Quando eu volto a entrar na biblioteca de uma forma totalmente natural, eu evito olhar para o Elijah, tá muito difícil não rir depois das reações da Briana e do David, se eu olhar para Eli e ele estiver tão igualmente confuso, receio não conseguir me segurar.
— Não lembro de ter pedido por companhia, Chicago. — Eu reviro os olhos e me sento no chão para ficar numa altura boa de comer na mesa de centro. O ignoro e começo a comer. — Saia daqui.
— Não. — Sorrio sem humor e pego mais uma grande mordida do bolo incrível que a Briana fez.
— Você não percebeu ainda que não é bem vinda aqui? — Eu olho para ele em desafio.
— Ah, claro que sim, você já deixou isso bem claro. Mas isso não importa, eu vou continuar aqui até o prazo do contrato acabar e você vai ter que lidar com isso.— Seus lábios se comprimem de um jeito irritado. — Não precisamos ser demônios um para o outro, senhor Allen. Vamos fazer isso ser pelo menos agradável, pode ser? — O punho cerrado dele relaxa, mas é mais como uma trégua temporária do que definitiva.
— Primeiramente, me chame de Elijah, senhor Allen é o meu pai. E em segundo lugar… — Ele suspira. — contanto que você fique em silêncio, talvez encontre algum livro que goste. — Eu sorrio e nego com a cabeça.
— Tenho certeza que podemos chegar em um acordo que seja bom para nós dois.
Ele bebe um longo gole em uma dose dupla de whisky e eu confiro o horário, mal são sete horas, vou ter que convencê-lo a parar com isso… mas não acho que ele vá aceitar isso logo de cara, melhor esperar um pouquinho mais.
— Você vai ficar quieta depois? — Concordo com a cabeça e ele me olha como se eu fosse uma criança irritante. — Okay, diga o que você quer.
— Eu quero jantar. Nós vamos conversar por umas duas horas e depois te deixo em paz… por hoje. — Abro um sorriso largo, inocente e bem humorado antes de colocar um biscoitinho de morango na boca.
— Não vejo onde isso é bom para mim. — Seu olhar é afiado, mas me parece um pouco interessado na minha proposta.
— Você não está curioso para saber sobre mim? Meu passado, se eu tenho passagem pela polícia? — Ele solta o ar pelo nariz, achando engraçado.
— Não consigo imaginar uma situação onde uma professora de artes vai parar na cadeia. — Eu arregalo meus olhos, isso sim que é uma brecha!
— Ah-há! Então você me pesquisou no G****e, hein? Tenho certeza que não citei que era professora, que tinha cursado artes sim, mas professora não. — Ele parece ligeiramente envergonhado, mas ele recupera a compostura rápido.
— Não gosto da ideia de ter estranhos na minhas casa, só isso. — Dou de ombros sentindo que ganhei essa rodada.
— E então? Jantar e uma conversa sincera em troca de silêncio o resto do dia?
— O que acha de acabarmos com isso aqui e não conversar mais, depois podemos jantar, igualmente em silêncio.
— Nego com a cabeça.
— Isso está totalmente fora de questão, Sr. Allen.
— Elijah! — Eu sorrio com um biscoito entre os dentes, então dou uma mordida e mastigo olhando para ele. Então ele respira fundo, finalmente derrotado. — Tudo bem, ótimo! Jantar uma conversa rápida. Agora tente comer em silêncio, por favor.
— Claro, Eli. Acordo é acordo. — Lhe dou uma piscadela e tenho a leve impressão de que ele está segurando um sorriso.
— Não abusa.
Nós mergulhamos em um silêncio confortável, por incrível que pareça, enquanto eu devoro toda a comida que peguei e ele apenas pega alguma coisa da bandeja e bebe outra dose de whisky, pelo menos ele tem uma boa resistência ao álcool. Quando termino de comer eu me levanto para escolher um livro e acabo pegando uma biografia de sabe se lá quem, me sento na poltrona de couro extremamente confortável e me forço a ler… mas é tão tedioso!
Eu olho para Eli, assim, tão profundamente concentrado na sua leitura, ele parece tranquilo e em paz, mas não consigo não olhar para as longas cicatrizes que contrastam com suas feições perfeitamente desenhadas.
— Olhos no livro, Chicago. — Mesmo pega no flagra, eu continuo encarando-o.
— Esse livro é péssimo. — Ele sobe o olhar com um sorrisinho torto, que infelizmente para mim, cai muito bem nele.
