Polara
Polara
Por: Evandro Rafael Saracino
Prólogo

O vazio me atrai, a completa solidão, o silêncio total...

- Tenente, o radar hiperespaço capta uma nave grandina sozinha e em repouso no setor ômega-trinca-sete, teremos rota livre para o salto em dois minutos, devo iniciar perseguição? Câmbio.

- Cadete D’Urso e Cabo Gonzales, juntem-se ao Cadete Silva, a captura não nos interessa, destruam o alvo. Câmbio.

... mas por maior que seja o universo, nunca estamos completamente sozinhos...

Em formação de ponta de flecha, os três caças amarelos com o símbolo do foguete negro sobre o sol dourado, da República de Cérnia, irromperam no setor 037.

Cadete Silva foi o primeiro a obter contato visual do inimigo. Era uma nave de  modelo obsoleto, há mais de trinta anos não fabricado, que flutuava pelo espaço, inerte, e poderia ser tomada por sucata se o radar não apontasse a liberação de calor. O combate seria fácil, além da desigualdade numérica, as naves mais novas manobravam com mais segurança e possuíam escudos e armas mais eficientes. Mesmo assim, Cadete Silva agia com cautela, checando os escudos de energia e desativando sistemas de pouca utilidade em combate para que tivesse maior liberdade no uso de energia, tanto no sistema defensivo, quanto na utilização de armamento pesado. Menos experiente e ainda sob a influência do ímpeto da juventude, Cabo Gonzales não foi tão prudente, quebrando a formação de ponta de flecha e iniciando o ataque.

... apesar da infinita vastidão, todo corpo possui sua força de atração...

A primeira rajada de energia pareceu ser absorvida pela nave inimiga e não defletida pelos escudos, como era o esperado. D’Urso e Silva, imediatamente perceberam que havia algo errado e mudaram o curso de seus caças, saindo da rota frontal, enquanto Gonzales, ignorando a mudança de curso de seus companheiros, continuou em rota de colisão, disparando feixes e mais feixes de energia.

Quando o campo ilusório se desfez, já era tarde demais.

...cada átomo está fadado a encontrar outro átomo e formar uma molécula...

Em guerras passadas, quando os radares de hiperespaço não eram tão precisos, os impérios interplanetários transformaram a galáxia em um verdadeiro campo minado, com bombas nucleares capazes de destruir frotas inteiras. Esses artefatos destrutivos, no entanto, são cada vez mais raros. Nas áreas pacificadas do Grande Império, muitos foram desativados, outros foram danificados por meteoros, explodindo sozinhos ou perdendo seu potencial radiativo, mas uns poucos ainda flutuam pelo espaço, em pleno funcionamento, anacrônicos e ignorados, sendo facilmente evitados pelos modernos radares.

Mas sempre existe o risco de essas relíquias serem utilizadas por combatentes que não se importam mais com a honra da batalha, mas apenas com a vitória. Com um pouco de perícia em projeção holográfica, uma mina pode facilmente, à distância, se parecer exatamente como uma nave a deriva.

...e as moléculas estão fadadas a se unir, formando a matéria...

O calor da explosão foi tamanho que, mesmo tendo escapado sem grandes estragos, alguns equipamentos do caça de Silva deixaram de funcionar. Ele estava quase ‘cego’ sem poder confiar no radar de calor e ‘surdo’ sem a comunicação, tendo que confiar apenas em seus instintos para sobreviver àquela batalha. Com toda a certeza Gonzales tinha sido abatido, mas em algum lugar à sua direita, D’Urso ainda estava em formação. Eles ainda eram capazes de vencer.

...mas a matéria é frágil e quando eu digo que nunca estamos sozinhos...

Apesar da grande interferência, o radar de partículas ainda operava e, trocando o monitor habitual por este, Silva logo encontrou o caça de D’Urso, que já não estava mais a seu lado, como imaginava, mas sim, sendo perseguido pela nave inimiga. Com uma manobra ousada, o Cadete se posicionou de forma a manter as duas naves no campo de visão. Reduziu a energia de seus escudos e passou a direcionar todas as fontes para o ataque, afinal, o inimigo não poderia perseguir ele e D’Urso ao mesmo tempo, o que o deixava livre para planejar uma estratégia eficiente de ataque. Evitando denunciar sua posição, calibrou o feixe de luz para ser atraído para a fonte de calor da propulsão do motor inimigo, e efetuou um único disparo, usando um projétil com energia o suficiente pra obliterar uma nave daquele porte, com ou sem os escudos de defesa.

Mal o disparo foi feito, Silva compreendeu seu erro. A nave inimiga abandonou imediatamente a perseguição, pairando em alta velocidade no espaço, apenas pela inércia. Provavelmente desligando os motores e ativando um campo antimagnético para que sua presença metálica não atraísse o projétil de energia.

D’Urso não foi tão rápido em perceber o que estava acontecendo.

...é porque todas as vezes que eu abro os olhos e encaro tudo ao meu redor...

Horrorizado, Silva assistiu seu projétil atingir e destruir completamente o caça de D’Urso. Seus olhos se encheram de lágrimas, há quantos anos serviam juntos? O visor ficou completamente embaçado e o Cadete tirou o capacete para esfregar as vistas. Quando voltou a enxergar, parada, frente a frente, estava a nave inimiga.

Repleta de riscos e mossas, a obsoleta Millenium Swam pairava. A curta distância permitiu que Silva visse o rosto de seu inimigo. O nervosismo foi substituído por uma calma completa. Desde o início, Silva nunca tinha tido chance. Não foi a imprudência de Gonzales que causou sua morte. Também não foi o seu disparo que atingiu a nave de D’Urso. Os três espaçonautas selaram seus destinos quando decidiram dar combate àquela velha nave, pois enfrentar aquela mulher, era como tentar enganar a própria morte.

Silva fechou os olhos e aguardou seu aniquilamento enquanto gravava um último registro para seus superiores:

- No setor ômega-trinca-sete, encontramos Capitã Polara.

...estou cercada de fragmentos e estilhaços. E é isso que eu sou sem você, fragmento, estilhaço.

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