Acordo com o despertador tocando de um jeito estridente e irritante, eu praticamente pulo da cama e visto a roupa que deixei separada ontem, calço meu tênis, amarro meu cabelo em um rabo de cavalo e me olho no espelho.
— Acho que vou tirar essas tranças… — Falo sozinha e brevemente distraída com meu próprio reflexo. — Vamos lá,
Hayden. Concentração! — Dou tapinhas leves nas minhas bochechas para forçar meu cérebro a focar. — Eu não sei a rota de caminhada dele…
Sento no banco da janela me sentindo frustrada, quando de repente escuto a porta ao lado abrir e então fechar em seguida. Sorrio de um jeito travesso e dou passos cuidadosos até a minha porta, o escuto andar lentamente, uma batida suave me chama atenção, talvez ele use uma muleta ou bengala.
Coloco a cabeça para fora do quarto bem a tempo de vê-lo virando o corredor, confiro minha aparência uma última vez, pego meu celular e meus fones e o sigo para fora da casa com cuidado para que ele não me veja, acho que vai ser melhor se eu fingir que o nosso "encontro" vai ser apenas um acidente, o contrário disso vai parecer perseguição e eu realmente quero evitar esse tipo de situação… mesmo que isso seja um tipo de perseguição, mas é para um bem maior… eu acho.
Quando escuto a porta da frente batendo, corro para alcança-lo, olho pela janela e o vejo mancar em direção a lateral da casa para uma calça de pedra, então coloco meus fones – mesmo sem tocar música alguma – e começo a correr despretensiosamente em direção a ele. Mas quando eu chego mais perto, ele para de andar e olha para trás com um sorriso curioso, mas eu fico paralisada por conseguir ver seu rosto todo pela primeira vez… meu deus ele é lindo! As cicatrizes só o deixam mais sexy, definitivamente.
— Acha mesmo que pode seguir um ex-fuzileiro naval sem ser percebida? — Eu saio do meu transe dolorosamente lindo e engulo o nó na minha garganta para conseguir falar alguma coisa.
— Eu não estava te seguindo, estava prestes a fazer minha corrida matinal para começar bem o dia. — Ele solta o ar pelo nariz enquanto sorri com desdém.
— Você não deveria estar sofrendo com o fuso horário, ou algo assim? — Eu cruzo os braços e dou passos confiantes em sua direção.
— Eu sou uma pessoa resiliente, Sr. Allen. — Sorrio.
— Tanto faz, só ache outro horário para fazer sua corrida, ou use a academia, não gosto de companhia. — Dou de ombros sem deixar de sorrir e enrolo meu cabelo no dedo indicador de um jeito inocente.
— Vai gostar da minha, ainda não percebeu que eu sou um raio de sol? — Passo por ele com um sorriso travesso.
— Posso ver algo assim, sim, Chicago. — Mordo o lábio inferior e viro para ele. — Mas ainda assim, prefiro continuar minha caminhada sozinho. Sem ser seguido, de preferência. — Dou de ombros e giro os calcanhares para começar a correr.
— Tudo bem, senhor solitário.
Dessa vez coloco música de verdade e corro alguns quilômetros enquanto aproveito a bela vista montanhosa e arborizada. O ar frio bate em meu rosto mesmo com o sol brilhando e o céu limpo, respiro fundo para renovar o ar em meus pulmões.
Tudo bem, é hora de revisar o que eu sei sobre Elijah Allen. Ele é mal educado, solitário e, aparentemente, tem tendências fortes a esconder seu rosto, mesmo que se eu o tivesse conhecido em outras circunstâncias, teria lhe pagado um drink facilmente. Mas acredito que isso é só meu péssimo gosto para homens falando mais alto que eu. Porém, agora voltando ao que descobri sobre esse homem, ele deve ter pânico noturno, sequelas da guerra, acredito eu.
Sinceramente, não posso imaginar o que ele passou para ter se aposentado tão jovem, seja o que for, deve ter sido muito tenso e traumatizante. Com certeza o Sr. Allen deveria tê-lo mandado para uma psicóloga ao invés de me contratar, fala sério, sou só uma professora de artes!
