Capítulo 2

Clara

Sinto-me extasiada, finalmente estou de férias, eu amo o meu trabalho, mas consegui convencer a minha família a vir me visitar e estou muito ansiosa com isso e por outro lado ficar um pouco longe de tantas tarefas vai me fazer bem. 

Penso em todos os lugares que levarei minha mãe e meu irmão, acho que minha cunhada vem, mas não tenho muita certeza. 

Bom o meu pai, faleceu faz alguns anos, então não posso contar com sua presença, não fisicamente, olho mais uma vez para o quarto de hospede e fico satisfeita, coloquei uma cama de casal e outra de solteiro o quarto não é muito pequeno, então não ficou apertado. 

Como este cômodo é um pouco claro coloquei uma cortina marrom escura que cobre a janela e vai até o chão deixando o quarto muito estiloso, quando me sinto satisfeita com a arrumação pego a chave do carro e vou ao mercado comprar algumas coisas que sei que eles gostam de comer. 

O mercado não é muito longe, mas como vou comprar bastante coisas prefiro ir de carro, assim que estou saindo da garagem avisto o meu vizinho saindo do prédio, nós nos cumprimentamos às vezes, acredito que seja por essa razão que paro o carro e buzino.

— Boa tarde vizinho, quer uma carona? - Pergunto forçando-me a sorrir, não me acho muito simpática, mas tento.

— Eu vou ao mercado é perto daqui, acho que não a necessidade. - Responde aproximando-se do carro, eu percebo com toda certeza que ele é muito melhor em sorrir do que eu.

— Que coincidência eu também vou ao mercado, mas não quero carregar peso. - Digo sorrindo.

— Então vou aproveitar a sua companhia. - Ele sorri, mostrando seus dentes perfeitos, em seguida dá a volta e entra no carro, eu dou partida e sigo para o mercado.

— Você é novo no prédio? - Indago tentando puxar assunto.

— Sou sim, tem uns dois meses que me mudei. Obrigada por perceber. - Diz tentando ser simpático.

— Não agradeça, foi fácil perceber. Você é o primeiro vizinho que fala comigo. - Sorrio sem disfarçar, pois realmente acho engraçado meus vizinhos mal-encarados todos os dias.

— Isso é sério? Por que não falariam com você? - Questiona realmente parecendo surpreso, eu respondi com naturalidade.

— Eu sou mulher e moro sozinha, existem quantas assim no prédio? - Sorrio para completar. — Infelizmente existe preconceito. - Digo por fim.

— Não havia pensado nisso, algumas mulheres realmente são ciumentas, mas acredito que seremos amigos, pois também não irão falar comigo. - Terminou a frase sorrindo.

— Sério? Por que tanta certeza? - Pergunto curiosa.

— Eu sou homossexual não terei nenhuma esposa. - Diz.

— Compreendo, acredito que seremos ótimos amigos. Prazer eu sou a Clara. - Apresentei-me sabendo que deveria ter feito isso no início da conversa.

— Fico feliz com isso Clara, prazer sou o Rafael. - Ele sorriu e nós conversamos sobre banalidades no mercado e na volta para casa. Foi divertido, nós nos conhecemos e pela primeira vez em tantos anos, percebi como uma amizade faz falta.

Quando chego a casa guardo as coisas que comprei e olho no relógio, já passa das 17h é o horário perfeito para uma caminhada, troco-me rapidamente e saio. Fui para um parque que ficava a 20 minutos do prédio, eu sabia que logo ia escurecer, mas em mais de dois anos morando ali não havia ouvido nada sobre ser perigoso, então não me preocupei. 

Chegando lá havia mais pessoas correndo, juntei-me a elas e comecei uma corrida de leve, estava tudo perfeito, eu ouço música enquanto corro e isso realmente me relaxa, então perdi a noção do tempo e quando percebi já estava muito escuro.

— Ótimo Clara, agora vai para casa sozinha. - Brigo comigo mesma, já seguindo o caminho de volta para o prédio, tudo parecia tranquilo e por um momento acreditei que caminhar a noite seria muito bom, pois o tempo é muito mais fresco, porém eu o senti. 

Senti atrás de mim algo se aproximando cada vez mais rápido e não havia pessoas na minha frente, nem do outro lado da rua, então eu resolvi olhar para trás, tentando de alguma forma descobrir quem estava me seguindo e quando olhei meu susto se tornou pânico, pois era o mesmo homem que há alguns meses atrás estava olhando para a minha janela, eu reconheci o chapéu, ele estava de óculos escuro, o que me impediu de ver seus olhos, senti minha respiração falhar quando ele começou a vir mais rápido em minha direção, não pensei em mais nada olhei para frente e comecei a correr. 