— É um livro bom, você saberia se estivesse lendo ao invés de me encarar assim. — Arqueio uma sobrancelha.
— Assim como? Você estava hiper concentrado no seu livro, como pode ter visto como eu olhava para você?
— Isso é fácil, Chicago, você está olhando para mim como todo mundo olha. Agora volte a fingir que está lendo para que eu possa voltar a ler.
Eu reviro os olhos e tento mais uma vez gostar do que estou lendo, mas é inútil. O que ele acha que eu vejo quando eu olho para ele? O que todo mundo pensa quando olha para ele?
Quase profundamente mergulhada no tédio, eu decido deixá-lo só e volto para o meu quarto, abro meu notebook e vou diretamente para meu e-mail, preciso reler o que o Sr. Allen falou sobre o Eli, talvez eu tenha deixado alguma coisa passar.
"… Elijah anda bebendo muito e se recusa a parar, ele costumava ser sociável, mas agora não sai de casa por nada. Acredite, srta. Delyon, meu filho já passou por muita coisa, eu e os irmãos dele já tentamos de tudo para fazê-lo voltar ao que era antes, mas já faz quase um ano desde que tudo aconteceu e não temos bons resultados. Estou contando com você, Hayden."
E todo o resto é estritamente profissional e direto, sobre salário, horários e exigências, essa é a parte mais emocional possível desse e-mails. Mas ele é pai, não deve estar sendo fácil estar longe do filho, principalmente quando ele está tão machucado. Sinto que devo escrever para Dimitri, agora que sei que sou a sétima cuidadora de Eli, preciso de algumas explicações.
"Bom dia, Sr. Allen. Quero te informar que conheci Elijah e, bem, ele não é como eu esperava. Mas o que mais me intrigou nessas menos de vinte e quatro horas que estou aqui, é que tiveram outras seis mulheres para esse emprego antes de mim, eu estou realmente preocupada. Por favor, entre em contato comigo assim que puder."
Enquanto eu espero uma resposta, abro o site da empresa que está trazendo minhas coisas e vejo que tudo o que eu tenho de mais importante já está na Inglaterra e chegará aqui em Harlley até às duas da tarde. Mal posso esperar para ter minhas telas e meu cavalete, isso vai aliviar todo o estresse que o Eli vai tentar me causar. Meu notebook sinaliza com um bip uma nova notificação e vejo que é um novo e-mail do famigerado Dimitri Allen.
"Bom dia, srta. Delyon. Na verdade, eu estava prestes a te enviar um e-mail perguntando como as coisas estavam, como meu filho estava se comportando. Mas, como já percebi, parece que ele lhe causou realmente uma impressão, provavelmente ruim, eu conheço bem meu filho. Em relação às outras cuidadoras antes de você, assumi que você não aceitaria o emprego se eu tivesse dito que meu filho tem tendências a ser um idiota quando tentamos cuidar dele, estou certo?…"
Eu provavelmente pensaria várias vezes antes de aceitar, mas ainda teria aceitado, esse é o nível do meu desespero para fugir de Chicago… e do Jackson.
"De qualquer forma, espero que você tenha conseguido se instalar devidamente. Entrarei em contato com você de vez em quando para saber como as coisas estão, e eu, meus filhos e suas devidas companheiras, vamos jantar com vocês a cada quinze dias, é uma tradição indispensável para nós e eu espero que você participe. Tenha um bom dia, srta. Delyon."
Fecho meu notebook e respiro fundo e lentamente, eu consigo lidar com isso.
O resto do dia passa tranquilo, eu consigo fazer o Elijah almoçar pelo menos um pouco e algumas horas depois o encontro na academia. Acho que a Briana esqueceu de me trazer aqui durante o tour, mas não é meu lugar favorito mesmo.
— E então, quais exercícios você costuma fazer? — Caminho pelo lugar olhando tudo com cuidado, as máquinas, a geladeira e um som pequeno de última geração, aparentemente via bluetooth.
— Geralmente levanto alguns halteres, supino, algumas flexões… — Como a Briana disse.
— E quais exercícios você faz com as pernas? — Ele não responde e eu conecto meu celular com o som. — Não estou surpresa, podemos tentar fazer algum hoje.
— Não. Eu já faço caminhada todos os dias. — Eu o olho de cima a baixo.