Cerca de maia hora depois eu volto para a casa, vou para o meu quarto, tomo um banho rápido e visto uma blusinha fina de manga cumprida e um shorts branco de tecido leve, é um bom look de verão. Mas como está vinte e quatro graus lá fora, coloco uma meia calça quente também, calor com certeza não está.
Desço para a cozinha sentindo minha barriga roncar dolorosamente, e se torna ainda mais doloroso assim que eu chego à porta e o cheiro invade minhas narinas. Briana olha na minha direção e abre um sorriso.
— Bom dia! — Fala sorrindo e eu me aproximo da mesa linda de café da manhã que ela está montando.
— Bom dia, Briana. Você é um anjo ou algo assim? —
Ela ri.
— Não é para tanto, Hayden.
— Ah, mas é sim! — David diz entrando no cômodo com um sorriso largo. — Bom dia pessoal, conseguiu descansar, senhorita Delyon? — Eu cruzo os braços e arqueio uma sobrancelha.
— O que falamos antes, David? — Ele coça a nuca parecendo envergonhado.
— Me desculpe, eu vou ter que me acostumar a te chamar de Hayden. — Eu rio.
— E sim, consegui descansar. Mas acordei cedo para conseguir encontrar com Eli em sua caminhada matinal. — Os dois arregalam os olhos e Briana quase deixa cair um prato com uma fatia de bolo, mas David tem um bom reflexo e o pega.
— Você foi com ele?! — Diz chocada e eu nego com a cabeça.
— Não exatamente, mas pretendo. — David lhe devolve o prato e ela o coloca em uma bandeja. — Ele não vai se juntar a nós para o café, vai? — Briana nega e adiciona uma xícara às bandeja.
— É como eu disse antes, ele faz todas as refeições na biblioteca enquanto lê alguma coisa. — Ela equilibra tudo na bandeja e vem em minha direção. — Sirva-se, você deve estar com fome. — Eu até iria, mas…
— Quer saber? Deixe-me levar isso para ele. — Pego a bandeja de suas mãos antes que ela consiga desviar de mim.
— Não acho que seja uma boa ideia… — David fala baixinho, mas eu sorrio.
— Gente, ele vai ter que se acostumar com a minha presença, não pretendo ir embora tão cedo e muito menos evitar fazer o meu trabalho. — Lhes dou um sorriso convincente e saio da cozinha com a bandeja, mas paro de andar quando os escuto falarem.
— Você acha que isso vai dar certo? — Briana pergunta em um tom baixo e eu chego dar um passo para trás para ouvir melhor.
— Eu espero que sim, acho que sete pode ser nosso número da sorte agora. Hayden não parece o tipo que desiste fácil, ou se assusta fácil. — Ouço um suspiro, não sei exatamente de quem. — Só espero que o Eli não pegue muito pesado dessa vez, ela me parece uma boa garota.
— Sim, mas ela bate de frente com ele, eu só quero que eles consigam se dar bem…
Franzo o cenho e volto ao plano original: levar o café para Elijah. E que a sorte esteja comigo! Chego na porta da biblioteca e dou duas batidinhas nelas antes de abri-las com um pouco de dificuldade enquanto seguro a bandeja.
— Briana, acho que vou passar o café da manhã hoje… — Ele para de falar assim que tira a cara de um livro grosso e vê que sou eu.
Ele fecha o livro, se levanta de uma poltrona lindíssima de couro preto e vem em minha direção parecendo ainda mais alto que antes.
— Onde está a Briana?
— Ocupada. — Passo por ele e deixo a bandeja na mesa de centro às frente da poltrona. — Precisa de algo mais? — Eli enfia as mãos no bolso canguru do moletom e olha para o lado, isso é só para que eu não tenha visão do lado esquerdo do seu rosto.
— Só que você saia. — Suspiro quase frustrada, quando uma ideia surge em minha mente.
— Como quiser, senhor. — Faço uma saudação desajeitada e saio da biblioteca com um sorriso bastante suspeito. Para a cozinha saltitante e dois pares de olhos colam em mim.
— E então? — Briana pergunta parecendo ansiosa, mas eu pego um prato e começo a me servir.
