Confirmo o número do prédio e entro, na recepção minha entrada é liberada com facilidade. Quando o elevador chega ao décimo andar me apresso em sair, para minha surpresa me deparo com várias pessoas falando ao mesmo tempo, umas em suas mesas com mais de uma pessoa a sua volta e outras circulando pelo amplo espaço. As mesas não são organizadas em baias, nem em salas. Elas ficam dispostas no centro, uma ao lado da outra, formando dois corredores, permitindo a circulação em volta delas. Uma mulher que aparenta ter uns trinta e cinco anos, com um vestido de linho cinza-claro, justo, vem em minha direção.
⸻ Ana, sou Suzana, ele estica sua mão em comprimento, em seguida entrego os ternos. Me acompanhe por favor, sorrio e sigo seus passos. Por todo caminho vejo imagens de muitas propagandas que já vi nas redes sociais e na tv. Fico maravilhada. No final do amplo espaço tem uma sala toda de vidro, ela é pequena, porém, bem moderna. Suzana abre a porta, na sala pega o terno que está sobre a poltrona e me entrega. Confiro se o nome que está em seu bolso é da Store, confirmado a agradeço e caminho de volta. Suzana me acompanha.
⸻ É sempre assim? Pergunto mostrando os funcionários. Ela rir.
⸻ Às vezes pior. Essa é a forma de criação deles, vai entender. Sorrio e me despeço. As portas do elevador se abrem, e um homem negro, alto, musculoso e bem-vestido está dentro dele, quando seus olhos se deparam com os meus abaixo minha cabeça, essa minha reação é completamente inesperada. Não digo que senti vergonha ou que fiquei constrangida com sua presença, apenas precisava fazer isso.
Alguns segundos se passam até que ele passa por mim, seu perfume invade minhas narinas, inspiro. O elevador fecha as portas, minha inércia fez com que eu o perdesse. Me atrevo a olhar para trás e vejo Suzana ao seu lado, o acompanha até que eles entram na sala que estive a poucos minutos. Me recomponho e aperto o botão do elevador, em segundos ele abre, entro e olho para a sala, apesar da distância, vejo que ele está olhando em minha direção, mais uma vez abaixo minha cabeça. A porta do elevador se fecha e eu solto o ar que estava preso em meu peito. Me pergunto, o que aconteceu?
Os dias passam e é sempre a mesma coisa, do trabalho para casa e vice-versa. Depois de quase um mês sem sair socialmente, uns amigos do trabalho do Bruno nos chamaram para irmos a um barzinho onde tem música ao vivo. Amei a ideia, estou cansada de ficar em casa. Por mais que goste do nosso cantinho, sair de vez enquanto faz bem.
Felizmente, hoje não está quente, o clima está fresco. Decido colocar uma calça, jeans clara, com uma camisa de seda branca e um scarpin vermelho. Capricho na maquiagem, uso um batom bem vermelho, hoje quero dar trabalho para o Bruno, esquentar um pouco nossa relação. As conversas do grupo feminino que participo estão me deixando muito assanhadinha.
Quando chegamos no barzinho, João e Fernando nos cumprimentam, ambos trabalham com o Bruno. À mesa tem três mulheres que não conheço. Bruno me apresenta dizendo que elas também são funcionárias da empresa, trabalham no RH. Acho estranho, a conta não bate, se eu não estivesse aqui os casais estariam formados. As meninas conversam entre elas, uma delas, a ruiva que nem lembro mais o nome, peguei me olhando algumas vezes. Bruno esquece que estou presente e engata uma conversa animada com os amigos, pede uma cerveja, nos serve e continua em seu assunto interessante. Começo a pensar que não foi boa ideia sair de casa.
Algumas pessoas estão dançando, levanto-me e vou para a pista, nem aviso ao Bruno, é capaz dele nem sentir minha falta. Movimento meus quadris ao som de Lulu Santos, amo demais suas músicas. Percebo alguns olhares, mas finjo não ver, para eu seria interessante se meu namorido sentisse minha falta e visse que outros homens me desejam. Colasse seu corpo no meu marcando terreno. Só isso que eu queria, penso que não é pedir muito.
Volto para mesa, João e Fernando não estão e nem às duas mulheres, somente Bruno e a ruiva. Não gosto nada disso, mas não digo nada.
⸻ Oi! Amor, recebo um beijo na testa, isso mesmo, na testa? Sorrio amarelo.
A ruiva puxa um assunto relacionado ao trabalho, observo a interação dos dois, ainda não vi maldade da parte do Bruno, em relação à ruiva, não posso dizer a mesma coisa. Aos poucos os demais vão retornando e fico de fora da interação deles. Me distraio observando uma mesa que está ao lado direito da nossa. Nela há um casal que me dá a impressão que esse lugar não pertence a eles dois. Consigo sentir a intensidade na troca de olhar deles, parece que estão em um mundo à parte. Muitas vezes meus pais se comportavam assim, como se eu não estivesse presente.
