Capítulo 3
Houve um tempo em que os membros do Conselho Imperial não se encontravam presencialmente e as reuniões eram sempre via holograma, mas, o simples detalhe de não estarem ocupando o mesmo espaço físico enquanto discutiam, tornava os membros cada vez mais ousados e desrespeitosos.
Tudo mudou quando o Almirante Quintus, em um acesso de raiva, atirou a bengala em direção ao holograma do Imperador Montezuma, enquanto liberava uma torrente de impropérios. O motivo para tão brutal quebra de protocolo foi, segundo constam os boatos, o de que Imperador fingia não compreender o que era dito pelo Almirante, fazendo-o repetir todas as suas colocações, em algumas ocasiões, mais de três vezes. O evento acabou com um Almirante enforcado e o comprometimento de todos os outros membros de que as reuniões, daquele dia em diante, seriam presenciais.
Por isso, o Imperador Amaru cumprimentava agora, um a um, todos os membros de seu conselho: o Almirante Kojima, responsável pelo comando estratégico de todas as tropas marítimas, o General Louverture, responsável pelas tropas terrestres, o Marechal do Ar Akahata responsável pelas tropas aéreas que atuam no interior de cada atmosfera, e o Marechal do Espaço Sharif responsável pelas ações em espaço sideral ocupando a última cadeira militar.
Como sugeria o protocolo, apenas quando todos os militares estavam posicionados, nos lugares mais próximos, à esquerda e à direita do Imperador, é que foi permitida a entrada dos membros civis, o Ministro das Relações Interplanetárias, Borghi, o Ministro do Tesouro, Cavalcanti, o Conselheiro Imperial, Xerxes, e por fim, o menos prestigiado por todos e ao mesmo tempo mais influente, o Cidadão Notável Bragança, único representante escolhido por eleições populares com representação no conselho.
Normalmente, as reuniões abordavam uma infinidade de questões locais ou intrigas menores entre planetas de pouca significância no império, mas aquele encontro possuía um objetivo diferente. Abordava um único tema de extrema importância: a conquista dos dois grupos planetários que ainda desafiavam a hegemonia do Grande Império: a República de Cérnia e a Liga Popular Estelar.
O plano tinha longa data e vinha sendo preparado há cerca de cinquenta anos, estimulando a rivalidade entre os cernianos e os estelares, envolvendo mesmo as táticas mais sórdidas como raptar e manter em cativeiro membros de poder entre os estelares para logo em seguida, responsabilizar Cérnia pelos atos de sequestro. Agora, o conselho se reunia para confirmar os passos que levariam ao golpe final.
O Imperador bateu o cetro exigindo silêncio e, só quando todos na mesa se calaram voltou a sentar:
- Marechal Sharif, obteve sucesso?
O Marechal alisou o cavanhaque castanho e ajeitou os óculos que teimavam em escorregar por seu nariz comprido e fino. Desagradava-lhe ter de sacrificar a pessoa a quem entregara o carinho que dedicaria aos filhos que nunca teve, mas ele havia jurado sacrificar qualquer coisa pelo bem do Grande Império.
- Não deixei alternativas para a Capitã Polara, ela chegará a Atlantis a qualquer momento e, podem ter certeza que ela fará de tudo para evitar que os reféns morram. A presença dela na missão, por si só, já seria o suficiente, mas pode ter certeza que a atitude dela será fator decisivo para convencer os estelares presentes de que nossa intenção era realmente a de salvar os prisioneiros.
O Imperador sorriu, satisfeito, repuxando a pele descarnada de seu rosto, tão magro, que os ossos malares ameaçavam rasgar a pele.
- E você, General, preparou a equipe como o ordenado?
Louverture se levantou e foi como se uma montanha se erguesse. O homem devia medir pelo menos dois metros e quinze e, sua largura não era muito menor. Os soldados que testemunharam suas façanhas em campo de batalha se referiam ao General como um "deus da guerra". Mas diante do Imperador, com o olhar tímido fixo em um ponto da mesa logo a sua frente, seria mais digno de ser chamado de "cão de estimação". Até sua voz era macia:
- Imperador. Meus melhores homens e de maior confiança foram selecionados. Apenas o Coronel MacDonagan sabe de nosso verdadeiro propósito e irá cometer erros sistemáticos para que a missão não obtenha sucesso.
Amaru recebeu o informe com acenos de cabeça, antes de passar a palavra ao Ministro das Relações Interplanetárias. Borghi era o único homem da sala que aparentava ter sessenta anos de idade. Apesar de todos os presentes na reunião possuírem cerca um século de vida, mantinham aparência jovial. Borghi não, sua aparência era calculada. Segundo acreditava, as pessoas ainda tinham o hábito de respeitar a palavra de pessoas de cabelo branco. A aparência da idade valia mais do que a idade em si. No entanto, apesar da aparência de seu rosto, quando abriu a boca, a voz que saiu não era a de uma pessoa idosa, mas sim a de um jovem confiante.