— Tudo bem, ele me chamou para comer com ele, então estou voltando para lá. — Admito que é preciso muito esforço físico e mental para não rir da cara de choque deles.
— Ele… o que?! — Ela diz um pouco mais alto que seu tom normal e eu pego mais uma fatia de bolo, a empilhando na montanha de comida no meu prato.
— É isso aí. O que posso dizer, sou uma garota que não desiste facilmente. — Pisco para eles após repetir as palavras de David e saio de lá, voltando para a biblioteca como havia dito.
Quando eu volto a entrar na biblioteca de uma forma totalmente natural, eu evito olhar para o Elijah, tá muito difícil não rir depois das reações da Briana e do David, se eu olhar para Eli e ele estiver tão igualmente confuso, receio não conseguir me segurar.— Não lembro de ter pedido por companhia, Chicago. — Eu reviro os olhos e me sento no chão para ficar numa altura boa de comer na mesa de centro. O ignoro e começo a comer. — Saia daqui.— Não. — Sorrio sem humor e pego mais uma grande mordida do bolo incrível que a Briana fez.— Você não percebeu ainda que não é bem vinda aqui? — Eu olho para ele em desafio.— Ah, claro que sim, você já deixou isso bem claro. Mas isso não importa, eu vou continuar aqui até o prazo do contrato acabar e você vai ter que lidar com isso.— Seus lábios se comprimem de um jeito irritado. — Não precisamos ser demônios um para o outro, senhor Allen. Vamos fazer isso ser pelo menos agradável, pode ser? — O punho cerrado dele rela
Eu penso um pouco sobre como deveria respondê-lo, mas ao invés de fazer isso, eu engulo em seco e desvio o olhar me sentindo muito pressionada por seus lindos olhos cor de avelã, meio esverdeados com essa luz. — Não sei o que você quer que eu diga, não tenho nenhum outro motivo. — Ele solta uma risada, pela primeira vez o ouço rir. — Mentindo de novo. — Ele segue até às anilhas e pega algumas bem pesadas. Eu o encaro descaradamente. — Você vai treinar também ou vai só ficar olhando? — Só ficar olhando, eu sou gostosa por natureza, querido. — Os olhos dele me alcançam do outro lado da sala e eu sorrio enquanto ele me fita. — Percebi. — Mordo o lábio inferior. — Está tentando me seduzir? — Está funcionando? — Sinto muito, Chicago, mas não. — Cruzo os braços e os tornozelos após sentar em uma das máquinas. — Hayden! — Falo o repreendendo. Ele está me provocando, mas dois podem jogar esse jogo… Meu queixo cai quando
Chego na cozinha determinada, Briana tira os olhos do celular e sorri para mim.— Você está muito bonita, Hayden. — Dou de ombros sorrindo inocentemente.— Obrigada, quis me arrumar um pouco para aliviar o interrogatório. — Ela ri, mas ainda parece preocupada. — Eu não vou pegar muito pesado com ele, prometo.— Estou preocupada com você, querida. Eli pode ser… amarescente as vezes.— Eu ficarei bem, afinal, a melhor maneira de tirar a amargura de alguém é um pouquinho de açúcar. — Esfrego as pontas dos meus dedos indicador e polegar como se jogasse uma pitada de pó mágico.— Acho que sim. — Fala rindo e me oferece uma colher com um molho muito apetitoso. — Experimente.Coloco a colher na boca e saboreio aquele delicioso molho de tomate, acho que vou levar Briana comigo quando meu contrato aqui acabar.— Briana… eu preciso de mais disso imediatamente! —Ela ri.— Em quinze minutos estará tudo pronto. — Minha barriga ronca com a af
Meu alarme toca às cinco mais uma vez e eu me levanto me sentindo determinada. Ouço a porta de Eli abrir e fechar, assim como ontem, mas dessa vez não espero que ele saia da casa para fingir um encontro.— Bom dia! — Falo animada e ele olha para mim sem uma expressão certa, mal parece que ele está me vendo.Ele não responde, só volta a andar dolorosamente lento, mas eu o sigo até o tal elevador de carga que o David tinha comentado.— Não preciso de companhia. — Arqueio uma sobrancelha.— De acordo com seu pai, você precisa. Mas, de acordo com você, o que você precisa é de vigilância suicida. De qualquer forma, como eu estou aqui para realizar qualquer uma das dessas funções, então acostume-se com a minha presença. — Entro com ele no elevador e ignoro o palavrão que ele sussurrou. — Eu n&