Os lábios dela não se move, o dele move-se poucas vezes, ambos conversam praticamente em silêncio. Não consigo parar de olhá-los, de repente sinto inveja daquela bela mulher de pele escura. Por mais que eu passe o dia inteiro no sol, nunca consegui chegar a esse tom, sou negra do tom mais claro. Eles se levantam, os acompanho com os olhos. Param na pista, me levanto e caminho para o mais próximo possível e os observo. Ela começa a se mover timidamente, ele a olha com admiração e desejo. Alguns homens olham o movimento sexy do seu corpo, mas ela não vê, seus olhos são para ele, todo seu balançar pertence ao seu homem.
Ele observa ao redor e o sorriso some dos seus lábios, seu corpo claro e grande cola no da sua amada, ele a protege, marca terreno, diz a todos que ela é dele. Sua boca envolve a dela, é nítido o desejo, a entrega. Passo a língua pelos meus lábios, fico excitada com essa cena, que sei que nunca acontecerá comigo, o homem que amo não é dominante como esse. Sinto vontade de me tocar quando suas mãos grandes deslizam pelo corpo dela e estaciona em sua bunda. Ele desfaz o beijo e diz algo em seu ouvido, imagino diversas coisas, ela consente com a cabeça, e responde algo em uma frase curta.
Eles saem da pista, voltam a mesa, ele paga a conta e vão embora. Minha vontade é de ir atrás deles, de ver eles se entregando a luxúria. Com meu sexo latejante, sento-me à mesa, Bruno segura minha mão, pergunta se está tudo bem, maneio a cabeça e sorrio, ele volta a conversar com seus amigos. Peço uma cerveja e bebo tudo de uma vez. Digo que quero ir embora, Bruno diz para ficarmos mais um pouco, argumenta que saímos poucas vezes e devemos aproveitar. Ele só esquece de mencionar que a culpa não é minha, ele nunca quer sair comigo. Para não discutir, digo-o que fique. Nunca tivemos problemas em relação a isso, ele insiste em ir, mas depois do que aconteceu, prefiro ficar sozinha. Ele me dá a chave do carro e diz que já bebeu muito, voltará de Uber.
Me despeço só dos rapazes, as meninas fingiram a noite toda que eu não existia. Bruno me acompanha até o carro, entro e dou partida sem dizer nada.
ANAEm casa me desfaço da minha roupa e jogo-me na cama, permaneço com minha lingerie. Penso no casal e como me senti os observando. Minha memória me leva aos meus pais, ao Bruno e ao homem de pele escura que vi a um mês quando fui trocar o terno. Desde aquele dia a cena de nosso ‘encontro’ na porta do elevador se repete em câmera lenta em meus pensamentos.Minha mão desliza por dentro da minha calcinha, meus dedos envolvem meu nervo, movimentando levemente. As imagens se misturam, meu corpo se arrepia. Me vejo no lugar da mulher no bar, o homem não é mais o dela, é o Bruno, em poucos segundos, não é mais o Bruno, é ele, o homem que vi por um pouco mais de um minuto. Sua pele negra se destaca nas luzes brilhantes da pista de dança. Suas mãos alcançam minha bunda. Sua boca encosta na minha, eu a abro para recebê-lo. Sua língua dita os movimen
HECTOR⸻ Te dou o até o final do mês para que você resolva isso, nem um dia a mais. Irritado desligo o telefone e o bato no gancho. Faz dois meses que solicitei ao corretor um lugar descente para empresa, é impossível que em um centro comercial enorme como esse não tenha dois andares disponíveis para mim. Desde que o andar onde funcionava a agência pegou fogo, ele conseguiu esse espaço que é um caos, me iludiu ao dizer que era ‘provisório’.⸻ Suzana, providência por favor outra imobiliária, vê se eles conseguem para ontem um lugar descente para nós. Nesse espaço improvisado estão misturados todos os setores. Apesar de o trabalho estar fluindo, não é o ideal. Preciso que os setores sejam divididos, um para o departamento do atendimento, outro para o planejamento, para criação, tráfego, redação pu
HECTOREla me olha com desejo, muitas mulheres desejam um homem negro como eu, muitas querem comprovar o que dizem sobre nós em relação ao sexo e a respeito do nosso pênis. Isso também acontece com as mulheres negras e a fama de serem quentes na cama. Porém, as mulheres da alta sociedade nos usam para realizar seus desejos, uma pequena minoria nos quer como seus parceiros no dia a dia. A maioria não quer apresentar um homem de pele escura como seu companheiro, namorado, esposo. Não digo isso em relação a mim, e sim em relação a homens que tem um relacionamento, baunilha, apesar de já ter recebido algumas propostas como essa.⸻ Qual seu nome? Pergunto.⸻ Ana ClaraPorra, o que está acontecendo? Ana? A menção desse nome me deixa animado, porém, a Ana dos meus pensamentos, é linda, desde o nosso ‘encontro no’ elevador, a