O casaco de moletom marca um pouco os ombros dele, mas as calças estão mais folgadas do que deveriam, ele obviamente precisa balancear a quantidade de exercícios na parte superior e inferior do corpo. Coloco minha playlist de treino e ele franze o cenho parecendo até um pouco ofendido com meu gosto musical.
— Tudo bem, não quero abusar da sua boa vontade de ter uma conversa mais tarde. — Desligo a música e me aproximo dele com cautela, mas com um sorriso inocente. — Mas teremos que rever seu plano de treinos eventualmente, até lá, você pode me contar o porquê não faz a mesma quantidade de exercícios no corpo todo.
— Acredito que não seja da sua conta, Chicago.
— Okay, não me chame de Chicago de novo. E em segundo lugar, é sim da minha conta já que sou eu quem está responsável pela sua recuperação física.
— Certo, Chicago. — Ele pega uma das minhas tranças entre os dedos, parecendo brevemente distraído, então a coloca atrás da minha orelha. — Por que está aqui? — Sua voz soa quase um sussurro, como se essa fosse A pergunta.
— Eu… eu precisava desse emprego. — Dou um passo para trás, agora ciente da nossa proximidade.
— Você mente muito mal.
Para a minha surpresa, ao invés dele estar com raiva, ele parece estar se divertindo e, além disso, realmente curioso sobre meus motivos.
Eu penso um pouco sobre como deveria respondê-lo, mas ao invés de fazer isso, eu engulo em seco e desvio o olhar me sentindo muito pressionada por seus lindos olhos cor de avelã, meio esverdeados com essa luz. — Não sei o que você quer que eu diga, não tenho nenhum outro motivo. — Ele solta uma risada, pela primeira vez o ouço rir. — Mentindo de novo. — Ele segue até às anilhas e pega algumas bem pesadas. Eu o encaro descaradamente. — Você vai treinar também ou vai só ficar olhando? — Só ficar olhando, eu sou gostosa por natureza, querido. — Os olhos dele me alcançam do outro lado da sala e eu sorrio enquanto ele me fita. — Percebi. — Mordo o lábio inferior. — Está tentando me seduzir? — Está funcionando? — Sinto muito, Chicago, mas não. — Cruzo os braços e os tornozelos após sentar em uma das máquinas. — Hayden! — Falo o repreendendo. Ele está me provocando, mas dois podem jogar esse jogo… Meu queixo cai quando
Chego na cozinha determinada, Briana tira os olhos do celular e sorri para mim.— Você está muito bonita, Hayden. — Dou de ombros sorrindo inocentemente.— Obrigada, quis me arrumar um pouco para aliviar o interrogatório. — Ela ri, mas ainda parece preocupada. — Eu não vou pegar muito pesado com ele, prometo.— Estou preocupada com você, querida. Eli pode ser… amarescente as vezes.— Eu ficarei bem, afinal, a melhor maneira de tirar a amargura de alguém é um pouquinho de açúcar. — Esfrego as pontas dos meus dedos indicador e polegar como se jogasse uma pitada de pó mágico.— Acho que sim. — Fala rindo e me oferece uma colher com um molho muito apetitoso. — Experimente.Coloco a colher na boca e saboreio aquele delicioso molho de tomate, acho que vou levar Briana comigo quando meu contrato aqui acabar.— Briana… eu preciso de mais disso imediatamente! —Ela ri.— Em quinze minutos estará tudo pronto. — Minha barriga ronca com a af
Meu alarme toca às cinco mais uma vez e eu me levanto me sentindo determinada. Ouço a porta de Eli abrir e fechar, assim como ontem, mas dessa vez não espero que ele saia da casa para fingir um encontro.— Bom dia! — Falo animada e ele olha para mim sem uma expressão certa, mal parece que ele está me vendo.Ele não responde, só volta a andar dolorosamente lento, mas eu o sigo até o tal elevador de carga que o David tinha comentado.— Não preciso de companhia. — Arqueio uma sobrancelha.— De acordo com seu pai, você precisa. Mas, de acordo com você, o que você precisa é de vigilância suicida. De qualquer forma, como eu estou aqui para realizar qualquer uma das dessas funções, então acostume-se com a minha presença. — Entro com ele no elevador e ignoro o palavrão que ele sussurrou. — Eu n&