Depois do clima que ficou entre mim e Eli essa manhã, decidi por almoçar com a Briana e o David para dar um tempo para ele pensar, para nós dois pensarmos, na verdade. Mas meu plano vai por água abaixo quando estamos nós três na mesa de jantar, comendo em silêncio, enquanto o casal troca olhares e leves sussurros o tempo todo, como se estivessem tendo uma discussão telepática. É engraçado, mas também me deixa um pouco sem graça.— Okay, okay. — Digo e abaixo meu garfo de volta ao prato. — O que está havendo com vocês? — Ambos olham para mim desconfortáveis, trocam olhares mais uma vez e então David limpa a garganta para falar.— Er… bem, é que meio…— Você ainda não falou nada sobre ontem, como foi?Briana fala por cima do David e ele a repreende com um olhar, acho que ela
Passo as próximas duas horas tirando todas as caqueiras de argila e os vasos de dentro da estufa, que são praticamente caixões ambulantes para plantas mortas há alguns anos, no mínimo. Limpo tudo, tiro a poeira, junto os galhos secos e murchos em uma sacola de lixo preta e a amarro quando ela já está totalmente cheia.— Não esperava todo esse trabalho! — Resmungo e alongo o pescoço, depois a coluna.— Talvez se tivesse aceitado ajuda… — A voz de Eli vem de trás de mim, me dando um baita susto.— Você quer me matar do coração?! — Falo com uma mão no peito e outra na cabeça.— Oh, pare. Não seja dramática. — Reviro os olhos para ele, que olha em volta parecendo impressionado.— E então, tem esperança?Falo me referindo a estufa, mas ele apenas concorda com a cabeça, uma expressão totalmente nostálgica está estampada em seu rosto.Ele manca até uma parede que é metade de vidro e metade tijolos marrons avermelhados, puxa uma alavanca de metal no
A semana passou lentamente, minha rotina variando apenas um pouco no tempo em que eu passava na estufa-estúdio. Eu até consegui adicionar algumas suculentas novas que o jardineiro simpático que veio na quinta feira me arrumou, deu um ar mais vivo ao ambiente ver aquelas plantas pequenininhas e delicadas espalhadas pelas prateleiras e perto das janelas, até me inspirou um pouco.Minha relação com Eli continua meio morna desde o nosso beijo, não sei se consigo me aproximar dele de novo, parece que ele conseguiu construir mais um muro nós últimos dias – o que eu achava impossível, mas claramente não é.Na estufa, olho em volta para ver o fim do meu trabalho árduo e fico satisfeita vendo tudo em seu devido lugar, tudo organizado e harmônico. Vou até meu cavalete velho e manchado com tintas de vários tipos e cores, uma lembrança de todas as telas que p
Quinze minutos depois, ouço o caminhar familiar de Elijah se aproximando, olho na direção do barulho e o vejo passar pela porta da cozinha parecendo determinado. Ele se aproxima e se senta no degrau da banheira. Seus olhos passeiam pelas minhas tatuagens expostas, sua expressão é uma mistura de admiração e surpresa.— Se veio aqui para me expulsar de novo, faça logo, já estou imune a você.Ele respira fundo e olha para qualquer lugar menos para mim, e fica assim por longos e torturosos minutos.— Eli… — Começo mas ele me interrompe.— O que suas tatuagens significam? — Ele ainda está bêbado, mas perece mais focado que antes pelo menos.— Você vai lembrar amanhã a resposta que vou te dar agora?— Talvez sim, talvez não. Você pode mentir para mim, ou falar que não é da minha conta, tanto faz. — Eu solto uma risada desdenhosa.— Elijah, você é um idiota. — Ele ri sem humor, mas então seus olhos lindos encontram os meus.— Acredite em mim,