ANAMeu final de semana foi praticamente dentro do quarto, não tive ânimo para fazer nada. Pela manhã acordava bem cedo, tomava café com minha mãe, às sete, meu pai já estava no mar. Depois caminhava pela praia. O mar e o vento gelado eram as testemunhas da tristeza em meu peito. Pensar no Bruno, em nosso relacionamento e em tudo que aconteceu, por mais que eu não quisesse, eram as únicas coisas que eu fazia. Ainda não consigo entender como que de repente tudo mudou. O que sei de relacionamento, vida a dois e de sexo, aprendi com ele. Antes do Bruno não havia namorado ninguém, minha única experiência foi um beijo inocente de uma adolescente.Com ele me tornei mulher, éramos perfeitos um para o outro, a não ser por um detalhe. Em mim há uma necessidade de ser domada, não que eu seja um animal feroz, longe disso. Preciso ser conduzida, não
ANASubo as escadas do prédio com o coração palpitando, a última vez que estive aqui foi sábado de manhã. Ando pelo corredor do terceiro andar ansiosa, sei que Bruno ainda não está em casa, costumamos chegar às seis, já que chegávamos juntos.Abro a porta e entro. Coloco minha bolsa sobre o sofá e me sento. Olho em volta pensativa, ainda não sei o que vou fazer, meus sentimentos em relação a essa situação, não está definida. O mais estranho é que nunca me imaginei sem o Bruno, mas estou cogitando essa possibilidade. Sempre falei brincando com as meninas sobre outros homens, em nosso grupo no WhatsApp dizemos muitas bobagens, mas tudo não passou de diversão, nunca cogitei me deitar com outro homem que não fosse o Bruno, se eu tinha alguma fantasia, era com ele que queria realizar.Como um passe de m&aac
ANAUma semana se passou, aos poucos Bruno e eu estamos voltando a nossa normalidade, ainda não fizemos amor, ele não demostrou interesse e eu não sinto a menor vontade, as imagens dele me segurando a força, me obrigando a transar com ele ainda permanece em minha cabeça. Meu pai foi duas vezes essa semana a Velha Boipeba para poder me ligar, ele estava preocupado, só se tranquilizou quando Bruno falou com ele e disse que estamos bem. Não tive coragem de contar o que aconteceu, se ele soubesse, protetor do jeito que é as coisas não ficariam nada bem.Rose me chamou para ir a um Pub amanhã, segundo ela, preciso descobrir que existe vida além do Bruno. Para ela não me dei oportunidade de conhecer a vida, mal cheguei na cidade grande entrei de cabeça em um relacionamento. Para ela tem muitas coisas para viver e aprender.⸻ Vou pensar, digo me despedindo, hoje irei embora soz
HECTORDepois de dez dias de obra, finalmente mudamos para o novo prédio. Não foi necessário fazer muitas modificações, alguns reparos e uma nova pintura, foram suficientes. Fiquei muito ansioso para que esse dia chegasse, o motivo da minha ansiedade não era só a empresa, não via a hora de poder estar trabalhando no mesmo prédio que a Ana, e assim talvez me aproximar dela. Estive todos os dias no prédio com a desculpa de verificar a obra, o que eu queria era a encontrar casualmente, mas não tive essa sorte.⸻ Bom dia! Digo assim que saio do elevador e passo pela recepcionista. Caminho até Suzana que está concentrada no seu computador em sua sala. Bato na porta aberta e ela sorri quando me vê.⸻ Como está se sentindo? Pergunto.⸻ Melhor impossível, essa tranquilidade, ela coloca as mãos nos ouvidos, é perfeita. Rio alto.⸻ T
ANAAcordo assustada com o pesadelo que tive, foi muito estranho, havia pessoas que não conheço, elas me cercavam e apontavam os dedos para mim. Diziam coisas que não conseguia ouvir, era como se elas tivessem me acusando, como se houvesse cometido algum crime. O cerco a minha volta foi se fechando, me sufocando, nesse momento as vozes se tronaram audíveis, gritavam, Burra. Burra, em comum acordo. Acordei assustada com o coração acelerado. Sento-me na cama, as imagens daquelas pessoas me acusando me fazem mal, mesmo sabendo que foi um sonho, sinto aperto em meu coração, como se algo ruim fosse acontecer.Pego meu celular na mesinha de cabeceira e vejo que são duas da manhã, olho para o lado, Bruno está dormindo, não sei dizer a hora que ele chegou. Levanto-me vou ao banheiro, uso sanitário, lavo as mãos, o rosto e volto para cama, forço-me a dormir sem pensar em n