[Patricia]Fiquei parada por um longo tempo no vestiário, com as mãos apoiadas na pia e o som da água escorrendo pelo ralo, ecoando no silêncio ao meu redor. Minha mente estava presa naquele olhar do outro lado da rua, naquela sensação sufocante de ser observada.Marcus. O nome dele reverberava na minha cabeça como um eco interminável. Mesmo depois de tanto tempo, mesmo depois de toda a terapia, depois de tantas noites em claro tentando reconstruir quem eu era, apenas uma visão dele bastou para me desestabilizar completamente.— Você não está mais lá, Patrícia… você não está mais lá. — Murmurei para mim mesma, tentando encontrar alguma firmeza na voz.Fechei os olhos e respirei fundo, tentando controlar o tremor nas mãos.— Paty? — A voz de Ester veio novamente, do lado de fora do vestiário, mas desta vez mais calma. — As aulas terminaram. As meninas já foram embora. Tudo bem aí?— Já estou indo… — respondi, tentando disfarçar a fragilidade na voz.Sequei meu rosto com uma toalha e aj
[Lucas]A sala do grupo de apoio estava mais silenciosa do que o habitual. As cadeiras dispostas em círculo, algumas ainda ocupadas por pessoas que demoravam a se levantar, pareciam carregar os pesos invisíveis das histórias compartilhadas naquela noite. O aroma suave de chá misturava-se com o cheiro levemente adocicado dos biscoitos sobre a mesa ao fundo.— Há algum tempo descobri quem era a mulher que encontrei no terraço do hospital. — Minha voz quebrou o silêncio, e todos os olhares se voltaram para mim.Alguns sorrisos surgiram, pequenos, mas encorajadores. Gabriela, uma mulher que havia perdido o filho adolescente em um assalto, estava sentada à minha esquerda, inclinou-se ligeiramente para frente. Ela sempre parecia atenta, seus olhos cheios de compreensão e gentileza.— E como foi, Lucas? Como foi reencontrar ela? — Gabriela perguntou, sua voz suave, mas firme.Soltei um suspiro baixo e sorri de lado, quase tímido.— Foi… inesperado. — Fiz uma breve pausa, as palavras pesavam
[Patricia]O silêncio tranquilo da noite foi interrompido pelo som suave da porta da frente se fechando. Eu estava no meu quarto, enrolada nos lençóis, mas completamente desperta. A luz do abajur projetava sombras suaves nas paredes, e o livro que eu tentava ler estava esquecido ao meu lado.— Paty, está acordada? — A voz de Ester soou do outro lado da porta, seguida de duas batidinhas delicadas.— Sim, estou. Pode entrar! — respondi, ajeitando-me na cama e afastando o livro para o lado.Ester entrou com um sorriso luminoso, como se estivesse carregando uma estrela dentro de si. Seu olhar brilhava, e ela suspirou antes mesmo de falar qualquer coisa.— Nem precisa me diz
[Patrícia]Era próximo do horário do almoço quando Miguel e Leandro apareceram no estúdio, trazendo uma energia descontraída. Eu e Ester estávamos organizando alguns materiais para as aulas quando os vimos entrar.— Olá, meninas! — cumprimentou Leandro, com um sorriso no rosto.— Boa tarde! — respondi educadamente, tentando ser cordial.Ester, por sua vez, ficou ligeiramente tímida, mas não hesitou em cumprimentar Miguel com um beijo nos lábios.— Uuuuu! — provoquei, lançando um olhar divertido para ela.Ester ficou vermelha na hora. [Lucas ]Ver Patrícia ao lado de Miguel, próximo ao estúdio, fez algo apertar no meu peito. Era um sentimento difícil de nomear. Eu sabia que éramos apenas amigos, especialmente por causa do namoro de Miguel com Ester, mas desde o dia em que a vi na inauguração do estúdio, algo começou a se mexer dentro de mim. Era como se uma parte adormecida — algo que eu estava determinado a enterrar — insistisse em voltar à vida.Uma parte de mim sussurrava para tentar, mas a outra gritava que eu não estava pronto. As memórias de Milena ainda estavam frescas demais, como uma ferida que mal começava a cicatrizar.Eu estava perdido nesses pensamentos quando o telefone da minha meCapítulo 29
[Patricia]O estúdio de dança estava repleto de risadas leves e da energia vibrante das crianças. Caminhei pelo espaço iluminado, com o olhar atento e o coração aquecido por estar ali. Minhas pequenas alunas se esforçavam para acompanhar os movimentos básicos que eu ensinava. Algumas tropeçavam nos próprios pés, outras riam da descoordenação, mas todas estavam tão empenhadas que meu peito se enchia de orgulho.— Certo, meninas, vamos tentar mais uma vez! Lembrem-se: posição de primeira! — disse com entusiasmo. — Pés juntos, braços arredondados... Isso mesmo, Ana! Muito bem!Observei Ana acertar a posição, o sorriso orgulhoso iluminando seu rosto. Outras parecia
[Patricia]Marcus estava parado na entrada do estúdio, um sorriso nos lábios, mas seus olhos carregavam algo que me fazia recuar instintivamente.— Você continua linda. — disse ele, com aquele tom que antes me fazia ceder. — Sinto falta de quando você dançava pra mim.A memória dos dias em que ele exigia que eu dançasse veio como uma facada no peito. Respirei fundo, tentando manter a calma.— Marcus, vai embora. — consegui dizer, com a voz mais firme. — Não tenho nada para falar com você.— Mas eu tenho, Paty. — Ele deu um passo à frente, e eu recuei automaticamente. — Eu sinto saudades de você… de nós. Me perdoa. Sei que errei.Ele estava bloqueando a saída, e cada palavra sua parecia me prender ainda mais.— Já te perdoei tantas vezes, Marcus. Não acredito mais em você. — falei, tentando soar confiante, mas a verdade é que meu corpo tremia por dentro.Ele riu, um som amargo e cheio de sarcasmo.— Eu te amo, Paty. — disse ele, a voz suave, quase como um sussurro. — Eu não queria te m
[Patricia]Ester lançou um olhar firme para os dois homens.— Já voltamos. Vou acompanhar a Paty até o quarto dela.Lucas e Miguel assentiram em silêncio, o clima ainda pesado pelos eventos da noite.No meu quarto, sentei-me na beira da cama, tentando assimilar o caos de momentos atrás. O ambiente, antes meu refúgio, agora parecia opressor, como se as paredes estivessem fechando ao meu redor.— Eu não sei, Ester… como ele conseguiu me achar? Como ele foi capaz…? — Minha voz falhou, e as palavras ficaram presas na garganta, sufocadas pela lembrança de Marcus. — Se o Lucas não tivesse chegado, ele teria… — não consegui conter as lágrimas que molhavam meus cílios. A dor de terminar a frase era insuportável.Ester se ajoelhou à minha frente, segurando minhas mãos com firmeza.— Paty, não pense nisso agora. O importante é que não aconteceu nada. Você está aqui, segura. — Seus olhos transbordavam de preocupação. — Tome um banho. Eu volto em alguns minutos.Assenti em silêncio, incapaz de a