Depois do clima que ficou entre mim e Eli essa manhã, decidi por almoçar com a Briana e o David para dar um tempo para ele pensar, para nós dois pensarmos, na verdade. Mas meu plano vai por água abaixo quando estamos nós três na mesa de jantar, comendo em silêncio, enquanto o casal troca olhares e leves sussurros o tempo todo, como se estivessem tendo uma discussão telepática. É engraçado, mas também me deixa um pouco sem graça.— Okay, okay. — Digo e abaixo meu garfo de volta ao prato. — O que está havendo com vocês? — Ambos olham para mim desconfortáveis, trocam olhares mais uma vez e então David limpa a garganta para falar.— Er… bem, é que meio…— Você ainda não falou nada sobre ontem, como foi?Briana fala por cima do David e ele a repreende com um olhar, acho que ela
Passo as próximas duas horas tirando todas as caqueiras de argila e os vasos de dentro da estufa, que são praticamente caixões ambulantes para plantas mortas há alguns anos, no mínimo. Limpo tudo, tiro a poeira, junto os galhos secos e murchos em uma sacola de lixo preta e a amarro quando ela já está totalmente cheia.— Não esperava todo esse trabalho! — Resmungo e alongo o pescoço, depois a coluna.— Talvez se tivesse aceitado ajuda… — A voz de Eli vem de trás de mim, me dando um baita susto.— Você quer me matar do coração?! — Falo com uma mão no peito e outra na cabeça.— Oh, pare. Não seja dramática. — Reviro os olhos para ele, que olha em volta parecendo impressionado.— E então, tem esperança?Falo me referindo a estufa, mas ele apenas concorda com a cabeça, uma expressão totalmente nostálgica está estampada em seu rosto.Ele manca até uma parede que é metade de vidro e metade tijolos marrons avermelhados, puxa uma alavanca de metal no
A semana passou lentamente, minha rotina variando apenas um pouco no tempo em que eu passava na estufa-estúdio. Eu até consegui adicionar algumas suculentas novas que o jardineiro simpático que veio na quinta feira me arrumou, deu um ar mais vivo ao ambiente ver aquelas plantas pequenininhas e delicadas espalhadas pelas prateleiras e perto das janelas, até me inspirou um pouco.Minha relação com Eli continua meio morna desde o nosso beijo, não sei se consigo me aproximar dele de novo, parece que ele conseguiu construir mais um muro nós últimos dias – o que eu achava impossível, mas claramente não é.Na estufa, olho em volta para ver o fim do meu trabalho árduo e fico satisfeita vendo tudo em seu devido lugar, tudo organizado e harmônico. Vou até meu cavalete velho e manchado com tintas de vários tipos e cores, uma lembrança de todas as telas que p
Quinze minutos depois, ouço o caminhar familiar de Elijah se aproximando, olho na direção do barulho e o vejo passar pela porta da cozinha parecendo determinado. Ele se aproxima e se senta no degrau da banheira. Seus olhos passeiam pelas minhas tatuagens expostas, sua expressão é uma mistura de admiração e surpresa.— Se veio aqui para me expulsar de novo, faça logo, já estou imune a você.Ele respira fundo e olha para qualquer lugar menos para mim, e fica assim por longos e torturosos minutos.— Eli… — Começo mas ele me interrompe.— O que suas tatuagens significam? — Ele ainda está bêbado, mas perece mais focado que antes pelo menos.— Você vai lembrar amanhã a resposta que vou te dar agora?— Talvez sim, talvez não. Você pode mentir para mim, ou falar que não é da minha conta, tanto faz. — Eu solto uma risada desdenhosa.— Elijah, você é um idiota. — Ele ri sem humor, mas então seus olhos lindos encontram os meus.— Acredite em mim,
Os dias passam lentamente, mas mais leves que antes. Nós não nos beijamos de novo, mas, pelo menos, agora Eli está fazendo exercícios com as pernas diariamente, o que significa que meus pedidos incansáveis resultaram em alguma coisa. Mandei um e-mail ao pai dele informando a situação atual, já que ele não está mais bebendo e está se exercitando, é motivo de comemoração com certeza, de pular de alegria na verdade. Mas foi o que eu disse a Eli, e a mim mesma, eu não desistiria, e não desistirei. Recebi um e-mail resposta de Dimitri que, para mim, pelo menos, pareceu genuinamente impressionado.“Não sei o que dizer além de obrigada, srta. Delyon. Sinceramente, não sei nem se acredito realmente nisso… depois de quase um ano, não acredito que ele está realmente progredindo. Não vejo a hora d