Capítulo 1

Clara

Respiro aliviada, pois mais uma semana está terminando e tudo ocorreu bem. Já faz dois anos desde que entrei pela primeira vez nesta empresa e a minha previsão estava certa: sou muito feliz aqui. 

Vou até a copa e pego uma xicara de café aqueço-me com a bebida enquanto termino de arrumar a minha sala, não pensei que teria uma carreira em tão pouco tempo, sou responsável pelos melhores clientes da companhia, afinal publicidade está sendo melhor do que pensei. 

O Senhor Estevão Fernandes, meu chefe me treinou muito bem, fez com que eu o acompanhasse em todos os eventos e reuniões, viajei por tantos lugares, conheci tantas pessoas que mal consigo acreditar e o melhor de tudo... Ganhei uma família. Sua esposa a Senhora Betina me trata como uma filha sou mais próxima deles do que de meus familiares que moram tão distantes de mim. É uma maneira de não me sentir tão sozinha, para ser sincera não lembro um momento antes desse em que me senti tão realizada.

 Ao terminar de arrumar as coisas olho ao redor, mesmo depois de algum tempo ainda não me acostumei com minha própria sala, ela é tão grande e bonita, possui duas janelas enormes que deixam a sala bem arejada, assim que comecei a trabalhar aqui trouxe algumas plantas para decorar o ambiente, o meu chefe me deu autonomia para deixá-la da forma que eu mais gostasse, então decorei do meu jeito, além da minha mesa tem um sofá e uma mesinha de centro onde coloquei uma vazo com flores vermelhas, tenho alguns quadros na parede gosto de arte abstrata e para deixar realmente com a minha personalidade tem uma única parede, mas a minha preferida que possui apenas a cor preta, acho que é a que mais combina comigo, sorrio dando uma última olhada para o armário que fica em um canto um pouco mais discreto vejo que realmente está tudo organizado e saio da sala trancando-a. Sinto-me tão leve e feliz com a minha realidade que acho difícil disfarçar, antes de ir embora me dirijo à sala do Senhor Fernandes para me despedir.

— Com licença. - Peço ao bater na porta. — Sr. Fernandes precisa de algo? - Pergunto assim que olha para mim, ele já é um senhor de idade aparenta ter um pouco mais de sessenta anos e gosto dele como se fosse meu pai, me apeguei muito a ele e sua esposa, sorrio para ele enquanto me encara.

— Srta. Andrade, muito obrigada por perguntar, mas já estou de saída também, não preciso de nada. - Ele se levanta e vem em minha direção carregando sua bolsa. 

— Aliás, se não tiver compromisso gostaria de ir jantar lá em casa? Betina vai adorar vê-la, ela chamou alguns amigos para ir lá hoje, o que me diz? - Eu penso durante alguns segundos, pois realmente não tenho compromisso, mesmo estando a dois anos trabalhando e morando neste novo lugar ainda não tive tempo para fazer amigos, os únicos que posso chamar assim é a família deste homem que está em minha frente.

— Eu adoraria, fico muito feliz pelo convite. - Ele sorri para mim, nós terminamos de trancar a sala e saímos pegando o elevador e indo direto para o estacionamento, finalmente comprei meu carro. O Sr. Fernandes dispensa seu motorista e vem junto comigo como fazemos sempre que estamos indo para o mesmo endereço.

— Clara, já disse que me sinto mais tranquilo quando você dirige? - Não consigo segurar minha risada e ele também não. Quando não estamos no horário de trabalho nos tratamos pelo primeiro nome, acho isso mais familiar.

— Fique tranquilo Estevão, em minha cidade as ruas são piores. - Ele concorda e não para de rir, após colocarmos o sinto de segurança saio em direção a sua casa.

Sinto-me livre quando dirijo, não posso apreciar a paisagem com tanta atenção, mas gosto da sensação de estar no controle, acho que é por isso que tenho tanta dificuldade em manter um relacionamento, nunca tive muita sorte nisso para ser sincera, gosto da minha independência, gosto de estar sozinha na maior parte do tempo. Paramos em um farol e vejo algumas crianças vendendo balas, eu compro algumas não por causa das balas, pois já não gosto tanto delas assim, mas pelas crianças, sinto que elas não deveriam trabalhar, mas não posso mudar sua realidade, então tento ajudar de alguma forma. Logo o farol abre e acelero afinal não tem trânsito e estou dentro da velocidade certa, para ser sincera a velocidade me atrai, porém logo tenho que parar existem muitos faróis por aqui, respiro fundo e continuo meu caminho. Nós conversamos sobre coisas aleatórias e então vem à pergunta que sempre tento evitar.