- A Liga Popular Estelar concordou em submeter três de seus homens ao comando do Coronel MacDonagan na missão de libertação dos prisioneiros. Eles acreditam cegamente que os responsáveis pelo desaparecimento são do governo cerniano e, falta muito pouco para que eles declarem guerra. Esses homens serão as testemunhas oculares perfeitas.
- Obrigado pela ótima notícia, Borghi, parece que não temos mais porque nos preocuparmos com essa etapa da missão, já a segunda parte me preocupa um pouco mais... Bragança, como os empresários e a população geral reagiriam em caso de guerra?
Bragança, obeso e de pernas frágeis, tentou se levantar, mas sem ajuda, apenas desabou pesadamente na cadeira, sorrindo constrangido, enquanto o Imperador agitava com a mão, concedendo permissão para que falasse sentado.
-Obrigado, meu Imperador. Já é notório que, mesmo a população comemorando as vitórias das batalhas, os empresários reclamam dos pesados impostos que sustentam as forças militares e dos altos custos de cada operação, no entanto, se o Império garantir que esta é a última das guerras, posso facilmente convencer meus iguais a apoiá-lo, como já tenho feito há tanto tempo.
Apesar das boas notícias, Amaru olhava para Bragança com repulsa. Segundo acreditava, a maior vantagem de ser um Imperador com tamanho poder era a de não ter que fingir suportar pessoas a quem não suportava. Com um aceno de mão, indicou que já tinha ouvido o bastante. Se Bragança estivesse em pé, essa seria a deixa para que voltasse a sentar, mas, como já estava sentado, a situação se tornou constrangedora por alguns instantes, até que o Imperador se voltou deliberadamente para o Marechal do Ar.
- E finalmente, a informação que tanto desejamos saber, Akahata, a construção do Punho Imperial foi concluída?
Com exceção do Conselheiro Imperial, todos os membros pareceram surpresos com a menção de um nome que não conheciam e que parecia se tratar de uma arma. O Marechal do Ar se levantou com ar triunfante. Tinha o rosto quase completamente tatuado, como era o costume de seu povo de origem.
- O Punho Imperial foi concluído há quatro dias, Imperador. Posso ter a honra de apresentar nosso projeto aos digníssimos membros de seu conselho?
Com um gesto de mão, o Imperador concedeu permissão.
- Não sei se vocês se lembram, inclusive, alguns membros, como o Marechal Sharif, nem faziam parte do conselho ainda. Cinquenta anos atrás eu pedi permissão e verbas para o Imperador para a tentativa de criar uma atmosfera respirável em um planetoide inabitável XT-227, o nosso território mais próximo da República de Cérnia. Utilizando a energia do núcleo do planetoide, conseguimos obter energia suficiente para tal propósito e o projeto foi um sucesso. Decidimos então transformá-lo em uma arma, o "Punho Imperial". Faz trinta anos que estamos construindo um único e magnânimo canhão. O propósito desse canhão é disparar toda a energia contida no núcleo do planetoide em direção à estrela Biós, criando uma supernova. Segundo nossos cálculos, a supernova de uma estrela da magnitude de Biós criará um efeito em cadeia, tornando mais três estrelas próximas em supernova, destruindo completamente quase metade dos planetas de Cérnia.
O Imperador esperava que aquele fosse um momento de glória, que os membros do conselho se ergueriam e aplaudiriam sua perspicácia, que finalmente o reconheceriam como um homem forte e audacioso, diferentemente de seu pai e avô que permitiram que aquela guerra estúpida durasse tanto tempo. Mas não foi isso que aconteceu, todos permaneceram em silêncio. Chocados.
- Achei que nunca mais veria este planeta...A nave de Polara, a última Millenium Swan ativa, pairava no limite máximo de aproximação aguardando a escolta da Força Aérea de Atlantis, pois qualquer nave que penetrasse em Atlantis sem a escolta da Força Aérea seria abatida pelo SADE, o Sistema Autônomo de Defesa Espacial.Visto do espaço, o planeta era completamente azul, principalmente pela semelhança entre sua atmosfera e a do Planeta Original, em tempos passados conhecido como "Terra". A existência de uma camada de ozônio e a gravidade próxima da padrão foram os principais motivos que levaram à colonização daquele planeta, apesar das dificuldades, como a temperatura ambiente de dezenove graus nas regiões equatoriais, quatorze graus nas regiões tropicais e de sete graus negativos nas regiões polares mesmo nas estaç&otild
Uma multidão saudava a lendária Capitã Polara com uma chuva incessante de aplausos, assovios e palavras de carinho, mas aquela manifestação não causava na mulher nenhum efeito positivo, apenas aumentava sua repulsa pelos seres humanos. Ela era aplaudida por quê? Por ter passado vinte anos destruindo vidas de pessoas a quem não tinha nenhuma desavença pessoal simplesmente por servirem sob uma bandeira diferente? Se ela se mantinha afastada de todos é por não ter orgulho de quem era, do animal que tinha se tornado, mas ali, sendo aplaudida, percebia que todos eram animais como ela, sedentos de sangue e utilizando uma desculpa qualquer para derramá-lo, mas, e se ela matasse um deles ali, naquele momento? Será que continuaria sendo aplaudida? O planejamento veio com naturalidade: O guarda da direita seria mais fácil, ele olha para o povo como se fosse ele o aplaudido, eu pisaria em seu p
