso já me irrita levemente, mas eu mantenho a pose, mesmo com uma pontada de medo pelos seus visíveis mais de um metro e noventa.— Você deve ser Elijah. — Levanto a mão para cumprimentá-lo, mas ele apenas cruza os braços.— E você é a tal Delyon, você ao menos sabe o que está fazendo aqui, realmente? Quando meu pai disse que tinha contratado outra babá, não achei que ele estivesse falando de uma adolescente. — Eu recolho minha mão e respiro fundo enquanto reprimo um xingamento.— Primeiramente, sim, eu sei o que estou fazendo aqui. E em segundo lugar, não gosto do seu tom, se você acha que pode me tratar dessa forma, não espere que eu seja gentil. — Mesmo não tendo uma visão clara dos seus olhos, sinto que ele está olhando no fundo dos meus.— Hayden…Briana
Acordo com o despertador tocando de um jeito estridente e irritante, eu praticamente pulo da cama e visto a roupa que deixei separada ontem, calço meu tênis, amarro meu cabelo em um rabo de cavalo e me olho no espelho.— Acho que vou tirar essas tranças… — Falo sozinha e brevemente distraída com meu próprio reflexo. — Vamos lá,Hayden. Concentração! — Dou tapinhas leves nas minhas bochechas para forçar meu cérebro a focar. — Eu não sei a rota de caminhada dele…Sento no banco da janela me sentindo frustrada, quando de repente escuto a porta ao lado abrir e então fechar em seguida. Sorrio de um jeito travesso e dou passos cuidadosos até a minha porta, o escuto andar lentamente, uma batida suave me chama atenção, talvez ele use uma muleta ou bengala.Coloco a cabeça para fora do quarto bem a tempo de v&ec
Quando eu volto a entrar na biblioteca de uma forma totalmente natural, eu evito olhar para o Elijah, tá muito difícil não rir depois das reações da Briana e do David, se eu olhar para Eli e ele estiver tão igualmente confuso, receio não conseguir me segurar.— Não lembro de ter pedido por companhia, Chicago. — Eu reviro os olhos e me sento no chão para ficar numa altura boa de comer na mesa de centro. O ignoro e começo a comer. — Saia daqui.— Não. — Sorrio sem humor e pego mais uma grande mordida do bolo incrível que a Briana fez.— Você não percebeu ainda que não é bem vinda aqui? — Eu olho para ele em desafio.— Ah, claro que sim, você já deixou isso bem claro. Mas isso não importa, eu vou continuar aqui até o prazo do contrato acabar e você vai ter que lidar com isso.— Seus lábios se comprimem de um jeito irritado. — Não precisamos ser demônios um para o outro, senhor Allen. Vamos fazer isso ser pelo menos agradável, pode ser? — O punho cerrado dele rela
Eu penso um pouco sobre como deveria respondê-lo, mas ao invés de fazer isso, eu engulo em seco e desvio o olhar me sentindo muito pressionada por seus lindos olhos cor de avelã, meio esverdeados com essa luz. — Não sei o que você quer que eu diga, não tenho nenhum outro motivo. — Ele solta uma risada, pela primeira vez o ouço rir. — Mentindo de novo. — Ele segue até às anilhas e pega algumas bem pesadas. Eu o encaro descaradamente. — Você vai treinar também ou vai só ficar olhando? — Só ficar olhando, eu sou gostosa por natureza, querido. — Os olhos dele me alcançam do outro lado da sala e eu sorrio enquanto ele me fita. — Percebi. — Mordo o lábio inferior. — Está tentando me seduzir? — Está funcionando? — Sinto muito, Chicago, mas não. — Cruzo os braços e os tornozelos após sentar em uma das máquinas. — Hayden! — Falo o repreendendo. Ele está me provocando, mas dois podem jogar esse jogo… Meu queixo cai quando
Chego na cozinha determinada, Briana tira os olhos do celular e sorri para mim.— Você está muito bonita, Hayden. — Dou de ombros sorrindo inocentemente.— Obrigada, quis me arrumar um pouco para aliviar o interrogatório. — Ela ri, mas ainda parece preocupada. — Eu não vou pegar muito pesado com ele, prometo.— Estou preocupada com você, querida. Eli pode ser… amarescente as vezes.— Eu ficarei bem, afinal, a melhor maneira de tirar a amargura de alguém é um pouquinho de açúcar. — Esfrego as pontas dos meus dedos indicador e polegar como se jogasse uma pitada de pó mágico.— Acho que sim. — Fala rindo e me oferece uma colher com um molho muito apetitoso. — Experimente.Coloco a colher na boca e saboreio aquele delicioso molho de tomate, acho que vou levar Briana comigo quando meu contrato aqui acabar.— Briana… eu preciso de mais disso imediatamente! —Ela ri.— Em quinze minutos estará tudo pronto. — Minha barriga ronca com a af
Meu alarme toca às cinco mais uma vez e eu me levanto me sentindo determinada. Ouço a porta de Eli abrir e fechar, assim como ontem, mas dessa vez não espero que ele saia da casa para fingir um encontro.— Bom dia! — Falo animada e ele olha para mim sem uma expressão certa, mal parece que ele está me vendo.Ele não responde, só volta a andar dolorosamente lento, mas eu o sigo até o tal elevador de carga que o David tinha comentado.— Não preciso de companhia. — Arqueio uma sobrancelha.— De acordo com seu pai, você precisa. Mas, de acordo com você, o que você precisa é de vigilância suicida. De qualquer forma, como eu estou aqui para realizar qualquer uma das dessas funções, então acostume-se com a minha presença. — Entro com ele no elevador e ignoro o palavrão que ele sussurrou. — Eu n&
Depois do clima que ficou entre mim e Eli essa manhã, decidi por almoçar com a Briana e o David para dar um tempo para ele pensar, para nós dois pensarmos, na verdade. Mas meu plano vai por água abaixo quando estamos nós três na mesa de jantar, comendo em silêncio, enquanto o casal troca olhares e leves sussurros o tempo todo, como se estivessem tendo uma discussão telepática. É engraçado, mas também me deixa um pouco sem graça.— Okay, okay. — Digo e abaixo meu garfo de volta ao prato. — O que está havendo com vocês? — Ambos olham para mim desconfortáveis, trocam olhares mais uma vez e então David limpa a garganta para falar.— Er… bem, é que meio…— Você ainda não falou nada sobre ontem, como foi?Briana fala por cima do David e ele a repreende com um olhar, acho que ela