Corri o mais rápido que consegui, sabendo que estava devagar, mas eu havia corrido no parque e não estava em minha melhor forma, senti ele se aproximando de mim e tentei ir mais rápido, por um curto período achei que ele havia desistido e comecei a correr mais devagar, uma vez que estava muito cansada. 

De repente senti sua respiração cada vez mais próxima de mim, neste momento avistei o prédio, apressei o passo sentindo ele se afastar, então sem parar de correr olhei para trás e ele havia sumido, eu já estava mais aliviada e então eu senti uma pancada, eu havia batido em alguma coisa, mas no momento eu só senti o chão.

Algumas mãos tocaram em mim, puxando-me para cima, olhei sentindo minha respiração acelerar, porém me senti aliviada quando vi o Rafael segurando em meus braços.

— Clara você está bem? - Pergunta assustado. — Você veio correndo e olhando para trás, eu tentei desviar, mas não consegui. - Explicou-se. — Esta machucada? - Percebi a preocupação em seus olhos, ao mesmo tempo em que me senti aliviada ao vê-lo.

— Rafael, eu estou bem, estava fazendo um pouco de exercício achei ter visto algo, mas me enganei me perdoe por tê-lo atropelado. - Preferi não contar toda a verdade, afinal eu realmente não tinha certeza sobre o que estava acontecendo.

— Não se desculpe, acho melhor você se exercitar de dia. - Diz sorrindo.

— Também acho isso, acredito que o que aconteceu hoje não irá se repetir. - Falo ainda me desculpando. Percebi que ele olhava muito para algo por cima o meu ombro e tentei pelo canto dos olhos ver o que tanto procurava sem permitir que percebesse, mas isso me assustou, pois o que vi foi o chapéu, senti o ar faltar novamente e me apressei a entrar no prédio. — Boa noite Rafael, já vou indo. - Despedi-me enquanto andava em direção a minha casa.

— Boa noite Clara. - Fala sorrindo e eu senti algo diferente, percebi algo que não havia visto antes, ele estava dissimulando. Eu havia aprendido a observar muito as pessoas- e sabia quando elas mentiam se não soubesse fazê-lo, senti todo o meu corpo se arrepiar e entrei no prédio, sabendo que o Rafael não era alguém que eu podia confiar, eu poderia estar enganada talvez, essa dúvida ficou em minha cabeça. 

Assim que entrei no meu apartamento, a primeira coisa que fiz foi trancar todas as portas e as janelas.

Sentei-me no sofá sentindo minhas pernas bambas, fiquei lá deitada não sei exatamente por quanto tempo, mas o suficiente para acalmar meu corpo e meu coração, peguei no sono, mas acordei agitada e fui tomar banho. 

A água quente caí pelo meu corpo sobre os meus cabelos, fazendo com que eu me sinta mais relaxada, ensaboei-me como se estivesse em câmera lenta e logo passei shampoo em meus cabelos, esfreguei mais do que o suficiente, em seguida fiz uma leve massagem nos fios enquanto passava o condicionador, sentindo-me agora um pouco mais tranquila fiquei embaixo do chuveiro deixando a água cair sobre mim.

Alguns minutos depois terminei meu banho agora muito mais calma, massageei o meu corpo enquanto passava hidratante, sequei o cabelo e fui deitar, não sentia fome estava cansada, mas não tinha certeza se conseguiria dormir, ainda me sentia assustada, mas precisava ficar bem, pois amanhã era o grande dia, eles chegariam finalmente, depois de tanto tempo rever minha família era o melhor presente que eu poderia ganhar. 

Fiquei olhando para o teto enquanto o sono não aparecia, fiz todo o silêncio que pude deixando até a minha respiração desesperadamente silenciosa tentando ouvir algo na rua ou na janela, imaginando aquele homem de chapéu entrando no apartamento. 

Eu sabia que poderia me defender dele, eu não fazia krav maga atoa, não por tantos anos, mas eu queria evitar, eu já havia machucado alguém e tinha sido grave, prometi a mim mesma que isso não aconteceria de novo mesmo se fosse para minha defesa, respirei fundo e ouvi alguns latidos um pouco longe do prédio, isso me fez prender a respiração novamente, fiquei atenta e os latidos pararam. 

Virei-me lentamente na cama tentando forçar o sono a me dominar, mas não conseguia, não enquanto estivesse tão nervosa, levantei no escuro apenas com a luz da lanterna do celular, abri o guarda roupa e conferi minha gaveta escondida, bom minha arma estava lá e a munição também, eu teria como me proteger. 