´— Querida, como estão seus familiares? - Sinto-me tensa quando falo deles, a distância mesmo parecendo boa chega a machucar. Sinto muita falta deles, mas ninguém quis sair do interior.

— Estão bem. Estou tentando convencê-los a vir para cá nas minhas férias, estou torcendo para que venham. - Falo um pouco mais animada.

— Isso será ótimo, vou falar com Betina para fazermos um almoço e convidar todos eles. - Sinto-me um pouco constrangida, mas ao mesmo tempo feliz.

— Não se preocupe com isso Estevão, não quero dar trabalho para vocês de jeito nenhum. - Digo deixando claro que não tenho interesse em que eles se preocupem.

— Não será trabalho nenhum, faço questão de conhecê-los e será um grande prazer recebê-los em minha casa. - Limito-me a agradecer, afinal pelo que conheço dele sei que não mudará de ideia e ainda faltam alguns meses.

Assim que chegamos à casa do Estevão eu entrego as chaves do carro para o segurança que irá estacioná-lo e o cumprimento, nós descemos do carro e andamos em direção à porta. A casa é muito grande, possui um quintal enorme, na entrada tem um portão branco tão alto que acho que tem o dobro da minha altura e eu não sou tão baixa. Percorremos uma distância considerável até chegar à porta, passamos por um jardim não tão grande, mas muito bonito, sempre me escondo lá quando quero ficar sozinha. Por fora a casa é pintada de um amarelo cintilante, são dois andares, acho que me sentiria sozinha se morasse aqui, eles têm alguns cachorros, dizem que são seguranças, mas para mim são os mais lindos e fofos que já vi. 

Quando entramos na casa me sinto pequena, mas confortável, todos que estão ali eu conheço, são pessoas que vi nas reuniões e alguns clientes que são muito amigos, Betina e Estevão são muito queridos por todos que os conhecem, pois são muito atenciosos. Assim que a vejo vou em sua direção, não consigo disfarçar o sorriso e ela também não, nos abraçamos, de forma calorosa eu realmente estava com saudade.

— Filha que bom que veio, eu havia dito ao Estevão que se chegasse sem você não o deixaria entrar. - Disse carinhosamente, eu não consegui controlar minha risada afinal fiquei imaginando aquela cena.

— Ele não havia me dito isso. - Comento enquanto sorrio. — Muito obrigada pelo convite. - Agradeço.

— Fico feliz por ele não ter precisado. - Sorrimos novamente e eu a acompanho enquanto cumprimento os outros convidados, são todos simpáticos comigo, alguns perguntaram se eu sou filha do Senhor e Sra. Fernandes eu sorrio e digo que não, mas juraram que nos parecemos.

Conversamos por mais algum tempo, todos me tratam muito bem e eu me sinto realmente em casa, depois de algum tempo o jantar foi servido. A comida esta maravilhosa assim como a companhia de todos, nossa noite foi tranquila e prazerosa.

Após o jantar comecei a andar pela casa em direção à biblioteca, eu adoro ficar lá, é definitivamente meu lugar preferido, é tão grande e aconchegante todos esses livros me animam e tem um ambiente próximo a janela preparado para quem quiser aproveitar uma boa leitura, porém essa noite algo chamou a minha atenção em cima de uma das prateleiras havia um envelope, como estava aberto eu espiei tentando descobrir se tinha algo lá dentro, vi uma foto e um papel retirei os dois lá de dentro e analisei. 

A foto é de um homem que aparenta ter mais de 30 anos ele é absurdamente atraente, ele está serio na foto com um ar de infelicidade, em um parque que eu nunca vi nessa cidade, permaneço um tempo olhando aquela foto, pois ele realmente é muito bonito fico imaginando ele em minha frente e sento meu rosto começar a ficar quente, sentindo-me envergonhada coloco a foto na prateleira e abro o papel descobrindo uma pequena carta, sem me importar se alguém poderia entrar comecei a ler, ela dizia assim... 

“Pai, sei que faz tempo que não nos vemos, estou mandando a foto para que me reconheçam. Vou para o Brasil dentro de alguns meses, espero encontrá-los bem, então nos veremos em breve. Abraço. Bernardo Fernandes de Azevedo.”

Fiquei por um tempo encarando aquele papel, eu não sabia que eles tinham um filho, aliás, nunca me falaram sobre ele senti que havia algo errado, o que teria acontecido com ele? Há quanto tempo estaria fora do Brasil? Onde ele estaria? Essas perguntas ficaram atormentando minha cabeça e uma curiosidade crescente tomava conta de mim. Por que precisa de uma foto para reconhecer o próprio filho? O que teria acontecido. 