O Soldado Embaixador vestia apenas uma tanga. Seu corpo apresentava diversos hematomas e cortes superficiais, seus joelhos estavam sujos, sua pele negra completamente lubrificada pelo suor. Ele empunhava dois pequenos bastões de madeira e parecia acuado, cercado por três homens com fardamento negro com detalhes dourados, no peito de cada homem o foguete negro sobre o círculo dourado, a bandeira de Cérnia. Às suas costas, uma quina de parede impedia a livre movimentação. Harlam arqueou um pouco o corpo, como uma fera que se prepara para dar o bote e, instintivamente, os dois homens mais a frente retraíram o corpo. O Soldado Embaixador aproveitou o momento oportuno para correr em direção ao soldado da direita, mas, ao invés de atacá-lo, com um salto mortal, transpôs seu inimigo, ficando com a maior parte do cômodo quadrado às suas costas, onde jaziam mais três homens, um deles i
Os dois homens caminhavam pelo galpão do espaçoporto, vestiam os macacões azul turquesa que indicavam a função no setor de manutenção e carregavam suas respectivas maletas de ferramentas. O da direita era alto e completamente careca e o da esquerda tinha estatura mediana e usava óculos de armação grossa.- Não sei por que estão tão interessados em destruir aquela nave!- É mesmo? Eu não sei é por que estão tão interessados em desativar o sistema da nave, já que ela será destruída.- Eu ouvi umas coisas sobre isso, mas não sei se acredito...- Sobre ela invadir o sistema da cidade?- É! Isso não te assusta? A nave sabotar os sistemas pra impedir a própria destruição? Já ouviu falar disso?- Se eu acreditasse, você acha que eu entr
As naves pairavam no espaço, paralelas, recarregando as energias para o próximo salto em direção ao destino misterioso. A Capitã Polara estava sentada em sua poltrona de comandante, treinando no simulador.Pelo visor de seu capacete, via a posição das naves inimigas, mas, apesar da inteligência artificial, os movimentos ficavam previsíveis com o passar do treino.No combate real, os comandantes cometiam erros e, nem sempre, isso era ruim ou desvantajoso para eles. Por mais de uma vez, durante combates reais, Polara se arrependeu de um movimento prematuro para logo em seguida perceber que seu erro podia ser utilizado para uma estratégia melhor que a ideia original. Com o simulador não acontecia aquilo, ele sempre usava as estratégias mais racionais para as situações, movimentos capazes de derrotar bons comandantes, mas fáceis de ser previstos por pessoas com gra
Grande Kelvin verificou a bateria do sintetizador de oxigênio de seu traje. Marcava menos de trinta por cento. Se o mercenário responsável por substituir seu turno de vigia não aparecesse em breve, ele largaria o posto. Grande Kelvin era um guerreiro experimentado, famoso pelo número de vidas que já tinha tirado em campo de batalha e não um garoto qualquer para ser esquecido em um posto de vigia num planeta longe de tudo. Se a remuneração que lhe pagavam não fosse tão alta, já teria abandonado aquela missão há muito tempo.Uma luz brilhou no céu avermelhado, chamando sua atenção.- Parece que finalmente teremos um pouco de ação.O mercenário acionou seu comunicador:- Alguém na escuta? Seis naves acabaram de penetrar em nossa atmosfera. Se continuarem nessa rota, irão pousar a poucas milhas do meu posto.
- Você tem certeza, Kelvin?- O maldito céu desse planeta é vermelho? Por Copérnico, León! Estou morando nessa merda de buraco há três anos.- Acha que o plano de Polara pode dar certo?- Eu não apostaria tão alto em uma única pessoa, mas se ela for realmente uma lenda, pode dar certo.- Então, atacaremos em trinta minutos.Uma verdadeira barricada estava montada em frente ao túnel de acesso de carga e descarga da estrutura. Três homens conseguiriam defender aquela posição privilegiada por horas, os oito mercenários ali posicionados poderiam resistir pelo resto da vida. Além do armamento pesado, duas metralhadoras automáticas disparavam na direção de qualquer coisa que se movesse dentro de seu raio de alcance. Os piratas atiravam e faziam fintas, forjando ataques de tempos em tempos, ma
A imagem do Marechal Sharif tomava conta do monitor. Seu rosto estava pálido e ele mexia a boca, sem pronunciar palavra. Uma única mulher, praticamente uma ermitã, tinha acabado de alterar cinquenta anos de planos e intrigas elaborados pelo Império. Mas de certa forma, ele tinha pensado na possibilidade de algo não sair como o planejado. Precisava colocar o plano auxiliar em ação o mais rápido possível.- Brigadeiro, não permita que os piratas efetuem o salto. Eu destaquei uma pequena frota para uma situação de emergência, ela está em um setor próximo e pode se deslocar até aí rapidamente. Você tem o comando da missão de resgate.- Marechal, não acho possível que consigamos deter as naves piratas sem colocar em risco a vida dos reféns.- Use apenas armas de pulso.Berli ponderou a ideia de Sh