Fui para a sala conferindo todas as portas e janelas, tudo estava trancado, respirei fundo percebendo que não iria dormir, sentei no sofá e liguei a televisão deixando com o volume baixo, pois assim eu conseguiria ouvir o que acontecia nos outros cômodos se alguém tentasse entrar eu estava pronta. 

Não sei quanto tempo eu ainda fiquei acordada, mas na manhã seguinte quando acordei, eu estava no sofá.

Abro os olhos lentamente vejo onde estou, sento me sentindo desnorteada, lembro o que aconteceu na noite anterior, penso em Rafael e se poderia ou não confiar nele de repente à campainha toca e isso me deixa mais nervosa, porém ao olhar no relógio compreendo o que está acontecendo, minha família chegou. 

Tento inutilmente arrumar o cabelo, mas quando toca novamente deixo-me despenteada e abro a porta. Sorrio da melhor forma que eu consigo e apesar do espanto nos olhos deles vejo que estão felizes a me ver, pois me abraçam todos ao mesmo tempo, um abraço tão apertado e aconchegante que me faz esquecer todo o medo que passei na noite passada.

— Que saudade que senti de vocês, estava tão ansiosa para chegarem logo. - Confesso enquanto os abraçava.

— Deu para perceber maninha, está toda despenteada. - Brinca meu irmão.

— Pedro você não deveria me zoar nos primeiros minutos que me vê, espera até o final do dia. - Respondi sorrindo. 

Ele é mais novo do que eu, está com 26 anos enquanto eu tenho 28, mas parece mais velho, afinal conseguiu uma profissão e um casamento estável bem antes de mim.

— Isso só mostra como ele sente sua falta Clara. - Comenta minha cunhada enquanto me abraça novamente.

— Isabel espero mesmo que isso seja saudade. - Digo enquanto retribuo o abraço.

Minha mãe se chama Catarina, ela não falou inicialmente preferiu entrar e olhar a casa, eu já contava com isso por esse motivo tentei deixar o mais organizado que podia, pois sei como ela pode ser crítica quando quer. 

Fechei a porta e fui para a cozinha preparar o café da manhã, enquanto a cafeteira fazia o café troquei de roupa e escovei os dentes, assim que estava com uma aparência melhor voltei à sala, informei qual era o quarto deles e enquanto colocavam as malas lá dentro eu arrumei a mesa. Havia comprado bastante coisa, para que o café parecesse aqueles de hotel, queria agradá-los fazia muito tempo que não os via e eu gostaria que sentissem o quanto são especiais. Voltaram rapidamente e sentaram a mesa enquanto eu os servia, pois fiz questão disso.

— E então, pretendem ficar por quanto tempo? - Perguntei enquanto se sentavam.

— Apenas três dias minha filha. - Respondeu minha mãe, parei na hora de preparar meu café, sentindo-me abandonada, fiz beicinho como se fosse chorar e disse.

— Mas é muito pouco tempo, não vai dar nem pra matar a saudade. - Choraminguei.

— Temos que cuidar do nosso negócio, não podemos ficar fechados por tantos dias, nossos clientes esperam por nós. - Eu fiquei em silêncio, sabia que não adiantava argumentar, o negócio da família era com produtos naturais eu tentei trabalhar com eles por um grande período, mas quando o meu pai morreu, minha mãe mudou, não sei explicar só sei que sempre senti que eu não era quem ela queria ao lado, minha cunhada e meu irmão eram preferidos por ela, esse foi um dos motivos que me fez vir embora, levantei meu rosto escondendo toda a magoa, dei o meu melhor sorriso e respondi. 

— Você está coberta de razão mãe, vou me encarregar de fazer desses três dias os melhores. - Ela não respondeu continuou tomando seu café e eu decidi fazer o mesmo.

Quando terminamos o café decido passear com eles mostrando a cidade e principalmente o prédio em que trabalho, enquanto eles vão trocar de roupa para colocar algo que os deixe mais à vontade eu limpo a cozinha, essa ação não é por causa da minha mãe, eu gosto de limpar, gosto de ter as minhas coisas organizadas. 

Sou muito parecida com o meu pai nesse sentido e acho que é por isso que minha mãe afastou-se de mim, tento arredar os pensamentos negativos enquanto termino de lavar a louça, tentando focar apenas no que me faz feliz e isso é fácil já que a felicidade está em minha casa.

— Seu pai também nunca quis ter uma família. - Escuto minha mãe atrás de mim e sinto um gosto amargo na boca, estava demorando em começar.