Não havia fotos dele pela casa e isso ficava ainda mais estranho porque tinha fotos minhas pela casa com o Estevão e a Betina, mas eu nunca soube de nenhum filho. Guardei as coisas dentro do envelope e o coloquei no mesmo lugar, desejando que ninguém tivesse me visto e decidindo deixar essa história esquecida afinal eu não tinha direito de me intrometer na vida de ninguém, voltei a caminhar pela biblioteca folheei alguns livros, mas esse assunto não saia de minha cabeça, um pouco cansada voltei para a sala. 

Era como se eu tivesse outros olhos, tudo parecia diferente por que tinha um segredo e eu queria saber o motivo que o fazia existir, conversei mais um pouco com as pessoas e decidi voltar para casa, enfim já estava tarde eu tinha treino no dia seguinte de manhã bem cedo, me despedi das pessoas e aproximei-me de Estevão e Betina, observei atenta o rosto deles, talvez como não havia observado antes, não pareciam pessoas mentirosas ou ruins, se pareciam mais com pessoas que guardavam uma grande dor, os abracei com carinho sentido que os amava muito em seguida peguei meu carro e sai dali.

Deixei o vidro do carro aberto para sentir o vento que acalmava minha noite, eu amava o tempo fresco, não gostava nem do frio nem do calor, mas do tempo ameno, tranquilo, coloquei uma música baixa chamada Cry a cantora é Mandy Moore, eu adoro essa música faz com que eu me lembre de coisas boas, em seguida começaram outras músicas e com essa distração voltei para casa, ao chegar tomei um banho relaxante e fui para a cama, estava muito cansada acredito que foi por esse motivo que adormeci rapidamente.

Acordei no meio da noite, um pouco assustada e sentindo muito frio, abri os olhos lentamente tentando entender o que estava acontecendo não me recordava de onde estava, pisquei algumas vezes até que consegui abri-los completamente. 

Olhei para o teto primeiramente e em seguida para os lados, percebi que estava no meu quarto e que a janela estava aberta, olhei-a sem entender, pois não me recordava de tê-la deixado aberta, mas também não me lembrava de tê-la trancado, levantei e fui até ela com a intenção de trancá-la, porém algo chamou minha atenção.

 De frente para a minha janela do outro lado da rua, havia um homem, mas estava tão escuro que não conseguir ver seu rosto, acho que mesmo no claro não conseguiria ver, por causa do chapéu que estava usando, fiquei olhando para ele por um tempo, pois parecia que olhava em direção a minha casa. 

Eu estava escondida atrás da cortina por esta razão não conseguia me ver, demorou alguns minutos que pareciam uma eternidade e ele foi embora, quando estava longe fechei a janela rapidamente e dessa vez garanti que estivesse trancada. 

Meu coração estava acelerado e eu estava nervosa, então fui até a cozinha pegar um copo com água agradecendo mentalmente pôr a minha casa ser no terceiro andar.

Voltei para o quarto e olhei o relógio e vi que eram 03h15min da madrugada, ficando ainda mais amedrontada, por que alguém estaria na rua essa hora? Por que minha janela estava aberta? Imaginei que não teria a resposta neste momento e me deitando novamente tentei pegar no sono, mas agora parecia muito mais difícil, após muito me revirar, adormeci.

Bernardo

Passo as mãos pelos meus cabelos novamente e observo a papelada, não acredito que estou passando grande parte da empresa para o meu sócio, porém chegou o momento de voltar, esse era o limite.

— O que acha de sairmos hoje? - Indaga Bianca parecendo animada.

Bianca é uma velha amiga, nos aproximamos muitos quando mudamos de país. Quando nos conhecemos não tínhamos mais ninguém, então nos aproximamos e acabamos por virarmos uma família.

— Já disse que não tenho tempo Bia. - Respondo ríspido.

— Tem certeza que quer voltar ao Brasil? - Questiona.

— Sim. Nova York é incrível, mas chegou o momento de tentar concertar algumas coisas. Preciso rever a minha família. Explico mais uma vez. Nossa relação sempre foi boa, mas faz um tempo em que se torna difícil estar com ela.

— Está perdendo o seu tempo. - Diz e vai em direção à porta.

— Obrigado por avisar. - Falo ainda encarando os meus papéis.

— Quando quiser um pouco de diversão, estou aqui. - Afirma e sopra um beijo em minha direção.

Nós sempre fomos amigos, mas ela parece confusa com os sentimentos. Embaraçou algumas relações sexuais com amor quando sempre deixei claro que não sentia nada além de amizade.

O meu erro foi tentar. Pensei que poderíamos ter algo além, ela disse que merecíamos, mas não consegui sentir nada, apenas a amizade que já compartilhávamos.

Olho mais uma vez os papéis, encaro uma foto que me preocupa. Preciso saber quem é ela e o que está fazendo com o meu pai.

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