— Ele tem a gente. - Digo sem parar de lavar a louça.

— Ele nunca quis, assim como você. - Respirei fundo e senti meu rosto ficar quente, não foi uma sensação boa como quando eu vi a foto do filho do Estevão, era uma sensação de dor.

— Eu tenho uma família mãe, tenho vocês e tenho Estevão e Betina, só não me casei porque não conheci ninguém ainda. – Respondo tentando parecer natural.

— Seu chefe e sua mulher não são sua família. - Afirma amargamente.

— Você irá conhecê-los, não vamos discutir isso, quando temos tão pouco tempo para ficarmos juntos. - Falo virando-me e secando a mão, tentando sorrir.

— Isso é o que você diz. - Seu olhar era duro e eu desconfiei que ela estivesse ali apenas por causa do meu irmão e que ir embora em três dias era um acordo.

— Vamos passear! Eu sempre quis conhecer São Paulo. - Gritou Pedro parecendo animado e eu agradeci mil vezes dentro de mim por ouvi-lo, minha mãe saiu imediatamente e eu a segui. 

Não entendia o que acontecia entre a gente só sei que ela envelheceu muito após a morte do meu pai, para uma mulher de 50 anos ela aparentava uns dez anos a mais. Saímos logo e eu andei com eles pela cidade, era a primeira vez que estavam em meu carro e eu me sentia orgulhosa de poder oferecer algum conforto a eles, mostrei o prédio em que eu trabalho e fomos para um parque. 

Assim que estacionei descemos apressadamente, havia tantas árvores que fazia com que quiséssemos respirar apenas ali andamos um pouco devagar para aproveitar a paisagem e tiramos algumas fotos, havia alguns bichos e um lago grande no meio do parque o que deixava tudo mais aconchegante. 

Com o tempo minha mãe pareceu relaxar e eu também, percebi que ela sorriu em alguns momentos e isso me deixou mais feliz. Demorou um bom tempo para sentirmos fome, e quando os primeiros sinais começaram a aparecer eu os levei ao meu restaurante favorito. 

Como sou vegetaria por conta da minha família que sempre me incentivou a me alimentar de coisas naturais os levei a um restaurante vegano, a comida é realmente maravilhosa e eles adoraram. 

Depois disso fomos assistir a um filme, deixando nossa tarde muito mais interessante, pois em minha cidade não tem shopping, então a capital é útil em alguns sentidos. 

No final da tarde, minha mãe parecia outra pessoa mais animada e descontraída, já cansados fomos para casa, combinando de no dia seguinte irmos a um Club, deixando o almoço na casa do Sr. e Sra. Fernandes para o último dia da estadia deles comigo.

Bernardo

 

Estou organizando a minha mala no apartamento que divido com a Bianca, por sorte ela ainda não chegou e sei que possuo um tempo de paz.

Nos últimos dias ela ficou um pouco complicada, desde que avisei que voltaria para o Brasil, parece que ela perdeu o controle.

Coloco mais algumas roupas na mala, não pego tudo, pois não tenho intenção de ficar, sei que não serei bem vindo, mas reconheço que preciso resolver este assunto pendente. Já esperei tempo demais.

Arrumo minha bolsa em um canto no quarto e encaro a foto novamente, ele parece feliz, mas quero ter certeza de que está. Acho que devo isso a eles, talvez eu deva muito mais do que a garantia da felicidade.

— Vendo essa foto de novo? - Indaga Bianca ao adentrar o meu quarto, não a ouvi chegar.

— Sim. - Digo apenas.

— O seu velho é bem esperto, não acha? - Questiona e não gosto do sorriso que vejo em seus lábios.

— Ao que se refere? - Pergunto confuso.

— É a acompanhante de luxo dele, não percebe? - Diz como se fosse a coisa mais simples em dizer para alguém.

— Por que diz isso?  - Questiono nervoso.

— Está na cara. Ele é velho, ela jovem demais e eles parecem bem íntimos nessa foto. - Explica e sai do quarto, ainda parecendo feliz.

Não posso acreditar no que ela informou. Ele realmente parece feliz, mas poderia ser qualquer coisa. Não acho que trairia minha mãe.

E essa mulher parece ser mais nova do que eu, seria nojento demais. Observo atentamente a foto. Não consigo ver o rosto dela, mas por algum motivo acho que Bianca está errada.

Coloco a foto na escrivaninha e apago a luz, deito na cama e encaro o teto tentando compreender o que está acontecendo, mesmo sabendo que só irei entender quando estiver lá.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo